quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Xeque-mate 01/10/2015


 Resultado de imagem para Pepe Escobar
Tradução do Coletivo de Tradutores da Vila Vudu ************************

A mensagem do presidente russo Vladimir Putin à Assembleia Geral da ONU foi clara; ou estados soberanos unem-se numa coalizão ampla contra todas as formas de terror, e respeita-se a soberania dos estados como determina a Carta da ONU – ou será o caos.


Essa Assembleia Geral da ONU revelou que a perpétua novilíngua do governo Obama já virou faca sem fio. Assistir lado a lado os discursos de Putin e de Obama é experiência quase fisicamente dolorosa. Putin falou e agiu como estadista global sério que se dá ao respeito. Obama, como amador com medo de ser reprovado em teste para o cinema.


Os pontos-chaves para discussão do discurso de Putin foram todos perfeitamente acessíveis ao público do Sul Global – sua audiência principal, muito mais que o público do ocidente industrializado.


1) Exportar revoluções 'coloridas' – ou monocromáticas –, nunca mais.


2) A alternativa ao primado do Estado é o caos. Implica que o sistema Assad na Síria pode até ser imensamente problemático, mas é o único jogo que há na cidade. A alternativa é o barbarismo dosISIS/ISIL/Daesh. Não há "oposição moderada" – nem tampouco há ou algum dia houve alguma "Líbia-libertada-pela-OTAN".


3) Só a ONU – com falhas e máculas que tenha – é instituição garantidora de alguma paz e segurança em nosso ambiente realpolitik geopolítico imperfeito.


É hora de pôr abaixo aqueles mitos 


Washington acreditou no próprio mito de uma Primavera Árabe em 2011, e apostou que, depois de Túnis e Cairo, Damasco cairia num piparote.


O pessoal da Av. Beltway acreditou no próprio mito de "rebeldes moderados" que tomariam o poder.


O Departamento de Estado não deu nenhuma atenção às minorias sírias que alertavam contra o perigo de jihadistas sunitas/salafistas tomarem o poder.


Assim se construiu a atual tragédia síria; resultado final de um formidável complexo jogo de poder político, religioso, sírio, regional e global.

Resultado de imagem para Isil
ISIS/ISIL/Daesh – pelo próprio barbarismo – pode até vencer algumas batalhas, mas não controlará todo o "Siriaque".


Para derrotar esse câncer, só há uma possibilidade: campanha militar real conduzida por coalizão real que incluirá Rússia, EUA, Irã, Turquia, Arábia Saudita.


Mas Washington nunca entrou em coalizão que não possa controlar como queira.


Assim sendo, um possível mapa do caminho do que vem por aí – como Obama e Putin, discutiram cara a cara, durante 1h30 em New York: coalizão de duas cabeças: uma russa, a outra norte-americana, mas que "coordenarão" a ação em campo.


Isso não implica contudo que Moscou deixará de procurar construir uma modalidade de coalizão ampla que possa ser legalmente aprovada pela ONU.


A tarefa é imensa: o "Siriaque" terá de ser reconstituído.


Implica um Iraque aceitável por todos os iraquianos – o que é impossível de conseguir sem o Irã. E uma Síria aceitável por todos os sírios – o que é impossível, sem Irã e Rússia.


Para começar a conversa, Washington nunca conseguiu sequer se aproximar de qualquer desses dois objetivos. O Império do Caos é especializado em destruir, não em construir nações.


Temos de degolar o dragão da maldade 
Resultado de imagem para gorbachev

Gorbachev queria integrar a URSS na família europeia – visando a uma Europa que fosse do Atlântico ao Pacífico.


Mas a Rússia pós-soviéticos não foi sequer convidada a pisar na casa grande. O que aconteceu foi que a OTAN dedicou-se a colonizar o espaço soviético.


Gorbachev sonhou com que o ocidente partilhasse dividendos com a Rússia. O que a Rússia obteve foi um choque neoliberal – e uma sociedade humilhada tratada como derrotada na Guerra Fria. O excepcionalismo prevaleceu.


Com Putin, a Rússia outra vez tentou uma parceria estratégica com a União Europeia. Alguém se lembra de Sergey Lavrov, ainda em 2011, jurando que a modernização da Rússia estava pronta a prosseguir como projeto paneuropeu, como no tempo de Pedro O Grande?


Mas em 2007 Putin já mudara o jogo e estava pronto a contestar publicamente a "ordem" unipolar – e lenta, mas firmemente, encaminhar a Rússia de volta para a ribalta geopolítica.


Pós-Ucrânia, ainda sob sanções, mas armada com uma parceria estratégica com a China, o momento para um xeque-mate é agora.
Resultado de imagem para Putin and Bush senior
Putin e os Bush


Em New York, Putin até propôs as linhas gerais de uma Nova Ordem Mundial. Artigo genuíno, não aquela "coisa" alinhavada por Papai-Bush depois do colapso da URSS.


Seria ordem mundial equitativa, justa – onde a soberania do estado é respeitada, sanções não têm sentido, a OTAN não incha ad infinitum e não há lugar para nenhum excepcionalismo.


O diabo estará nos (muitos) detalhes, claro. Por exemplo, se uma coalizão para lutar contraISIS/ISIL/Daesh for forjada e abençoada pela ONU, terá de haver coabitação – virtualmente impossível – de sunitas e xiitas.


E no futuro próximo, Bruxelas terá de controlar o antagonismo interno, visceral, contra a União Europeia interagir com a União Econômica Eurasiana liderada pela Rússia – a qual, até lá, já estará totalmente integrada com a(s) Nova(s) Rota(s) da Seda lideradas pela China.


O que está acima de qualquer dúvida – para a vasta maioria do Sul Global – é que o Império do Caos promoveu a desgraça em todos os quadrantes, do Norte da África e Sudeste Asiático, até as fronteiras ocidentais da Rússia.


Putin cavalga agora no olho do furacão dessa confusão toda, para degolar esse dragão da maldade – e as maquinações do Império do Caos. Sua espada? A ONU. Não surpreende que tenha paralisado neoconservadores, neoliberais conservadores e imperialistas "humanitários", colhidos nesse xeque-mate. Os caras mal conseguem disfarçar a apoplexia.
Pepe Escobar - (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário