Há exatos 70 anos, no dia 1 de maio de 1943, o presidente Getúlio Vargas promulgou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em um ato marcado pela presença popular, o presidente costurou os escassos direitos trabalhistas existentes até então e criou uma série de outras garantias, num ato que associaria para sempre seus governos e sua figura à proteção aos trabalhadores.
Hoje, sete décadas depois, a CLT continua sendo vista por parte dos trabalhadores organizados e por autoridades como a principal base dos direitos trabalhistas do país. Com o tempo, boa parte da legislação se tornou obsoleta e muitos artigos foram retirados ou modificados.
Apesar das conquistas geradas pela CLT, setores do movimento sindical não poupam críticas à legislação. Os mecanismos mais criticados são os que dizem respeito à organização dos trabalhadores, especialmente à manutenção do imposto sindical – contribuição compulsória que os trabalhadores de uma categoria são obrigados a fazer a seus sindicatos.
Nesta reportagem, o Sul21 expõe as visões de especialistas, acadêmicos, autoridades públicas e dirigentes sindicais sobre os 70 anos da CLT.
CLT não foi uma bondade do governo, diz historiador
Até hoje a Era Vargas provoca discussões e diferentes interpretações na comunidade acadêmica e entre apoiadores e críticos de Getúlio. Geralmente o ex-presidente é associado mecanicamente aos estereótipos de “pai dos pobres” ou de “ditador” – no último caso, em função do Estado Novo implantado de 1937 a 1945.
O professor de Historia do Brasil da UFRGS Luiz Alberto Grijó explica que a CLT não foi uma benesse que Vargas concedeu porque queria o bem para os trabalhadores. “As leis trabalhistas não são um processo em que o governo simplesmente resolve presentear os trabalhadores por ser bonzinho ou por querer enganá-los. Desde antes de 1930, tínhamos categorias profissionais muito fortemente organizadas reivindicando direitos. A conquista desses direitos vem num processo de reivindicações do mundo do trabalho”, pontua.
O professor acredita que o que Getúlio Vargas fez foi ser mais receptivo às demandas dos trabalhadores. “Reivindicações antigas e históricas que vinham do final do século XIX vão ao encontro de uma política elaborada pelo governo central que já vinha sendo preparada desde a Revolução de 1930”, comenta.
Luiz Alberto Grijó compara a época em que Getúlio editou a CLT com os tempos atuais. Ambos os períodos são marcados pela resistência das elites à extensão de direitos aos trabalhadores. “A CLT não caiu no gosto do patronato. Havia uma resistência muito forte a Getúlio por parte das lideranças empresariais de São Paulo. Diziam que a lei afetava as relações econômicas. A universalização desses direitos tem encontrado dificuldades até hoje. O trabalho rural só foi receber as garantias da CLT em 1988 e as empregadas domésticas só foram conquistar direitos há pouquíssimo tempo”, compara.
Procurador-chefe do MPT no Rio Grande do Sul defende mudança na CLT para conferir maior liberdade sindical
Principal entidade que atua na fiscalização dos direitos trabalhistas no Rio Grande do Sul, o Ministério Público do Trabalho da 4ª Região tem ações em diversas áreas. O procurador-chefe do MPT, Ivan Sérgio Camargo dos Santos, acredita que é preciso modificar a CLT para que os trabalhadores possuam maior liberdade sindical.
“Essa é a parte em que a CLT talvez precise ser alterada. Sou favorável à liberdade sindical pregada na Constituição, os trabalhadores deveriam ter liberdade para se organizar, desconsiderando a tutela da CLT, que perpetua um imposto sindical anacrônico”, opina.
Para o procurador, esse mecanismo desestimula os trabalhadores e os sindicatos a se aperfeiçoarem. “Por conta desse paternalismo contido na CLT, os próprios trabalhadores não têm absoluta noção do papel dos seus sindicatos. O sindicato é visto como uma entidade que deve fornecer apenas creche, dentista e colônia de férias. Enquanto ainda existir esse paternalismo, o próprio sindicato não terá noção de que é preciso se estruturar”, conclui.
Apesar dessa crítica pontual, Ivan Sérgio Camargo dos Santos entende que a CLT foi uma conquista para o país. “Representa um dos maiores avanços em termos de direitos sociais no Brasil, foi um divisor de águas em relação a como funcionavam as relações trabalhistas antes. Algumas coisas se tornaram anacrônicas e precisam ser revistas, mas não podemos partir de pequenos defeitos para revogar toda uma legislação que representa muito em termos de defesa de direitos”, considera.
O procurador-chefe informa que o MPT recebe as mais variadas denúncias de violações trabalhistas. “As mais graves são as que dizem respeito ao ambiente do trabalho e implicam risco à saúde e à vida dos trabalhadores”, pontua.
Nas grandes empresas, ele diz que os delitos mais comuns são os que dizem respeito à segurança coletiva dos funcionários, à discriminação e ao assédio. Nos pequenos e médios comércios, as violações mais frequentes estão associadas à contratação sem registro, jornada extenuante de trabalho e contratação de menores de 16 anos. “São irregularidades inferiores até à CLT”, observa.
Presidente da CUT-RS defende acordo coletivo nacional para ampliar garantias da CLT
O movimento sindical contemporâneo é bastante diferente do que existia em 1943, quando a CLT foi promulgada. Hoje em dia, as grandes centrais sindicais do país se dividem de acordo com distintas linhas políticas, da extrema-esquerda à centro-direita.
A maior central sindical brasileira, a CUT, nasceu na década de 1980 a partir da organização de diversos setores de trabalhadores e da fundação do PT. Tradicionalmente aliada ao partido, a organização hoje defende que uma forma de estender direitos que não estão previstos na CLT é a edição de acordos coletivos nacionais entre entidades de trabalhadores e representações patronais.
“Enquanto a CLT não tiver dispositivos melhores, iremos lutar para preservá-la. Só admitiremos mudanças profundas onde efetivamente se consiga elaborar acordos coletivos que tenham o poder de melhorar a vinculação da mão de obra. Os empresários não admitem negociar essa pauta”, comenta o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo.
Para o dirigente, a CLT fez parte de uma longa transição que o país passou desde a escravidão até o início do trabalho assalariado. “Tentar compreender a CLT no contexto atual pode ser bem complicado. Em 1943, o empresariado nacional achava que o trabalhador assalariado deveria ter o mesmo procedimento do relho e dos grilhões. A compreensão de Vargas foi revolucionária e determinante para formar uma classe trabalhadora assalariada e aprofundou a distribuição de renda de forma substancial”, elogia.
O presidente da CUT-RS considera que, desde sua edição, a CLT sofreu muitas mudanças negativas. “A ditadura acabou com aspectos fundamentais da lei, trocando a estabilidade no emprego pelo FGTS, a pedido de multinacionais. Foi um retrocesso. Hoje, a mão de obra no Brasil tem uma rotatividade de 33%. Os empresários demitem quem está há mais tempo no serviço e ganha mais para contratar gente no início da carreira, que recebe bem menos”, denuncia.
“CLT foi utilizada para atrelar trabalhadores ao Estado”, critica CSP-Conlutas
Integrante da coordenação estadual da CSP-Conlutas – central sindical ligada ao PSTU – no Rio Grande do Sul, o presidente do Sindicaixa Érico Corrêa não poupa críticas à CLT. Para ele, a legislação foi criada para amordaçar os trabalhadores.
“Na nossa visão política, a CLT foi um instrumento utilizado por Getúlio para atrelar as organizações sindicais ao Estado. O sindicalismo de 1920 era muito combativo, com um viés anarquista, e acabou sendo agregado pela mão do Getúlio e pela força do Estado Novo. Isso levou à falência do movimento”, comenta.
Érico considera que o sindicalismo combativo ressurgiu no final dos anos 1970, com a estruturação da CUT. “Era um polo muito avançado do movimento e tinham sérias críticas à CLT. Mas o governo de frente popular, que era uma esperança para a classe trabalhadora, foi muito frustrante e levou à falência da CUT enquanto instrumento sindical”, lamenta.
No entendimento do dirigente da CSP-Conlutas, a iniciativa de implementar um acordo coletivo nacional representa um golpe para flexibilizar ainda mais os direitos trablhistas. “Essa medida foi tentada pelo Fernando Henrique Cardoso e derrotada pelo movimento. Querem a prevalência do que é negociado sobre o que for legislado”, critica.
Érico Corrêa considera que, diante de um cenário de perda de direitos, a CLT se transforma em um instrumento que deve ser preservado. “Na situação que vivemos hoje, não podemos aceitar medidas políticas que retirem ainda mais direitos, portanto a CLT deve ser o patamar mínimo para as negociações”, observa.
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