quarta-feira, 25 de junho de 2014

Maior que Libra, cessão onerosa é só da Petrobras. É o horror para o mercado 25/06/2014

 Autor: Fernando Brito




Em plena Copa, uma notícia passa sem o impacto que deveria ter na mídia.

Talvez porque seja uma das melhores notícias que se pudesse dar.

Como este blog havia informado em novembro do ano passado, o Governo entregou à Petrobrás, como estava autorizado pelas leis que aprovaram o regime de partilha, aprovadas no final do Governo Lula, quatro das seis áreas de cessão onerosa utilizadas como garantia no processo de capitalização da empresa.

Concentradas no campo de Franco, agora chamado de Búzios, tem entre 10 e 14 bilhões de barris de petróleo recuperáveis, quase o mesmo que as reservas provadas do nosso país. Algo como 25% mais do que Libra, o maior campo de petróleo descoberto no mundo neste milênio.

Além de Búzios, foram entregues as áreas do entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi, que provavelmente serão unitizados (reunidos, em linguagem do setor) em uma só área de exploração.

Fora as receitas de impostos, só de lucro líquido para o país – que fica com três quartos do lucro, cabendo um quarto à Petrobras – o campo renderá à educação é a saúde brasileiras algo como 700 bilhões de reais, a preços de hoje.

É uma área capaz de, ao longo de 30 anos de produção, permitir uma extração média de 1,3 milhão de barris diários, ou metade do que tudo o que é produzido hoje no país.

E, curiosamente, a reação do mercado, na negociação das ações da Petrobras, derrubou o valor dos papéis da empresa.

É que isso irá, nos próximos anos, fazer a Petrobras ter de investir – e quase tudo dentro do Brasil – cerca de R$ 500 bilhões.

Ou, para os que gostam de comparações, 20 vezes tudo o que se chama de “gastos” com a Copa. Ou 120 vezes o valor dos empréstimos do BNDES para a construção de estádios.

São pelo menos 20 navios-plataforma, dezenas de sondas, centenas de barcos de apoio e instalações em terra.

Uma imensa máquina de distribuir receita, impostos, indústrias e serviços da cadeia de suprimento necessária.

Aos que estranharam a posição deste blog quando se tratou de leiloar o campo de Libra, à procura de parceiros capazes de injetar capital na exploração do campo de Libra, aí está a resposta do porque.

Era preciso “guardar” a capacidade da Petrobras de explorar estes campos ainda maiores.

E fazê-lo de forma a proteger o patrimônio nacional das tentativas, que não terminam, de entregar essa riqueza ao capital estrangeiro.

No final de 2016, início de 2017, Búzios produzirá seu primeiro óleo comercial e, nos dois anos seguintes, sua produção vai começar a pagar parte deste volume de investimentos.

Em um período de sete ou oito anos depois disso, a extração alcançará o limite de 5 bilhões de barris contratados, em condições mais favoráveis à Petrobras, pois passam a vigir as regras mais pesadas acertadas hoje com o Governo.

Até lá, este dinheiro vai remunerar o crescimento da participação governamental no aumento de capital da empresa, o que tornou possível recuperar parte do pedaço da Petrobras entregue por Fernando Henrique Cardoso, ao vender suas ações na bolsa de Nova York.

Hoje, este assunto se resumirá em pequenas e ácidas matérias nas páginas de economia dos jornais.

Em 20 anos, talvez, meus netos aprendam nos livros de escola sobre esta segunda independência – a econômica – do Brasil.

http://tijolaco.com.br/blog/?p=18648

quarta-feira, 18 de junho de 2014

SANTAYANA: EUA DESTROEM E FOGEM DO IRAQUE 18/06/2014

A ESTRADA PARA BAGDÁ



Enquanto o mundo acompanha os jogos da Copa 2014, disputada no Brasil, as agências internacionais informam, em despachos urgentes, que rebeldes islâmicos sunitas se encontram há apenas algumas dezenas de quilômetros da capital  iraquiana.

Há poucos dias, combatentes do EIIL – Estado Islâmico do Iraque e do Levante, capturaram Tikrit e Mossul, no norte do país, e em rápido avanço, tomaram em seguida Raqqa, Tal Afar, Suleiman Beg e Falluja. Ontem pela manhã, eles cercavam Baquba, que, se cair também em suas maõs, lhes dará acesso à estrada que, ao longo de 60 quilômetros, os separa dos subúrbios de Bagdá.

Surpreendidos e desnorteados pela rapidez dos acontecimentos, os EUA, como já ocorreu antes, quando tiveram  que abandonar, ás pressas, o Vietnam e a Somália, anunciaram o envio de 275 soldados para “proteger” seu corpo diplomático – quando na verdade eles podem estar indo para lá para organizar e cobrir sua retirada –  no que pode ser o capítulo final de uma enorme tragédia que teve início com duas farsas: a do não comprovado envolvimento do regime de Saddam Hussein com os até hoje também não esclarecidos ataques de 11 de setembro de 2002; e a mentira sobre a existência, no Iraque, de “armas de destruição em massa” que nunca  foram encontradas.

Impossibilitado, pela própria opinião pública norte-americana – que não quer nem saber de falar em guerra – de se envolver diretamente com o conflito, os Estados Unidos falam em usar  drones para atacar os rebeldes, e se dividem quanto a eventual cooperação com o vizinho estado iraniano, que por ser também xiita, simpatiza com o atual Primeiro-Ministro iraquiano, Nouri Maliki.

Chega a ser irônico que os EUA, agora, falem em proteger a “estabilidade” do Iraque. A intervenção norte-americana no país não foi somente injusta, cruel, absurda e desnecessária. Ela transformou-se em um verdadeiro fiasco moral, militar e econômico para os Estados Unidos.

No dia 16 de março de 2003, pouco tempo antes da invasão, o então Vice-Presidente de Bush, Dick Cheney, afirmou, em um encontro com a imprensa na Casa Branca, que a operação iria custar entre 80 e 100 bilhões de dólares, incluindo a conquista de Bagdá e a ocupação do Iraque, e dois anos de conflito.

Dez anos depois, em maio de 2013, um estudo denominado The Costs of War, do Instituto Watson de Estudos Internacionais da Universidade Brown – a sétima mais antiga dos Estados Unidos – calculou em quanto havia ficado a conta para os contribuintes: um trilhão e setecentos bilhões de dólares, mais 490 bilhões de dólares em despesas médicas e indenizações e pensões para os veteranos, que, até que essa geração desapareça, podem chegar a 6 trilhões de dólares, nos próximos 40 anos.

A isso, é preciso acrescentar, segundo a organização antiwar.com, cerca de 5.000 soldados norte-americanos mortos e desaparecidos, e um número estimado de 100.000 feridos.

As mortes diretas de iraquianos, ainda segundo o estudo da Brown, foram de 134.000 civis, número que deve ser multiplicado por quatro, considerados os que morreram por ferimentos, enfermidade e fome até agora, principalmente crianças. Somando-se ao número inicial, membros de “forças de segurança”, rebeldes, jornalistas e funcionários de organizações humanitárias, chega-se a um número aproximado de 189.000 vítimas.

Antes da intervenção norte-americana no Iraque, o regime de Saddam e o dos Aiatolás, se vigiavam mutuamente, contribuindo para manter certo equilíbrio de forças na região.

Com a destruição da nação iraquiana, os Estados Unidos – assim como estão fazendo na Ucrânia, na Síria, na Líbia – substituíram um país relativamente estável, sem grandes conflitos internos, no qual conviviam diversas etnias, por um inferno de morte e violência do qual, como sempre, se afastaram, depois, quando a situação piorou, como se não tivessem absolutamente nada a ver com isso.

E tudo isso para que? Para, depois de tantos anos de uma guerra tão cara como brutal, desumana e inútil, os EUA, absolutamente impotentes, verem  tropas rebeldes sunitas islâmicas – muito mais anti-EUA do que Saddam Hussein jamais foi – tomarem conta do país.

Para, depois, correrem o risco de ter de assistir tropas do Irã – a maior potência política e militar da região – tomarem também a estrada para Bagdá, como pacificadores, entregando o Iraque, de bandeja, para um país que sempre consideraram seu arqui-inimigo naquela região.

http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/06/18/santayana-eua-destroem-e-fogem-do-iraque/

“A noite do Iraque é longa” 18/06/2014


17/6/2014, [*] Vijay Prashad (de Beirute), Counterpunch [1]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

“A noite do Iraque é longa
A aurora só raia para os assassinados,
rezando meia reza e sem terminar de dizer um bom-dia a alguém”
Mahmoud Darwish, Athar al-Farasha[2]

A noite do Iraque - Bagdá
Norte do Iraque, entre a região dos curdos e Bagdá, convulsionado antes dablitzkrieg de três formações – o Estado Islâmico do Iraque e Síria Expandida (ISIS), o Exército Islâmico Iraquiano (comandado por ex-ba’athistas) e elementos do ex-Conselho Shura Mujahedin. Como os mongóis, o ISIS – a força principal – corre livremente pela paisagem. Não demorou muito para que soldados do exército iraquiano despissem os uniformes e se unissem às caravanas de iraquianos que fugiam do norte e do sul, deixando para trás cidades do rio Tigre, Mosul e Tikrit, e também outras, do oeste, como Tal Afar – pela estrada que liga o Iraque à Síria. Os soldados iraquianos capturados pelo ISIS e seus confederados passaram horas de horror.

Os soldados do ISIS os dividiram em grupos, por seitas. Ante suas próprias câmeras de vídeo, os soldados do ISIS massacraram os soldados xiitas – 1.700, conforme relato deles mesmos – e, na sequência, distribuíram os vídeos on-line. Soldados sunitas foram obrigados, sob ameaça de morte, a declarar fidelidade eterna ao Estado Islâmico. A comissária para Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, já disse que aquelas mortes são crimes de guerra.

ISIS é a força que lidera essa nova aventura, mas não está só. Com ele está o Exército Islâmico Iraquiano, liderado pelo ex-vice-presidente de Saddam Hussein, Izzat al-Dori Ibrahim; e a Associação Ulema Muçulmana [orig. Muslim Ulema Association]. O que liga essas três forças – extremistas da al-Qaeda, ba’athistas e militares iraquianos que debandaram – é o desespero ante o sectarismo do primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki e os fracassos do estado iraquiano que não se conseguiu implantar nas cidades predominantemente sunitas do Rio Tigre.

Muqtada al-Sadr

O Iraque é governado por lobos, sedentos de sangue, almas sedentas só de riquezas, que deixam a nação afundada em sofrimento, em medo, em fossas, nas noites escuras iluminadas só pela lua ou por uma vela, num pântano de assassinatos causados por diferenças ou por qualquer ridículo desentendimento.

Partiu para o Irã, farto da política e da violência em sua terra. Esse desespero é que deu ao ISIS a oportunidade para construir suas bases no norte do Iraque.

O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair disse que o crescimento doISIS nada teria a ver com a Guerra do Iraque de 2003; que seria resultado da inação do ocidente na Síria.

Mas o ISIS nasceu em 2004, primeiro como al-Qaeda-no-Iraque, liderado pelo jordaniano sanguinário Abu Musab al-Zarqawi; dois anos depois, foi recriado como Estado Islâmico do Iraque. O lento crescimento nas pequenas cidades do norte do Iraque, entre ex-militares iraquianos e experientes e duros combatentes ba’athistas ajudou o Estado Islâmico a crescer, apesar de os EUA terem destruído as cidades de Fallujah e Ramadi, e do Despertar Sunita, movimento de 2005. Com o interesse pelo Despertar Sunita já sumindo em Washington e Bagdá, seus militantes uniram-se ao Estado Islâmico. São os veteranos da insurgência contra a ocupação do Iraque por EUA e Grã-Bretanha. Absolutamente nada têm a ver com a Síria.

Abu Bakr al-Baghdadi
Quando a guerra começou na Síria em 2011, foi o Estado Islâmico no Iraque, sob a liderança dinâmica de Abu Bakr al-Baghdadi – como Radwan Mortada deal-Akhbar descobriu – que ajudou a montar a afiliada da al-Qaeda na Síria, Frente al-Nusra. Ao longo de 2012 e 2013, o ISIS e a Frente al-Nusra começaram a desentender-se, com a segunda entendendo que teria autoridade sobre a Síria e querendo que os sírios fizessem a parte principal dos combates naquele país. O Estado Islâmico expandiu o próprio nome para Estado Islâmico do Iraque e Síria Expandida [também dito “o Levante” (NTs)], aumentando seu contingente com combatentes importados de todo o mundo. No início de 2014, já havia cerca de 100 mil combatentes interessados em defender as cores do ISISMuitos não são jihadistas, como descobri, mas veteranos endurecidos do Despertar Sunita e seu tipo de gente. O ISIS ofereceu o veículo perfeito para suas frustrações.

Apesar dos desentendimentos com a Frente al-Nusra, o ISIS manteve o controle das cidades de Raqqa e Deir ex-Zor no norte da Síria, tomadas desde meados de 2013. Assaltos a campos de petróleo no leste da Síria e a venda de antiguidades ajudaram o ISIS a aumentar o fluxo de suas rendas, as quais, antes, dependiam de impostos cobrado no norte do Iraque e de doações privadas de xeiques árabes do Golfo. Até semana passada, havia cerca de 500 milhões de dólares nos cofres do ISIS. O saque de Mosul rendeu-lhes US$ 1,5 bilhões, como mostrou Martin Chulov, do The Guardian, e a tomada da refinaria de petróleo de Baiji oferece potencial para mais recursos.

Dado que as tropas do Iraque ofereceram pequena resistência, o ISIS e aliados capturaram equipamento militar em excelentes condições, grande parte do qual oferecido pelos EUA aos iraquianos, para combaterem contra... o ISIS. Essas armas serão agora usadas na Síria e no Iraque, para promover a agenda do ISIS(criar um estado islâmico). Umas das primeiras coisas que o grupo fez quando tomou Mosul foi destruir os postos de fronteira entre Síria e Iraque, como gesto de propaganda. Sua visão sonhada de um cinturão que ligue Trípoli (do Líbano) às fronteiras do Irã já é quase realidade.

Nos arredores de Mosul, um soldado do ISIS ri, sentado ante um muro em que se lê :
“O exército iraquiano é um garfo nos Olhos do Terrorismo”

O rápido avanço atraiu resposta combinada e coordenada das duas Forças Aéreas, síria e iraquiana. Helicópteros iraquianos atacaram o cemitério onde está sepultado Saddam Hussein em al-Auja, perto de Tikrit. Foi recado de Bagdá aos ba’athistas, e planejado para incendiar, muito mais do que para conter. É muito perigoso. O nacionalismo iraquiano morreu asfixiado nos cárceres do [partido] Ba’ath – e já não é alguma espécie de base à qual o governo de Nouri al-Maliki possa recorrer. Ele está confiando na moeda do sectarismo.

A coordenação entre os exércitos da Síria, Iraque e Iran – com a Turquia nas coxias – já está montada. Mas é coordenação que sempre cheirará a sectarismo, a menos que a Turquia tome parte nas operações, o que pode acontecer se vir que a fragmentação esteja levando à unidade entre os Curdistões sírio e iraquiano. Esse Curdistão unificado, terra dos curdos, seria desafio direto à Turquia. Melhor matar essas possibilidades quando ainda em botão.

Falah Alwan
Clamores dos sindicatos iraquianos, de que o povo combaterá contra o ISIS, numa plataforma nacionalista, como se ouviram, de Falah Alwan, da Federação dos Conselhos de Operários e Sindicatos do Iraque, não serão ouvidos. Poucos podem avaliar o que Alwan diz quando diz que “exigimos clara e diretamente o fim do sectarismo” – objetivo muito nobre, mas inaudível ante as barulhentas armas sectárias do ISIS. E entrega o povo curdo à guerrilha peshmerga curda e à Unidade de Defesa Popular (YPG) curda; e os xiitas a al-Maliki e aos milicianos seus preferidos.

Os arsenais-cofres de sectarismos, que a campanha “Choque e Pavor” dos EUA abriu em 2003, fornecem hoje a moeda que mais circula no Iraque e na Síria – uma tragédia de descomunais proporções.

ISIS avançou pelo Tigre rumo a Bagdá, mas foi detido perto de Samarra. Não por militares iraquianos que fizessem um muro ali – em foto feita nos arredores de Mosul, um soldado do ISIS ri, sentado frente a um muro em que se lê “O exército iraquiano é um garfo nos Olhos do Terrorismo” – Aquele exército desapareceu. Dele, já não se vê nem traço.

Em lugar daquele exército, só se veem hoje milícias xiitas, como Asa’ib Ahl al-Haq (AAH), dissidência do Exército Mahdi, muito prestigiada por al-Maliki. Seu líder, Qayis Khazali, foi expulso do Exército por al-Sadr, por ser imprevisível e incontrolável. Seu grupo permaneceu ativo no Iraque, acusado de ludibriar as forças de segurança e de reunir os combatentes mais cruéis ativos na região do santuário de Sayida Zainab em Damasco, Síria. Os soldados do Hezbollah reclamam que os combatentes do AAH têm de receber treinamento à parte, para se acalmarem e aprenderem a se autocontrolar. O importante clérigo xiita aiatolá Ali Sistani emitiu uma fatwa conclamando “todos os iraquianos fisicamente capazes” a defender o Iraque contra o ISIS. Foi como acionar o detonador do AAH e seus ramos coligados. Ammar al-Hakim, líder do Supremo Conselho Islâmico do Iraque, despiu o traje de clérigo e meteu-se em uniforme de campanha, de soldado. Aquela luta é assim: sectária até o fundo, por dentro e por fora.

Nouri al-Maliki
Antes de partir para o Irã, al-Sadr criticou muito o sectarismo de al-Maliki e o crescimento do poder de grupos como o AAH. Disse que estavam alienando os iraquianos e preparando a mesa para grandes confusões. Agora, está conclamando para que se reforme seu Exército Mahdi, e para uma manifestação de força, marcada para o próximo dia 21 de junho. É pouco provável que seja ouvido em outros grupos, fora dos caixotes sectários para os quais os iraquianos provavelmente se encaminharão.

Não há qualquer base objetiva para o nacionalismo iraquiano, como tampouco há para o nacionalismo sírio. São países fraturados, quebrados pela guerra. Sírios e iraquianos são prisioneiros numa prisão em chamas. Não há saídas fáceis, sem barreiras.

As promessas dos EUA, de que bombardearão o ISIS, do céu, não ajudam nem aliviam em nada. No máximo conseguirão deter o avanço deles, mas não diminuirão o poder deles, que se alastra de partes de Aleppo na Síria, até os arredores de Bagdá no Iraque. E, aqui, quem mais tem a perder é o Irã.

O Irã já mandou grupos de seus Guardas Revolucionários para ajudar a formar uma linha de defesa na província de Diyala, cuja principal cidade Baquba, é o berço onde nasceu o Estado Islâmico do Iraque. É a parte do Iraque onde vivem xiitas e sunitas, e será bom teste para aferir a unidade de todos contra o ISIS e a favor de qualquer coisa que não seja o sectarismo de al-Maliki.

Guardas Revolucionários da República Islâmica do Irã
Al-Sadr, pelo que me disseram, está interessado em criar uma versão iraquiana do Hezbollah, com raízes na comunidade xiita do Líbano, mas com aspirações de ser uma força árabe nacionalista.

A criação dessa força contribuiria, sim, na direção de construir uma plataforma não sectária, a partir da qual combater o ISIS. É ação mais efetiva, que uma campanha de bombardeio.

[*] Vijay Prashad é professor de estudos internacionais no Trinity College. Dentre outros livros, é autor de The Darker Nations: A People's History of the Third World e Arab Spring, Libyan WinterPublica regularmente em Asia Times Online, Frontline magazine Counterpunch. É entrevistado regularmente pela TRNN - The Real News Network - sobre Geopolítica e Política internacional.


Notas dos tradutores

[1] Dica de Pepe Escobar, pelo Facebook. 
[2] Orig. “Iraq’s night is long / Dawn breaks only to the murdered, Praying half a prayer and never finishing a greeting to anyone”.[Trad. ao ing. Sinan Antoon. Trad. de trabalho, ao port., sem acesso ao original, só para ajudar a ler].

POSTADO POR CASTOR FILHO

http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/06/a-noite-do-iraque-e-longa.html

Declaração sobre Eventos Recentes em Mosul e Outras Cidades no Iraque 18/06/2014


(Esta DECLARAÇÃO foi publicada originalmente em árabe e traduzida para o inglês por Ali Issa)


Federação dos Conselhos de Operários e Sindicatos do Iraque − Jadaliyya



16/6/2014, [*] Falah Alwan, Presidente da Jadaliyya
On Recent Events in Mosul and Other Cities in Iraq
Traduzido do inglês pelo pessoal da Vila Vudu

Mosul e outras cidades no Iraque passam por mudanças dramáticas, perigosas, terríveis.

A imprensa-empresa, sobretudo a que é aliada ao governo do Iraque e a estados ocidentais, tem-se concentrado no Estado Islâmico no Iraque e Levante/Síria (ISIS) e o controle que estabeleceram sobre várias cidades iraquianas, para induzir a opinião pública contra aquele grupo militante.

De fato, sim, há alguns núcleos de terroristas do ISIS entre os grupos armados e a influência desses extremistas é bem visível. Mas também é claro que os iraquianos sempre rejeitaram o ISIS, fosse no centro ou no sul do Iraque, ou em partes do país que não estão sob controle do governo: as chamadas áreas “sunitas” ou “Triângulo Sunita” – denominações inventadas pelos serviços de inteligência, especialmente pela CIA dos EUA, como parte de um plano para criar o sectarismo no Iraque.

Simultaneamente, os iraquianos também rejeitam em geral o governo de Maliki e suas políticas, construídas, como foram, sobre bases de etnosectarismo. É o caso sobretudo em áreas urbanas, nas quais a discriminação sectária é mais concentrada, e onde o governo trata pessoas comuns como se fossem inimigos políticos.

A queda de várias cidades iraquianas em mãos de grupos armados não é o sonho das pessoas que vivem naquelas cidades. O que os iraquianos querem é ver-se livres do sectarismo – o que dizem clara e diretamente. É o que dizem em manifestações pacíficas. Mas grupos de terroristas armados tiraram vantagem desse ambiente, para tomar o poder.

O clamor popular dos iraquianos contra discriminação e sectarismo é claro e justo. Mas as políticas de Maliki são reacionárias e discriminatórias – e por isso são rejeitadas. E o controle pelo ISIS sobre pessoas e cidades é séria ameaça à vida diária e à sociedade iraquiana.

As demandas populares foram convertidas em ferramentas para forças reacionárias que querem dividir o “bolo” político: de terroristas da al-Qaeda, do Partido Baath e líderes tribais, aos líderes xiitas religiosos que clamaram por guerra declarada, e forças nacionalistas curdas, que também já obtiveram ganhos militares e políticos.

E tudo isso acontece num momento em que o Iraque já foi violentamente dividido conforme os desejos das forças políticas dominantes – as quais, todas elas, ignoraram o desejo do povo iraquiano.

Forças regionais que se beneficiam com a desintegração do Iraque – especialmente o Irã, a Arábia Saudita e a Turquia – operam cada uma a seu modo, para alcançar suas metas políticas.

Enquanto isso, o governo dos EUA – causa primeira e original de todos esses problemas – prepara-se para intervir quando bem entender. O presidente Obama já falou duas vezes sobre o quanto está preocupado com o petróleo do Iraque, discursando sobre eventos recentes. Não deu qualquer sinal de preocupação com o destino de dois milhões de pessoas que estão hoje sobre controle do ISIS, ou das mulheres que já começaram a cometer suicídio em massa, em Mosul – consequência das ações das gangues terroristas.

Os trabalhadores iraquianos são a força comum que há em todo o país, do norte do Curdistão ao mais extremo sul. É a força cuja existência e sobrevivência depende da erradicação da discriminação e da unidade do povo iraquiano. Os trabalhadores são a única força capaz de pôr fim à fragmentação e à divisão do Iraque.

REJEITAMOS a intervenção dos EUA e PROTESTAMOS contra o discurso inadmissível do presidente Obama, no qual ele manifesta preocupação com o petróleo, não com as pessoas. Rejeitamos firmemente também qualquer intervenção do Irã.

REJEITAMOS a intervenção pelos regimes do Golfo e os grupos de bandidos armados financiados por eles, especialmente por Arábia Saudita e Qatar.

REJEITAMOS as políticas reacionárias e sectárias de Nouri al-Maliki.

REJEITAMOS também o controle de Mosul e outras cidades por gangues e milícias de terroristas armados.

APOIAMOS o povo nessas cidades, que rejeita toda a discriminação e todo o sectarismo.

Finalmente, REJEITAMOS a interferência de instituições religiosas que clamam por guerra indiscriminada.

DEFENDEREMOS os que representam os interesses do povo e lutaremos ao lado do povo contra esse ataque reacionário e perigoso.

É hora de as instituições e a opinião pública internacionais agirem contra a situação que se configura no Iraque e que se deteriora rapidamente. Contra a interferência externa, regional e internacional – e em apoio ao povo do Iraque.

.


Falah Alwan 
Federação dos Conselhos de Operários e Sindicatos do Iraque




POSTADO POR CASTOR FILHO

http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/06/declaracao-sobre-eventos-recentes-em.html

Obama tergiversa sobre a odisseia iraquiana 18/06/2014



16/6/2014, [*] M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Obama broods over an Iraqi odyssey
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O que se desdobra hoje no Iraque é a culminação do que Paul Bremer, pau-mandado escolhido a dedo pelo presidente George W Bush (Paul Bremer presidiu o Governo Provisório de Coalizão em Bagdá, de 2003-2004), perpetrou contra o povo iraquiano, quando desenvolveu com chicana e implementou com deliberação a atual Constituição, que é baseada num sistema político que representa confissões religiosas, com o objetivo de matar o nacionalismo iraquiano.

Dia 28/6/2008, Bremer disse em seu discurso de despedida, quando transferiu formalmente ao governo provisório iraquiano a soberania já limitada do Iraque: “Uma parte do meu coração permanecerá para sempre aqui, nessa bela terra entre dois rios”. De fato, estava dizendo: uma partedos EUA.


Paul Bremer (de terno) no Iraque

Ao final de uma semana de críticas ferozes contra suas políticas para o Oriente Médio, o presidente dos EUA Barack Obama rompeu o silêncio, na 6ª-feira passada (13/6/2014), com declaração formal na Casa Branca em Washington, DC, sobre os desenvolvimentos dramáticos no norte do Iraque que resultaram na queda de Mosul e outras cidades em mãos do Estado Islâmico do Iraque e Levante (ing. ISIL), no início daquela semana.


A melhor parte da declaração foi que Obama não repetiu seu refrão preferido, “todas as opções estão sobre a mesa”, no caso da situação de crise no Iraque.


Uma opção pelo menos está excluída, pelo menos agora: “coturnos em solo”. Obama disse categoricamente que não mandará tropas de combate ao Iraque. Disse claramente que essa não é guerra dos EUA. Por outro lado, reconheceu que as forças armadas do Iraque precisam de apoio e disse que os EUA planejam oferecer assistência.


Mas é pouca coisa e pouco consola. A declaração de Obama veio carregada de ambiguidades, que obrigam a acrescentar um ponto de interrogação nas intenções dos EUA...


Obama falou de “ações seletivas por nossos militares”, que andariam mãos-nas-mãos com um “desafiador esforço internacional para tentar reconstruir” o Iraque. Em suma, uma estratégia de engajamento de longo prazo dos militares dos EUA, sim, pode estar escrita nas estrelas...


Quando começará a intervenção? Obama esclareceu: “Demorará vários dias” – depois de afirmar que “mantemos bons olhos na situação lá... [e] reunimos toda a inteligência necessária”, de tal modo que as operações serão “focadas, de precisão e terão efeito”.


Washington estaria em consultas com outros países e, essa semana, Obama esperava ter “melhor noção” de como eles poderiam “apoiar um esforço [internacional]”. E disse também que “esse é problema regional e será problema de longo prazo.” Em outras palavras, um princípio cardinal da chamada Doutrina Obama continua ativo aí: os EUA não intervirão como atirador-solitário; é indispensável uma coalizão de vontades.



Barack Obama em discurso sobre o Iraque

A Primavera Iraquiana


Obama isolou o ISIL como único ator que ameaça o Iraque e “eventualmente” também ameaça interesses norte-americanos. Mas é difícil crer que, com toda a estrutura de inteligência que tem sob seu comando, Obama não saiba o que praticamente todo o planeta já sabe hoje, quero dizer: que há muitos peixes no aquário de Mosul, e que o ISIL é apenas um daqueles peixes.


O ponto é que antigas facções Ba'athistas, oficiais de exército que serviram sob Saddam Hussein, grupos sunitas tribais sectários insatisfeitos e outros estão convergindo politicamente já há algum tempo, e estão sendo ajudados por gruposTakfiri como o ISIL e o Ansar al-Sunna, que contam com combatentes bem treinados.


Testemunhas oculares em Mosul falaram de “combatentes estrangeiros” que teriam comandado o assalto inicial, logo substituídos por milícias iraquianas. Bastaria que Obama corresse os olhos pela mídia impressa, para ter visão melhor do que realmente aconteceu. O primeiro-ministro Nouri al-Maliki não estava muito longe da verdade quando disse que houve “dissimulação, engodo”.


O ex-vice-presidente do Iraque, Tariq al-Hashimi, que vive exilado na Turquia e no Qatar, chegou a saudar a queda de Mosul como a “Primavera Iraquiana”. Bem evidentemente, o golpe em Mosul contou também com poderosos apoiadores estrangeiros; é perfeitamente possível que sejam os mesmos países que financiaram, ajudaram e apostaram também no conflito sírio.



Tariq al-Hashimi

Será a ironia mãe de todas as ironias, se Obama convidar agora esses mesmos estados regionais para se unirem no “desafiador esforço internacional” para estabilizar o Iraque e tentar reconstruir o país.


O item mais intrigante de toda a declaração é que Obama só vê o ISIL em suas lamentações. É muito, muito intrigante. Porque, caso alguma intervenção no Iraque comece nos próximos dias, seja como for, o “item” ISIL pode vir a ser o álibi perfeito para, a qualquer momento, estender a operação para dentro da Síria.


Uma operação militar dos EUA em território sunita no norte do Iraque quase com certeza implicará interromper todos os elos de comunicação do Irã com a Síria.


Significativamente, Obama disse em sua declaração, que o ISIL “pode representar eventualmente uma ameaça também a interesses norte-americanos”; que houve um respingo sobre o Iraque, vindo da Síria; e que o ISILé “parte da razão” pela qual os EUA permanecem engajados com a oposição síria.


Em segundo, Obama referiu-se insistentemente a um fracasso da liderança em Bagdá, chamando a atenção para o crescimento do sectarismo no Iraque como fator subjacente de instabilidade. Não há dúvidas de que acerta ao dizer que “na ausência de acomodação entre as várias facções dentro do Iraque, nenhuma ação militar pelos EUA ou por qualquer nação de fora, jamais resolverá esses problemas no longo prazo, e não nos dará o tipo de estabilidade de que precisamos”.


Tudo isso posto, só ficou faltando dizer que a besta de mil cabeças do sectarismo no Iraque foi criada exclusivamente pelos EUA – como o Império Britânico promoveu as animosidades indu-muçulmanos no subcontinente indiano, numa estratégia de dividir-e-governar – e como antítese do pluralismo e da diversidade da sociedade iraquiana. E os EUA fizeram o que fizeram, com o objetivo de erradicar o nacionalismo iraquiano da era Saddam, muito temido pelas forças de ocupação.


Claro, o melhor seria que houvesse modo para uma genuína reconciliação no Iraque, se se pudesse libertar o país dos grilhões da atual Constituição que repousa sobre bases confessionais (e, sim, é mais uma herança da ocupação norte-americana) e declarar o país um verdadeiro estado secular.


Mas, infelizmente, é baixíssima a probabilidade de isso acontecer, porque o processo político sectário hoje está muito aprofundado e a polarização sectária e étnica está muito exacerbada – não só em termos da oposição sunitas-xiitas, mas também em termos da identidade curda. E tudo isso é resultado das políticas dos EUA, desde a Guerra do Iraque, em 1991.


Os iraquianos podem talvez encontrar eventualmente algum grau de equilíbrio político na sua política confessional – como aconteceu no Líbano – mas o perigo hoje mora noutro lugar. A dura realidade é que o golpe em Mosul escancara as portas para a intervenção externa – não só em termos de projeção de poder pelas potências regionais, mas também em termos de interferência pelos EUA, por potências ocidentais e até mesmo Israel.



Presença operacional da ISIS/ISIL no Iraque
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Interesses Permanentes


Mosul é quebra-cabeça extremamente difícil de montar, que a história deixou como herança, naquela região. Para a Turquia, Mosul é portão de entrada para Diyarbakir, e perder Mosul implica os “negócios inacabados” da desintegração do Império Otamano e a complicada questão curda.


Não é por acaso que dúzias de turcos tenham sido tomados como reféns, inclusive o cônsul-geral turco, depois dos levantes da semana passada em Mosul.


Curiosamente, tirando vantagem da queda de Mosul em mãos do ISIL, a guerrilha curda Peshmerga, sob liderança de Massoud Barzani, ocupou Kirkuk (onde estão os maiores campos de petróleo do norte do Iraque.) É absolutamente fora de questão que a Peshmerga venha a desocupar Kirkuk por livre e espontânea vontade.


Tampouco é provável que, em curto prazo, alguma força militar iraquiana seja capaz de desalojar de Kirkuk a Peshmerga – os seus não menos de 250 mil combatentes muito, muito experientes.


Em resumo, o Curdistão, que é a região politicamente mais coesa do Iraque, acaba de pôr a mão num fantástico butim, que promete fazê-lo muito, muito rico. E, convenhamos, não há como negar que o Curdistão também é área de brincar para muitas potências exteriores, a começar por EUA e Turquia. É onde entra a geopolítica.


Dito em termos simples, Obama deixou de lado consciente e atentamente as questões reais que surgiram dos eventos da semana passada no Iraque. A verdade amarga é que o Iraque é nação que se está inexoravelmente desintegrando em miniestados sectários e étnicos.


O que se desdobra hoje no Iraque é a culminação do que Paul Bremer, pau-mandado escolhido a dedo pelo presidente George W Bush (Paul Bremer presidiu o Governo Provisório de Coalizão em Bagdá, de 2003-2004), perpetrou contra o povo iraquiano, desenvolvendo com chicana e implementando com deliberação a atual Constituição, que é baseada num sistema político que representa confissões religiosas, com o objetivo de matar o nacionalismo iraquiano.


Dia 28/6/2008, Bremer disse em seu discurso de despedida, quando transferiu formalmente ao governo provisório iraquiano a soberania já limitada do país: “Uma parte do meu coração permanecerá para sempre aqui, nessa bela terra entre dois rios”. De fato, estava dizendo: uma parte dos EUA!.


A democracia disfuncional do Iraque virtualmente garante o retorno dos EUA ao país. Com certeza os EUA já estão em rota de retorno, apenas cinco anos depois de o povo iraquiano ter conseguido expulsar as forças norte-americanas de ocupação. Mas há os “não sabidos sabidos” na situação em curso, o que explica as ressalvas na declaração de Obama.


Principalmente, a queda de Mosul torna-se mais um ponto de ruptura na rivalidade sauditas-iranianos. E Obama avança sinuosamente, dadas as recentes dificuldades nas relações EUA-Sauditas, e o estado delicado do engajamento Washington-Teerã sobre a questão nuclear.


Mais uma vez, é inimaginável que a Turquia se mantenha inativa num fluxo geopolítico no qual o futuro de Mosul – e a questão curda– estão sendo coreografados outra vez. No século passado, os britânicos foram os árbitros, que os EUA até podem ter substituído hoje; mas os interesses turcos permanecem constantes.


Segundo se lê na imprensa turca, quando o primeiro-ministro Recep Erdogan procurou Obama para falar sobre a situação no Iraque, quem respondeu o telefonema foi o vice-presidente Joe Biden.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.


POSTADO POR CASTOR FILHO

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