Vermelho
Marx, ao contrário de toda a historiografia liberal, tenta
demonstrar que a luta de classes é que “criou na França as
circunstâncias e as condições que permitiram a um personagem medíocre e
grotesco representar o papel de herói”.
Por Augusto C. Buonicore*, do Portal Fundação Mauricio Grabois
O laboratório francês
A França foi para Karl Marx um laboratório privilegiado de seus estudos sobre a história da formação do capitalismo. O seu amigo Engels explicaria a razão desse interesse: “A França é o país em que as lutas históricas de classes sempre foram levadas mais do que em nenhum outro lugar ao seu termo decisivo, e onde, portanto, as formas políticas mutáveis, dentro das quais se movem estas lutas de classes e nas quais se assumem os seus resultados, adquirem os contornos mais acusados. Centro do feudalismo na Idade Média e país modelo da monarquia unitária de Estados [ou ordens sociais — standische], desde o Renascimento a França demoliu o feudalismo na grande Revolução e fundou a dominação pura da burguesia sob uma forma clássica como nenhum outro país da Europa. Também a luta do proletariado cada vez mais vigoroso contra a burguesia dominante reveste aqui uma forma aguda, desconhecida noutras partes. Esta foi a razão por que Marx não só estudava com especial predileção a história passada francesa, mas também seguia em todos os seus pormenores a história em curso, reunindo os materiais para os empregar posteriormente, e portanto nunca se via surpreendido pelos acontecimentos” (Marx, 1982: 17-18).
Quando, em 2 de dezembro de 1851, o presidente Louis Bonaparte deu o golpe de Estado na França, que abriria caminho para a instauração do II Império, a maioria das pessoas foi pega de surpresa. Aquilo lhes parecia, como diria Marx, um “raio em céu sereno”. A partir daí as tentativas de explicação daquele evento, aparentemente inusitado, se multiplicaram. Entre as obras que tiveram maior repercussão naquele período estavam: Napoleão: o pequeno, de Victor Hugo e Golpe de Estado, de Proudhon. Duas figuras com grande expressão na cultura francesa.
Enquanto isso acontecia, do outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, o socialista Joseph Weydemeyer trabalhava na criação de um jornal semanal de caráter democrático. Justamente por essa razão, pediu a seu amigo Karl Marx que lhe enviasse uma série de artigos tratando do golpe de Estado que abalara a França. A tarefa foi aceita e cumprida com êxito. Até meados de fevereiro de 1852, Marx lhe enviou vários artigos sobre o assunto proposto.
Contudo, o projeto de Weydemeyer não se realizou exatamente como pretendido. No lugar de um jornal semanal acabou sendo lançada uma revista mensal com o título Die Revolution (A revolução). Foi ali, logo no primeiro número, que saíram os textos de Marx, organizados sob o título de O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. O nome era uma referência ao golpe de Estado dado por Napoleão Bonaparte em 9 de novembro de 1799 — que no antigo calendário implantado pela Revolução Francesa era 18 do mês de Brumário.
Alguns anos depois — no Prefácio à segunda edição publicada em 1869 —, Marx compararia a originalidade de seu trabalho em relação aos realizados pelos dois autores citados anteriormente. Para Victor Hugo, o golpe napoleônico não havia sido nada mais que “um ato de força de um só indivíduo”. Não se dando conta de que com isso apenas engrandecia “este indivíduo em vez de diminuí-lo”, pois lhe atribuía “um poder pessoal de iniciativa sem paralelo na história universal”. Por outro lado, para Proudhon, “a construção histórica do golpe de Estado transforma-se numa apologia histórica do herói do golpe de Estado”.
Marx, ao contrário desses dois pensadores e de toda a historiografia liberal, tenta demonstrar que a luta de classes é que “criou na França as circunstâncias e as condições que permitiram a um personagem medíocre e grotesco representar o papel de herói” (Marx, 1982:12). Tendo por base os artigos de As lutas de classes na França, publicados na Nova Gazeta Renana, fez o balanço do processo revolucionário e contrarrevolucionário ocorrido naquele país desde fevereiro de 1848.
Tratamos neste artigo apenas dos anos que sucederam ao massacre do levante dos operários parisienses em junho de 1848. O período que antecedeu esse importante acontecimento já abordamos num artigo anterior. Mas, para entendermos o golpe de Estado de Louis Bonaparte precisamos ter em conta a história toda — é justamente nisso que o método de Marx se diferencia dos demais.
Bibliografia
AGULHON, Maurice. 1848: O aprendizado da República. São Paulo/ Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
BUONICORE, Augusto. “Marx e Engels e a Revolução Alemã de 1848”. In Princípios, n. 54. São Paulo: Anita Garibaldi, 1998.
____________. 1848: Marx e luta de classes na França. In Portal Grabois, http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=8&id_noticia=10813
EFIMOV N. História Moderna. São Paulo: Novos Rumos, 1986.
HUGO, Victor. Napoleão: o pequeno. São Paulo: Ensaios, 1996.
MARX, Karl. As lutas de classes em França. Lisboa: Avante!, 1984.
____________. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Lisboa: Avante!, 1982.
MARX, K. & ENGELS, F. Las revoluciones de 1848. México: Fondo de Cultura Econômica, 1989.
*Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução burguesa e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
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