quarta-feira, 13 de julho de 2016

URGENTE: governo golpista quer “congelar” pelos próximos 20 anos gastos com programas sociais, previdência, saúde e educação 13/07/2016

Redação



Foto: Beto Barata/PR
Governo Temer faz nova ofensiva contra direitos sociais, desta vez na PLDO 2017

Votação do relatório do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, que pretende antecipar e materializar os efeitos desastrosos da PEC 241/2016, será realizada nesta quarta-feira (13/7), longe dos holofotes por conta da eleição da presidência da Câmara dos Deputados.

no Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

A mais nova munição veio por meio de uma “sugestão” de alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO 2017) que pretende antecipar e materializar os efeitos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241/2016), aquela que congela em termos reais os gastos primários por até 20 anos, e que ainda não havia sido sequer votada pela Comissão de Constitucionalidade e Justiça da Câmara dos Deputados.

Esta sugestão está registrada no Ofício N. 26 de 07 de julho no qual o governo interino prevê que o déficit primário passará de um rombo de R$ 65 bilhões, previsto pelo governo Dilma, para um rombo de R$ 139 bilhões, mais que o dobro. É nesse mesmo ofício que se aproveita para antecipar para 2017 os efeitos da PEC 241, congelando os gastos sociais, o que reduzirá e piorará os serviços públicos e a garantia de direitos. No momento a ênfase está na contenção de despesas referentes a Previdência Social e Assistência Social, mas diversas políticas públicas essenciais para a segurança e bem estar da população brasileira terão seus orçamentos afetados.

A emenda ao texto sugerida pelo governo interino já foi servilmente incorporada pelo relator, o Senador Wellington Fagundes (PR/MT), e pode ser aprovada como parte do texto a toque de caixa, sem debate e no apagar das luzes, já que a votação do relatório está agendada para as 14h30 desta quarta-feira (13/7) na Comissão Mista de Orçamento - longe dos holofotes, que estarão todos direcionados à eleição da presidência da Câmara.

Alguns poderão tentar relativizar os efeitos perversos desta medida alegando que estão preservados os gastos: com Educação e Saúde, por terem leis que vinculam receitas a esses direitos; com o Fundo de Participação dos Estados e Municípios; além de outras transferências vinculadas à educação básica e aos royalties do petróleo, gás, minérios e recursos hídricos, ou seja, o “grosso” da parte do bolo orçamentário que cabe aos demais entes federados.

Mas não se enganem. Esta medida afetará diretamente a função de Estado prevista na Constituição Cidadã, que em seu texto afirmava ser o Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Tanto essa nova redação do PLDO 2017 quanto a PEC 241/16 afetam estruturalmente a capacidade financeira do Estado de executar as políticas públicas que garantem os direitos e impactará na vida dos brasileiros e brasileiras de forma profunda. Um exemplo do que já está sendo colocado em prática é a Medida Provisória 739 de 07/07/2016 que implementou severas alterações na legislação previdenciária, explicitando o objetivo de restringir o acesso aos benefícios por incapacidade, bem como cessar os benefícios para aqueles segurados que já recebem os respectivos benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. A ofensiva aos direitos previdenciários deixa nítido que o propósito do governo interino não é tão somente o de corrigir eventuais erros ou fraudes na concessão desses benefícios, mas exclusivamente reduzir gastos às custas de indivíduos tão vulneráveis da sociedade.

É ainda importante destacar que caso esse artigo que congela as despesas primárias seja mantido no texto da LDO de 2017 seus efeitos serão ainda potencializados pela Desvinculação de Receitas (DRU) ampliada a partir de 2017, que saiu de 20% para 30%. Isso quer dizer que dos recursos já congelados, 30% do Orçamento da Seguridade Social deixará de ser aplicado diretamente na Previdência, na Saúde e na Assistência.

No momento, a única possibilidade é que deputados e senadores que compõem a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional se posicionem em defesa da população brasileira e façam destaques solicitando a exclusão do artigo que permite o teto para os gastos com direitos.

http://www.ocafezinho.com/2016/07/13/urgente-governo-golpista-quer-congelar-pelos-proximos-20-anos-gastos-com-programas-sociais-previdencia-saude-e-educacao/

terça-feira, 12 de julho de 2016

Alertas vermelhos: Sinais de implosão na economia global – O capitalismo global à deriva 12/07/2016



por Jorge Beinstein [*]

Em fins de Maio, durante a reunião do G7, Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão, anunciou a proximidade de uma grande crise global [1] . O comentário mais divulgado pelos meios de comunicação foi que era um alarmismo exagerado, reflexo da situação difícil da economia japonesa. De qualquer modo, não faltam os que admitem a existência de perigos mas em geral atribuem-nos aos desequilíbrios financeiros da China, à recessão no Brasil ou às turbulências europeias. A situação nos Estados Unidos costuma merecer comentários prudentes, distantes de qualquer alarmismo. Apesar de o centro motor da última grande crise global (ano 2008) ter sido a explosão da bolha imobiliária estado-unidense, agora os peritos não percebem ali bolhas em plena expansão a ponto de estourar e sim tudo ao contrário: actividades financeiras, industriais e comerciais estagnadas, crescimentos anémicos e outros sinais aparentemente tranquilizantes que afastam a imagem de algum tipo de euforia descontrolada.

Mas é impossível ignorar a realidade. Os produtos financeiros derivados constituem a componente maioritária decisiva da trama especulativa global. Só cinco bancos dos Estados Unidos mais o Deutsche Bank acumularam esses frágeis activos no montante de uns 320 milhões de milhões de dólares [2] , equivalente a aproximadamente 4,2 vezes o Produto Mundial Bruto (ano 2015). Isso representa 65% da totalidade dos produtos financeiros derivados do planeta registados em Dezembro de 2015 pelo Banco da Basileia. Essa hiper-concentração financeira deveria ser um sinal de alarme e o panorama agrava-se quando constatamos que a referida massa financeira está a desinchar de maneira irresistível: em Dezembro de 2013 os derivados globais chegavam a uns US$710 milhões de milhões, apenas dois anos depois, em Dezembro de 2015, o Banco de Basileia registava US$490 milhões de milhões... em apenas 24 meses evaporaram-se US$220 milhões de milhões, cifra equivalente a cerca de 2,8 vezes do Produto Global Bruto de 2015.

Não foi um acidente e sim o resultado da interacção perversa, a nível mundial, entre a especulação financeira e a chamada economia real. Durante um longo período esta última pode suster uma desaceleração gradual evitando a derrocada, graças à financiarização do sistema que permitiu às grandes empresas, aos estados e aos consumidores do países ricos endividarem-se e assim consumir e investir. O declínio da dinâmica económica dos capitalismos centrais pôde ser desacelerado (ainda que não revertido) não só com negócios financeiros. A entrada de mais de 200 milhões de operários industriais chineses mal pagos no mercado mundial permitiu abastecer com manufacturas baratas os países ricos e a derrocada do bloco soviético brindou ao Ocidente um novo espaço colonial: a União Europeia ampliou-se para Leste, capitais da Europa e dos Estados Unidos estenderam seus negócios.

Foi assim que os Estados Unidos e seus sócios-vassalos da NATO continuaram em frente com os gastos militares e as guerras. Enormes capitais acumulados bloqueados por uma procura que crescia cada vez menos puderam rentabilizar-se comprando papéis de dívida ou jogando na bolsa. Grandes bancos e mega especuladores incharam seus activos com complexas operações financeiras legais e ilegais. Os neoliberais assinalavam que se tratava de um "círculo virtuoso" em que as economias real e financeira cresciam apoiando-se mutuamente. Mas a festa foi-se esgotando enquanto se reduziam as capacidades de pagamento dos devedores esmagados pelo peso das suas obrigações.



A crise de 2008 foi o ponto de inflexão. Em Dezembro de 1998 os derivados globais chegavam a uns US$80 milhões de milhões, equivalente a 2,5 vezes o Produto Global Bruto desse ano. Em Dezembro de 2003 eles alcançavam os US$200 milhões de milhões (5,3 vezes o PGB) e em meados de 2008, em plena euforia financeira, saltaram para os US$680 milhões de milhões (11 vezes o PGB). A recessão de 2009 os fez cair: em meados desse ano haviam baixado para US$590 milhões de milhões (9,5 vezes do PGB). Acabara a euforia especulativa e a partir daí as cifras nominais estancaram ou subiram muito pouco, reduzindo sua importância em relação ao PGB. Em Dezembro de 2013 rondavam os US$719 milhões de milhões (9,3 vezes o PGB) e a seguir verificou-se o grande desinchar: US$610 milhões de milhões em Dezembro de 2014 (7,9 vezes o PGB) que em Dezembro de 2015 caiu para US$490 milhões de milhões (6,2 vezes o PGB).

O aparente "círculo virtuoso" havia mostrado o seu verdadeiro rosto: na realidade tratava-se de um círculo vicioso em que o parasitismo financeiro expandira-se graças às dificuldades da economia real à qual drogava enquanto a carregava de dívidas cuja acumulação acabou por arrefecer o seu dinamismo – o que por sua vez bloqueou o crescimento da esfera financeira.

A primeira etapa de interacção expansiva anunciava a segunda de interacção negativa, do arrefecimento mútuo actualmente em curso que por sua vez anuncia a terceira, de arrefecimento financeiro a marchar em direcção ao colapso e com crescimentos anémicos, estancamentos e recessões suaves da economia real aproximando-se da depressão prolongada – tudo isso como parte do provável desinchar entrópico do conjunto do sistema.



A financiarização integral da economia faz com que a sua contracção comprima a economia real, reduza o seu espaço de desenvolvimento. O peso das dívidas públicas e privadas, a crescente volatilidade dos mercados submetidos ao canibalismo especulativo, grandes bancos na corda bamba e outros factores negativos afogam a estrutura produtiva.

Por outro lado o sistema global não se reduz a um conjunto de processos económicos. Encontramo-nos perante uma realidade complexa que inclui uma ampla variedade de componentes inter-relacionados (geopolíticos, culturais, militares, institucionais, etc). Isso significa que a crise pode desencadear-se a partir de diferentes geografias e focos de actividade social. Exemplo: um facto político como a decisão do eleitorado da Grã-Bretanha de sair da União Europeia poderia ter sido o detonador, tal como antecipava George Soros que esperava uma "Sexta-feira negra" seguida por uma reacção em cadeia de turbulências fora de controle se na quinta-feira 23 de Junho triunfasse o Brexit [3] . O desastre não se verificou, mas podia ter ocorrido... ainda que a sacudidela fosse bastante forte [4] .

Poderia ser uma onda de protestos sociais na Europa, mais extensa e radicalizada do que a verificada recentemente em França, ou a derrocada do Deutsche Bank que acumula papéis voláteis num montante da ordem dos US$70 milhões de milhões, quase equivalente ao Produto Mundial Bruto [5] . Também a economia italiana apresenta a sua quota de riscos, afectada pela degradação acelerada dos bancos encurralados pelos não pagamentos dos seus devedores, que em Março de 2016 somavam uns 200 mil milhões de euros (equivalente a 12% do PIB italiano) [6] . E naturalmente o Japão surge como um importante candidato à derrocada com uma dívida pública de US$9 milhões de milhões que representa 220% do seu PIB, não tendo conseguido sair da deflação e com as suas exportações a perderem competitividade [7] .

Os Estados Unidos, centro da economia global (sobretudo da sua hipertrofia financeira), são naturalmente o motor potencial de futuras tormentas globais. Ali nos últimos meses acumularam-se sinais recessivos: desde a tendência persistente para a baixa na produção industrial a partir de fins de 2014 [8] até a ascensão contínua de dívidas industriais e comerciais não pagas (que já alcançaram o nível dos fins de 2008 – aumentaram quase 140% entre o último trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2016) [9] , passando pela queda do conjunto de vendas (grossistas, retalhistas e industriais) ao mercado interno desde o último quadrimestre de 2014 [10] e das exportações desde Novembro do mesmo ano [11] .

A isto devemos acrescentar uma dívida pública nacional que continua a aumentar. Já superou a barreira dos US$19 milhões de milhões (quase 106% do PIB) que, somada às dívidas privadas, chega aos US$64 milhões de milhões (3,5 vezes o PIB de 2015) [12] – e também com sinais claros de deterioração social como o facto de que umas 45 milhões de pessoas actualmente recebem ajudas alimentares por parte do Estado [13] . A agência encarregada de monitorar os programa alimentares governamentais, FRAC na sua sigla em inglês, assinalava no seu últimos relatório que "mais de 48,1 milhões de estado-unidenses vivem em lares que lutam contra a fome" [14] .



Para um número crescente de peritos, sobretudo os especialistas em temas financeiros, a pergunta decisiva não é se a crise se vai verificar ou não e sim quando vai ocorrer. Para alguns poderia assumir a forma de uma explosão financeira no estilo da que se verificou em 2008 ou em eventos anteriores desse tipo. Para outro, o que está para chegar é uma grande implosão do sistema.

Cabem duas hipóteses extremas. A primeira é que a acumulação de deteriorações gere cedo ou tarde um salto qualitativo devastador. A história do capitalismo está marcada por uma sucessão de crises de diferentes magnitudes. Olhando o passado seria razoável supor um desenlace sob a forma de hiper-crise.

A segunda hipótese é que a perda de dinamismo do sistema não seja um fenómeno passageiro e sim uma tendência pesada que obriga a superar a ideia de grande turbulência repentina, de tsunami arrasador, e introduzir o conceito de "decadência", de envelhecimento prolongado, de degradação civilizacional – o que não exclui as crises e sim incorpora-as a um percurso descendente em que o sistema se vai apagando, desarticulando, caotizando, perdendo vitalidade, racionalidade.

Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, relançou recentemente com grande repercussão mediática a teoria do "estancamento secular" segundo a qual as grandes potências tradicionais estão a entrar numa era de estancamento produtivo prolongado arrastando o conjunto do sistema global [15] . Recuperava desse modo as ideias de Alvin Hansen expostas em plena crise dos anos 1930. Por sua vez, académicos importantes como Robert Gordon [16] , Tyler Cowen [17] ou Jan Vijg [18] apoiavam esse ponto de vista a partir da visão da ineficácia crescente da mudança tecnológica em termos de crescimento económico. Este último autor assinalava o paralelismo entre a decadência estado-unidense e as do Império Romano e da China na era da dinastia Qing (entre meados do século XVII e princípios do século XX). Nos anos 1970, quando se iniciava a longa crise global que chega até os nossos dias, Orio Giarini e Henri Loubergé, então na Universidade de Genebra, haviam elaborado a hipótese dos "rendimentos decrescentes da tecnologia" a partir do processamento de uma grande massa de informação empírica [19] . Pelo seu lado, o historiador Fernand Braudel assinalava que a grande crise dessa década era o começo de uma fase cíclica descendente de longa duração [20] . A partir de uma visão marxista, Roger Dangeville, também nessa época, afirmava que o capitalismo enquanto sistema global havia entrado na sua etapa senil [21] . Eu retomei essa hipótese desde fins dos anos 1990 [22] , que mais adiante foi assumida por Samir Amin [23] e outros autores.

Agora os sinais de alarme multiplicam-se, desde desajustamentos financeiros graves até perturbações geopolíticas carregadas de guerra e desestabilizações, desde crises institucionais até declinações económicas. Nos anos 1990 os comentaristas ocidentais maravilhavam-se diante do espectáculo da implosão da URSS. É provável que dentro de não muito tempo comecem a horrorizar-se diante de desastres muito maiores centrados no Ocidente.
[1] Philippe Mesmer, "L'alarmisme de Shinzo Abe surprend le G7", Le Monde, 26/05/2016.
[2] Tyler Durden, "Is Deutsche Bank The Next Lehman?", Zero Hedge, www.zerohedge.com/news/2015-06-12/deutsche-bank-next-lehman
Michael Snyder, "Financial Armageddon Approaches", INFOWARS, www.infowars.com/...
[3] Antoine Gara, "George Soros Says Brace For 'Black Friday' If Brexit Vote Succeeds", Forbes, Jun 21, 2016, www.forbes.com/...
[4] Wolf Richter, "European Banks Get Crushed, Worst 2-Day Plunge Ever, Italian Banks to Get Taxpayer Bailout, Contagion Hits US Banks", Wolf Street, June 27, 2016, wolfstreet.com/...
[5] Michael T. Snyder, "Will Deutsche Bank Survive This Wave Of Trouble Or Will It Be The Next Lehman Brothers?", Smarter Analyst, May 23, 2016, www.smarteranalyst.com/...
[6] Jeffrey Moore, "Will Italian banks spark another financial crisis?", Global Risk Insights, March 7, 2016.
[7] Takashi Naakamichi, "Japan emerges as key victim in fallout from Brexit", Market Watch,June 27, 2016.
[8] U.S. Board of Governors of the Federal Reserve System, "Industrial Production and Capacity Utilization".
[9] Worlf Richter, "Business Loan Delinquencies Spike to Lehman Moment Level", May 19, 2016, wolfstreet.com/2016/05/19/delinquencies-of-commercial-industrial-loans-spike/
[10] FRED - Federal Reserve Bank of St. Louis, Total Business Sales.
[11] U.S. Census Bureau, "U.S. International Trade in Goods and Services".
[12] FRED - Federal Reserve Bank of St. Louis, All Sectors; Debt Securities and Loans.
[13] United States Department of Agriculture, Food and Nutrition Service.
[14] FRAC, Food Research & Action Center, "U.S. Makes Progress Addressing Food Hardship, but One in Six American Households Still Struggle to Put Food on the Table", June 30, 2016, frac.org/...
[15] Laurence. H. Summers, "Reflections on the New Secular Stagnation Hypothesis", Secular Stagnation: Facts, Causes, and Cures, CEPR Press, 2014.
[16] Robert J. Gordon, "Is US Economic Growth over? Faltering Innovation confronts the six Headwinds", NBER Working paper series, 18315, August.2012."The turtle's progress: Secular stagnation meets the headwinds", Secular Stagnation:Facts, Causes, and Cures, CEPR Press, 2014.
[17] Tyler Cowen, "The Great Stagnation", Dutton, 2011.
[18] Jan Vijg,"The American Technological Challenge: Stagnation and Decline in the 21st Century", Algora Publishing, 2011.
[19] Orio Giarini y Henri Loubergé,"La Civilisation technicienne à la dérive. Les rendements décroissants de la technologie", Dunod, Paris, 1979
[20] Fernand Braudel, "Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XV e XVIII e Siècle", tome I, Armand Colin, Paris, 1979.
[21] Roger Dangeville, "Marx-Engels. La crise", Editions 10/18, Paris 1978
[22] Jorge Beinstein, "La larga crisis de la economía global", Corregidor, Buenos Aires, 1999 y "Capitalismo senil. A grande crise da economia global", Record, Rio de Janeiro, 2001.
[23] Samir Amin, "Au-delà du capitalisme sénile", PUF, Paris, 2002.

Ver também:

Crises, os desenlaces possíveis

Resenha do livro Le capital fictif, de Cédric Durand

O capital fictício, como a finança se apropria do nosso futuro
The Epic Collapse of Deutsche Bank

[*] Doutorado de Estado em Ciências Económicas (Universidade do Franche Comté, Besançon, França), especialista em prognósticos económicos. Foi consultor de organismos internacionais e de governos, dirigiu numerosos programas de investigação e foi titular de cátedras de economia internacional e prospectiva tanto na Europa como na América Latina. É professor titular das cátedras livres "Globalização e Crise" nas Universidades de Buenos Aires e Córdoba (Argentina) e de Havana (Cuba) e director do Centro de Prospectiva y Gestión de Sistemas (Cepros). Sua página web é http://beinstein.lahaine.org/

O original encontra-se em www.resumenlatinoamericano.org/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/





http://resistir.info/beinstein/sinais_globais_08jul16.html

¿Será Deutsche Bank un nuevo Lehman Brothers que colapsará el mundo? 12/07/2016


Julio Fernández
El blog salmón


La realidad económica está cada vez más agitada en los tiempos que corren. El cambio económico chino y el impacto que ha tenido en las economías emergentes (como es el caso de Brasil), la guerra de divisas que estamos presenciando a nivel mundial, la ralentizada subida de tipos de interés por parte de la Reserva Federal Americana o la caída estrepitosa del precio del crudo. Ahora se suma las elecciones favorables al brexit, con toda la incertidumbre que está provocando a nivel económico y social las dudas de activar el famoso artículo 50 del Tratado de Lisboa, el cual permite dos años para el proceso de salida y marcar todas las relaciones económicas y de emigración con la Unión Europea. Bien, ahora nos enfrentamos a la más que posible quiebra de uno de los bancos más grandes del mundo, el Deutsche Bank.

En el artículo analizaremos todos los aspectos a considerar sobre la posible caída de dicha institución bancaria, así como su similitud a uno de los episodio más sórdidos de la historia económica moderna, la caída de Lehman Brothers el 15 de Septiembre de 2008. Si algo hemos aprendido de la historia económica reciente, y del caso de Lehman Brothers en concreto, es que las corporaciones ¨Too big to fail¨ (demasiado grandes para fallar), también quiebran con todo lo que ello implica a nivel mundial desde un punto de vista económico y social.

Deutsche Bank ha suspendido las pruebas de estrés aplicadas por la FED y el Fondo Monetario Internacional ha señalado al banco como el que mayor riesgo tiene, en producir un nuevo tsunami financiero a nivel mundial.
Deutsche Bank vs. Lehman Brothers


Algo que nos va a ayudar de forma bastante práctica, para entender lo que está pasando con Deutsche Bank, y saber a lo que nos enfrentamos, es entender que pasó con Lehman Brothers hace años, la historia aunque no es exacta, se parece bastante.

El banco de inversión Lehman Brothers que disfrutó del crecimiento que provocó la segunda burbuja financiera en la época de Alan Greenspan al frente de la FED, y digo la segunda, porque ya se había provocado otra, la burbuja punto.com. Esta segunda burbuja impactó al sector inmobiliario. El 18 de Junio del 2002, el Presidente de los E.E.U.U, George W. Bush pronunció su famoso discurso en el que promulgaba que la adquisición de una vivienda en propiedad, conformaba parte del sueño americano. De ahí que la FED tomara cartas en el asunto, y favoreciese la medida reduciendo los tipos de interés del 6% al 1%, para abaratar el crédito y se desató la locura.

La compra de inmuebles en bloque no se hizo esperar, y los bancos con un afán desmesurado de lucro, daban créditos hipotecarios hasta aquellos que no podían devolverlo. Los famosos NINJA (No Incomes, No Jobs, No Assets), es decir gente que no tenían trabajo, ni ingresos, ni ningún tipo de activo. Obviamente, todas estas hipotecas de elevadísimo riesgo eran a su vez revendidas por bancos comerciales a bancos de inversión, los cuales generaban los famosos paquetes hipotecarios, donde combinaban hipotecas con altos niveles de liquidez, y por tanto poco riesgo, con estas de elevadísimo riesgo. Dichos activos eran conocidos como CDO´s (Collateral Debt Obligation) los cuales eran emitidos y vendidos a otros bancos de forma global.

Dos semanas antes de la quiebra de Lehman Brothers, todas las empresas de rating americanas, S&P, Fitch o Moodys daban la calificación más alta de liquidez y solvencia a Lehman Brothers (AAA+).

Cierto es, que el caso actual de Deutsche Bank, las causas no se deben a ninguna burbuja inmobiliaria a día de hoy, pero si a un entorno macroeconómico inestable pocas veces visto con anterioridad. Es preciso comparar datos para ver la situación económico-financiera de Deutsche Bank con Lehman Brothers cuando quebró:
La caída en picado de la capitalización bursátil de Lehman Brothers antes de la quiebra. Las acciones de Deutsch Bank están practicamente en caída libre,como las de Lehman Brothers en su momento, las cuales están en torno a los 13.91 euros/acción, lo que implica una caída del 45% en este último año. Aunque más vértigo da ver la evolución del precio de la acción desde el 2008, cuya caída es superior al 90%. La capitalización bursátil del banco está entorno a 20 mil millones de dólares, muy por debajo de su valor en los libros contables, en torno es 67 mil millones, lo que implica un descuento en torno al 70%.

La evolución de las acciones de Deutsche Bank, las cuales parecen abocadas a caer hasta 0, como ya lo hicieran en su momento las acciones de Lehman Brothers. Las reacciones no se han hecho esperar, George Soros, a través de sus Hedge Funds a empezado a vender en corto acciones del banco, ¨invirtiendo a la contra¨, ya que la tendencia bajista parece ser irremediable. Vender a corto, implica que una compañía de Hedge Funds toma prestadas unas acciones por parte de un accionista de Deutsche Bank durante un tiempo limitado. En el momento que las adquiere las vende por que estima que van a caer, y después cuando las acciones realmente caen y vence el periodo para su devolución, las vuelve a comprar por un precio mucho más bajo, generando una plusvalía o ganancia, de la cual se deduce la consiguiente comisión a pagar por dicho préstamo de acciones al inversor primero, en el momento de la devolución¨. Esta es una de las muchas formas de ¨invertir a la contra¨.

Apalancamiento. Otro signo de similitud entre Lehman Brothers y Deutsche Bank, es el volumen de apalancamiento (Gearing o Leverage, en inglés). Las cifras no pasan desapercibidas. Momentos antes del colapso de Lehman Brothers, su balance de situación arrojaba un volumen de activos de 639 mil millones, y un pasivo de 619 mil millones de dólares respectivamente, lo que implicaba una proporción de apalancamiento de 31:1. Es decir, por cada dólar de capital propio, había 31 dólares de endeudamiento. Las cifras arrojadas por los estados financieros de Deutsche Bank en Diciembre del 2015, muestran un volumen de activos de 1.60 billones de euros (sí, billones) y un pasivo de 1.56 billones de euros, lo que implica un ratio de apalancamiento todavía mayor, en torno al 40:1. Es decir, por cada euro de capital propio, hay 40 euros de deuda, lo que implica un endeudamiento desorbitado. Tampoco han ayudado las LTRO (Long Term Refinancing Operations), o lo que coloquialmente se conoce como ¨la barra libre del Banco Central Europeo¨. Esto es, que el Banco Central Europeo emite dinero gratuito a la banca comercial privada. Es decir, deuda a un tipo de interés del 0% a los bancos para capitalizarse, lo cual no deja de ser un incremento del pasivo bancario en sus balances, aunque en principio no generen gastos financieros.
Otras magnitudes a considerar en el colapso de Deutsche Bank


En el apartado anterior veíamos aspectos comunes entre Deutsche Bank y Lehman Brothers antes de su quiebra. Bien, aparte de esos aspectos comunes, hay otros aspectos a considerar, al margen de la comparativa con Lehman Brothers, en el derrumbe del gigante alemán.


La política monetaria del Banco Central en un entorno de tipos de interés nulos, no ayuda a los bancos a sacar márgenes de ganancia en los intereses netos. Esto es, la diferencia entre los ingresos por intereses y los gastos por intereses se reducen cada mes más. Como se puede apreciar en sus cuentas anuales para el 2015 La pérdida obtenida por el Deutsche Bank en 2015 está en torno a 6.7 mil millones (después de impuestos), y que es por la reducción de los márgenes netos de interés, al incremento de los gastos no financieros, es decir al pago de gastos por comisiones a acreedores debido a una tendencia generalizada por parte del sector bancario a compensar sus exiguos ingresos por intereses, con ingresos por comisiones. Esto hace que los ingresos/gastos por comisiones tengan un peso específico mucho más alto en las cuentas anuales de los bancos. Por último, el batacazo dado por la depreciación de su Goodwill, o Fondo de Comercio con una caída de 5.7 mil millones de euros, que son todos los activos intangibles de la corporación, tales como marca comercial, cartera de clientes, prestigio en el mercado, etc..


La alta exposición al mercado de derivados. Actualmente Deutsche Bank tiene un volumen de 75 billones de dólares en derivados,lo que implica 5 veces el PIB de la Unión Europea y 20 veces el PIB alemán. También representa el 13% de mercado total de derivados en el mundo que se cifra en torno a 550 billones de dólares. En principio, esa no es la cifra a considerar en caso de rescate, ya que muchos activos se compensan con otros pasivos. Dichos derivados dependen de activos subyacentes, lo cuales pueden a su vez ser tóxicos y equiparables a las hipotecas subprime de Lehman Brothers.



Otro impacto a considerar es el ¨Brexit¨. El 19% de sus ingresos vienen del UK. Toda la incertidumbre generada en torno al nuevo escenario mundial con el Reino Unido fuera de la Union Europea está impactando negativamente en todo el sector bancario mundial, y concretamente en el banco alemán, el cual puede ver depreciado su facturación total en un 19%, si rompe toda su relación comercial con los británicos.


Riesgo sistémico. Este fenómeno hace referencia al riesgo que se produce si una corporación de esta envergadura quiebra y al impacto sobre el volumen insolvencias que generan en otras grandes corporaciones y bancos de inversión. De modo que, estos acreedores generan otras insolvencias sobre otros acreedores, y así sucesivamente generando un efecto dominó de colapso financiero mundial, como ya ocurrió con Lehman Brothers. Esto es debido en parte, al sistema bancario de Reserva fraccionaria o coeficiente de caja, por el cual el Banco Central marca el volumen de depósitos mínimos que deben ser mantenidos en un banco comercial, invirtiendo el resto en un segundo banco comercial. El segundo banco hace la misma operación, mantiene el porcentaje de dinero mínimo que exige el Banco Central, y que ha recibido del banco comercial primero e invierte el resto en un tercero, y así sucesivamente, generando lo que se llama el efecto multiplicador de dinero o multiplicador monetario. Ese es el mecanismo por el cual la banca comercial privada genera la mayor parte del dinero que hay en circulación en la economía, y no el Banco Central como mucha gente cree. El impacto global del riesgo sistémico que puede producir la quiebra de Deutsche Bank sobre el tejido bancario mundial, es amplio.

El último dato a considerar son los CDS (Credit Default Swaps). Son seguros emitidos en los mercados financieros, y que aseguran la posible falta de liquidez e insolvencia sobre un activo concreto. La particularidad de estos seguros, es que puedes comprar el seguro, sin adquirir el activo que dicho seguro cubre. Por tanto, si una empresa concreta quiebra, y usted tiene el seguro sobre los activos de la empresa sin haber adquirido dichos activos, usted cobra igual por la contingencia producida. Es muy fácil ¨invertir a la contra¨ en estas situaciones. Los CDS de Deutsche Bank han aumentado su valor de mercado de los 100$ a los 250$, lo que supone que el mercado estima un incremento de la posibilidad de insolvencia por parte de Deutsche Bank en torno al 150%.
El colapso que viene

Todo parece indicar que estamos a punto de sufrir otro colapso financiero global, esta vez debido a Deutsche Bank. Las cifras ofrecidas invitan al análisis de sus posibles consecuencias. ¿Preocupación?, sí, mucha. No debemos olvidar, que el volumen de activos de Lehman Brothers representaba sólo el 3% por ciento del PIB de E.E.U.U, y aún así quebró. O como el impacto que generó en el resto del sector bancario mundial, que implicó rescates a la banca, rescates a otros países de Europa, políticas de austeridad.... y mas políticas de austeridad.

Este caso es peor ya que el volumen de activos sobre el PIB de Alemania o sobre el de la UE tiene un peso especifico muchísimo más alto. ¿Cómo vamos a rescatar al gigante, si todos los demás somos infinitamente enanos?, ¿cómo se puede salir de una situación así?, ¿tiene el sistema capitalista realmente futuro?

Fuente: http://www.elblogsalmon.com/mercados-financieros/sera-deutsche-bank-un-nuevo-lehman-brothers-que-colapsara-el-mundo

http://www.rebelion.org/noticia.php?id=214394

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Repressão brutal em França 07/07/2016




por CGT [*]

Terça-feira, em Paris, pela 12ª vez desde 9 de Março de 2016, várias dezenas de milhares de manifestantes desfilaram para exigir a retirada da Lei El Khomri e a abertura de verdadeiras negociações. Apesar das múltiplas provocações, dos ataques com uma violência incrível, da campanha mediática sem precedentes e da violência verbal de vários responsáveis políticos e patronais, as organizações sindicais, a CGT em primeiro lugar, não cessaram de as evitar.

A maturidade, o sangue frio e a seriedade dos militantes da CGT, aos quais foi confiada a responsabilidade de garantir a segurança das manifestações no interior dos desfiles, nunca foram desmentidas. Nossos camaradas encarregados da segurança dos agrupamentos são militantes da CGT tal como todos os outros.

Alguns destes militantes foram objecto de repressão repetitiva, de perseguições e de prisões. O Governo e a Prefeitura de Polícia de Paris decidiram franquear uma nova etapa. Terça-feira, por ocasião da manifestação de 5 de Julho, vários camaradas dos serviços de ordem de intersindical foram objecto de detenções arbitrárias. Nosso camarada Laurent, militante da CGT do Val-de-Marne – neste dia e nesta hora sempre detido – deve comparecer em juízo nesta quinta-feira 7 de Julho, à tarde, por um motivo ainda inexplicado.

Trata-se claramente de um ataque de envergadura contra toda a CGT. Ele deve suscitar uma reacção à altura da gravidade da repressão. Como o diz desde há muito a CGT, "quando se ataca um militante da CGT é toda a CGT que se ataca". É portanto toda a CGT que deve reagir face a um processo político. Apelamos a todos os militantes, todos os sindicalizados da CGT assim como a todos os assalariados e os cidadãos apegados à democracia, à liberdade de expressão, a que se mobilizem, dia 7 de Julho, no princípio da tarde, para acompanhar nosso camarada Laurent aquando do seu comparecimento diante do Palácio da Justiça de Paris.

A repressão não quebrará jamais a determinação da CGT de obter a retirada da lei do [código do] trabalho.

Montreuil, 7 de Julho 2016 Comunicado conjunto da CGT, URIF-CGT, União departamental CGT do Val de Marne

Ver também:
www.decryptageloitravail.cgt.fr

O original encontra-se em www.cgt.fr/Toute-la-CGT-attaquee.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/





http://resistir.info/franca/cgt_07jul16.html

terça-feira, 5 de julho de 2016

Escritos de Marx sobre as bolhas financeiras: Visões mais aguçadas do que as de economistas contemporâneos 05/07/2016




por Ismael Hossein-Zadeh [*]

Embora prestando homenagem a Marx pelo seu profundo entendimento das "leis de movimento do modo de produção capitalista", a maior parte dos economistas contemporâneos argumenta no entanto que a sua análise económica não pode ser muito útil quando se trata de estudar a banca e a grande finança moderna uma vez que estas são relativamente recentes, desenvolvimentos posteriores a Marx. Argumentarei neste ensaio que, de facto, uma leitura cuidadosa do seu trabalho sobre "capital fictício" revela perspicácias agudas para um melhor entendimento das instabilidades dos mercados financeiros de hoje [1] .

É verdade que suas discussões acerca do capital fictício foram breves e fragmentadas. No entanto, o que ele escreveu (em linhas gerais) sobre a distinção entre "capital dinheiro e capital real", entre trabalho produtivo e improdutivo e entre investimento especulativo e real pode ser de interesse significativo em relação à ascensão do capital financeiro e seus efeitos desestabilizadores sobre as economias de mercado avançadas do nosso tempo [2] .

A teoria marxiana do valor, como o produto do trabalho humano gerado no processo de produção e sua teoria gémea do valor excedente – valor superior e acima do custo de produção – como a fonte do lucro, juro e rendimentos rentistas implica que, para ter uma economia viável, a soma monetária destes vários tipos de rendimento não pode desviar-se muito do valor excedente total criado no processo de produção. Por outras palavras, a soma geral de rendimentos monetários e/ou lucros numa economia é limitada, em última análise, pelo montante total de valores reais produzidos naquela economia.

As implicações políticas desta teoria quanto ao que realmente sustenta uma economia são enormes, pois podem alertar prontamente decisores políticos para os perigos de uma crise económica iminente quando desvios de magnitudes monetárias das magnitudes de valores reais tendem a tornar-se demasiado grandes e, portanto, insustentáveis.

Isto posiciona-se em contraste absoluto com a teoria económica convencional/neoclássica que, ao invés do trabalho humano, encara a propriedade e/ou gestão como fontes de lucros, ou excedente económico. Consequentemente, não há limites sistémicos para os montantes de rendimentos/lucros feitos por administradores capitalistas "inteligentes" e por "peritos" financeiros: tudo depende de quão criativos eles forem, incluindo todas as espécies de "inovações financeiras" astuciosas que poderiam criar riqueza de papel ou electrónica a partir do ar, sem serem limitados por quaisquer valores reais subjacentes.

Não surpreendentemente, a maior parte dos economistas convencionais não via como problema o crescimento astronómico de capital fictício (em relação ao capital industrial) no período imediato que antecedeu a implosão financeira de 2008. Na verdade, não muito antes do crash do mercado, estes economistas estavam alegremente a prever que não haveria mais grandes crises do capitalismo porque "inovações financeiras criativas" haviam no essencial assegurado o mercado contra o risco, incerteza e crash.

A teoria marxiana da instabilidade financeira (e da crise económica em geral) vai muito além de simplesmente culpabilizar o "comportamento irracional de agentes económicos", como o fazem economistas neoliberais, ou "insuficientes regulamentações do governo", como o fazem economistas keynesianos. Ela, ao invés, centra-se nas dinâmicas intrínsecas (built-in) do sistema capitalistas que promovem tanto o comportamento dos agentes do mercado como as políticas dos governos. Ela encara, por exemplo, o colapso financeiro de 2008 como o resultado lógico da super-acumulação de capital financeiro fictício, em relação ao montante agregado de valor excedente produzido pelo trabalho no processo de produção.

Ao invés de simplesmente culpar os "maus" republicanos ou o "capitalismo neoliberal", como fazem muitos economistas de esquerda, liberais ou keynesianos [3] , ela centra-se na dinâmica do "capital como valor em auto-expansão", como dizia Marx, que não só criou a enorme bolha financeira que implodiu em 2008 como também subverteu a política pública face a uma bolha tão obviamente insustentável. Por outras palavras, ela encara a política pública não simplesmente como um assunto administrativo ou técnico mas, mais importante, como um assunto político profundo que está organicamente entrelaçado à natureza de classe do estado capitalista, o qual cada vez mais tornou-se dominado por poderosos interesses financeiros.

Se bem que culpabilizar políticas ou estratégias de desregulamentação, titularização (securitization) e outras inovações financeiras como factores que facilitam a bolha financeira não seja falso, isto mascara o facto de que estes factores são essencialmente instrumentos ou veículos da acumulação de capital financeiro fictício. Não importa quão subtis ou complexos sejam, eles são essencialmente ferramentas ou estratégias astuciosas de transferir valor excedente gerado alhures pelo trabalho, ou de criar capital fictício a partir do ar. Marx caracterizou esta transferência subtil de valor (real/trabalho) do capital produtivo para o capital fictício improdutivo como "uma forma extrema de fetichismo das commodities" na qual a fonte real, mas submersa, de valor excedente está oculta. Ao discutir como flutuações na magnitude de capital financeiro, ou de preços de activos financeiros, podem não reflectir necessariamente mudanças na economia real, Marx escreveu:


Na medida em que a depreciação ou aumento em valor deste papel (activos) é independente do movimento de valor do capital real que ele representa, a riqueza da nação é na mesma tão grande antes como após a sua depreciação ou aumento em valor... A menos que esta depreciação reflectisse uma travagem real da produção e do tráfego em canais e ferrovias, ou uma suspensão de empresas (produtivas) já iniciada... a nação não se tornou nem um centavo mais pobre pelo estouro desta bolha de sabão de capital-dinheiro nominal [4] .

Marx antecede a sua discussão sobre o relacionamento entre capital financeiro, o qual ele chama "capital-dinheiro emprestável", e o capital industrial ou produtivo colocando esta pergunta: "em que medida a acumulação de capital na forma de capital-dinheiro emprestável coincide com acumulação real, isto é, com a expansão do processo de reprodução?" [5] .

A resposta, destaca ele, depende da etapa do desenvolvimento do capitalismo. Nas etapas primitivas do desenvolvimento capitalista, isto é, antes da ascensão de grandes bancos e do moderno sistema de crédito, o crescimento do capital financeiro era regulado ou determinado pelo crescimento do capital industrial. Pois na ausência de grandes bancos monopolistas e do moderno sistema de crédito a forma dominante de crédito consistia em crédito comercial. Sob o sistema de crédito comercial, em que uma pessoa empresta o dinheiro a outra no processo de reprodução (exemplo: o grossista empresta ao retalhista, ou o retalhista empresta ao consumidor), o capital financeiro não podia desviar-se muito do capital industrial. "Quando examinamos este crédito separado do crédito do banqueiro é evidente que ele aumenta com um volume crescente do próprio capital industrial. O capital de empréstimo e o capital industrial são aqui idênticos" [6] .

Mas em etapas mais elevadas do desenvolvimento capitalista, em que bancos recolhem ou centralizam e controlam poupanças nacionais, o crescimento do capital financeiro já não se move em conjunto com o crescimento do capital industrial. Sob tais condições, "O lucro pode ser feito puramente a partir da comercialização (trading) numa variedade de direitos financeiros existentes só no papel... Na verdade, o lucro pode ser feito utilizando apenas capital tomado emprestado para entrar no comércio (especulativo), não apoiado por qualquer activo tangível" [7] .

Estas breves passagens revelam que Marx faz uma distinção clara entre lucro real e lucro de bolhas financeiras. Enquanto o lucro real está enraizado, e portanto limitado directamente, pela produção de valor excedente, o lucro da inflação de capital fictício (ou inflação de preços de activos) não está – pelo menos, não directamente, imediatamente, ou no curto prazo. Marx distingue entre uma variedade de lucros e/ou rendimentos – todos dependentes, em última análise, do montante de valor excedente criado pelo trabalho humano no processo de produção.

A categoria principal e óbvia é o lucro que resulta da produção manufactureira ou real, ou lucro de "empresa", como Marx o chamou. De acordo com a sua teoria do valor trabalho, o lucro de "empresa" é essencialmente trabalho não pago. A partir da produção, ele exprime o valor do produto nacional bruto (PNB) por esta equação simples: PNB = C + V + S, em que C representa capital "constante" (ou depreciação e materiais, incluindo matérias-primas), V representa capital "variável", o qual é o equivalente dos salários (da produção) e S representa valor excedente, o qual é a base dos lucros (da produção), ou lucro da "empresa". Pagamentos de juros por capital tomado emprestado (e investido) bem como pagamentos de rendas pelo espaço arrendado para fazer negócio seriam deduzidos do lucro de empresa, ou valor excedente.

Parte do lucro de empresa restante normalmente seria posto de lado para reinvestimento e/ou expansão – o qual é chamado "ganhos retidos" ("retained earnings") na linguagem actual dos negócios – e o resto tornar-se-ia rendimento de dividendos e/ou rendimento empresarial/de gestão. [Na equação acima, Marx chama C de trabalho "morto", isto é, trabalho ossificado ou congelado na maquinaria ou meios de produção; (V + S) de trabalho "vivo" ou "subsistência", isto é, trabalho total (horas) cumpridas, ou valor total criado; o qual hoje é chamado Produto Nacional Líquido, ou Valor Acrescentado.]

Uma segunda categoria de lucros, segundo Marx, é o "lucro da alienação ou expropriação", o qual decorre da apropriação de capitalistas de parte dos rendimentos ou salário dos trabalhadores na forma de juros ou renda. Quando o pagamento de trabalhadores (V na equação acima) está abaixo do nível de "subsistência", isto é, não lhes são pagos salários dignos, eles frequentemente recorrem a tomada de empréstimos para suplementar seus ganhos inadequados. Frequentemente isto leva a endividamento e, portanto, à apropriação de parte do rendimento por banqueiros e outros prestamistas. Esta "expropriação financeira" baseia-se na redivisão dos fluxos de rendimento monetário existentes e portanto torna-se um jogo de soma zero: prestamistas ganham o que tomadores de empréstimo perdem. Marx caracteriza este tipo de ganho financeiro por prestamistas a expensas de tomadores de empréstimos de lucro da "exploração secundária" – distinto do lucro da "exploração primária", ou lucro de "empresa", o qual, como foi mencionado no parágrafo anterior, está baseado na extracção de valor excedente no processo de produção.

Tanto o lucro de "empresa" como o lucro da "alienação" são efectuados dentro da esfera da produção; ambos vêm do produto nacional líquido, ou valor acrescentado (S + V na equação acima). Contudo, há também um outro tipo de lucro cuja conexão a valores reais é indirecta ou oculta e cujo âmbito de expansão é, consequentemente, muito mais vasto. É o lucro do capital fictício, que é lucro feito sobre papel ou teclados de computador no sector financeiro através da comercialização ou especulação com activos financeiros. Este tipo de lucro, e a sua acumulação em mais capital fictício/parasitário, é a fonte principal de bolhas e estouros financeiros.

Desta distinção entre vários tipos de lucros/rendimentos segue-se que a exploração no processo de produção (medida pelo rácio do valor excedente e valor necessário, ou aproximadamente rácio lucro-salário, ao qual Marx chama taxa de exploração) e a exploração na "expropriação", ou "alienação", andam de mãos dados: quando a primeira se intensifica, assim o faz a segunda. Por exemplo: a ascensão do rácio lucro-salário nos EUA ao longo das últimas várias décadas e a maior proporção de rendimento/salário do povo trabalhador sendo expropriado (na forma de serviço da dívida) por prestamistas.

Assim, a distinção entre diferentes tipos de lucros/rendimentos não é simplesmente um exercício académico, ou "um radical mas impraticável conceito marxiano", como a maior parte dos confusos economistas contemporâneos opinaria. Ainda mais importante, esta distinção descobre a estreita relevância com categorias económicas reais, desenvolvimentos e tendências. Não só mostra, por exemplo, as fontes de vários tipos de rendimentos/lucros, isto é, como os recursos nacionais são apropriados ou distribuídos, como também os fundamentos materiais e os limites reais para o crescimento económico, bem como as fontes e limites para bolhas financeiras.

Este delineamento transparente dos vários tipos e fontes de lucros e/ou rendimentos posiciona-se em absoluto contraste com a teoria económica convencional de hoje (ou teoria económica neoclássica) da distribuição do rendimento, a qual tende mais a confundir e mistificar do que a clarificar. De acordo com esta teoria, a qual é chamada "distribuição funcional do rendimento", cada um dos quatro "factores" de produção (trabalho, capital, administração e proprietários da terra) recebe uma fatia do produto ou rendimento que é por natureza "razoável e equitativa". A lógica para esta "espontânea, garantida e razoável distribuição de rendimento" é que, sustenta a teoria, a fatia de cada factor de produção, quer seja salário ou lucro ou juro ou renda, é automaticamente determinada pelo mecanismo de mercado de um modo que acaba por ser exactamente igual à contribuição daquele factor (na margem) para a produção do rendimento! (Todo este desempenho mágico da feitura da distribuição sob o capitalismo "razoável e equitativo" é cumprido com a ajuda de muitas suposições irrealistas e ginásticas matemáticas impressionantes, especialmente o cálculo diferencial/derivadas.)

Como observado anteriormente, a maior parte dos economistas contemporâneos, incluindo muitos à esquerda, argumentam que como Marx viveu e escreveu numa era anterior à ascensão da grande finança ele não podia ter previsto as influências desestabilizadores de bolhas financeiras numa economia de mercado relativamente avançada.

Uma leitura cuidadosa do seu trabalho sobre "capital dinheiro e capital real" revela, contudo, que ele na verdade o fez, discute cenários de transbordamentos (outflows) sistemáticos de capital financeiro (ao qual alternativamente chamou "moeda entesourada", "capital excedente" ou "capital monetário") da esfera da produção para o âmago da especulação em busca de retornos mais altos; abrindo com isso o caminho para a ascensão de bolhas e estouros financeiros. Marx não anteviu apenas cenários de capital financeiro a evitar ou abandonar a esfera da produção em busca de retornos mais altos na esfera da especulação, a sua análise das dinâmicas de tais cenários ou desenvolvimentos, os quais podiam levar a bolhas e estouros financeiros, é na verdade muito mais profunda e mais rica do que aquelas de economistas contemporâneos [8] .

Segundo estes economistas, tanto neoliberais como keynesianos, qualquer discrepância ou desequilíbrio entre capital financeiro, ao qual eles chamam poupanças agregadas nacionais (S), e capital real, ao qual eles chamam investimento agregado nacional (I), seria temporária e, portanto, não problemática porque, argumentam eles, o desequilíbrio entre S e I seria logo rectificado ou automaticamente pelas forças da oferta e procura (neoliberais) ou pela intervenção do governo (keynesianos).

Na visão neoliberal, o equilíbrio entre S e I é garantido pelo mecanismo de mercado: um excesso de S sobre I seria apenas de curta duração pois este excesso de oferta (temporário) de fundos emprestáveis levaria em breve a taxas de juro mais baixas, as quais então encorajariam negócios/manufacturas a tomarem emprestado e investirem mais. Este processo de tomar emprestado e investir o S embaratecido continuaria até que o excesso de S fosse usado e a igualdade entre S e I fosse restaurada.

Na visão keynesiana, contudo, uma tal restauração espontânea ou automática do equilíbrio entre S e I não está garantida, o que significa que uma situação de S>I, ou gastos insuficientes em investimento, pode persistir por um longo tempo. Sob condições de incerteza relativa e procura fraca, mesmo taxas de juro baixas não induziriam industriais a tomarem emprestado e investirem, ou expandirem. Sob tais condições, o governo pode intervir, tomar emprestado as poupanças "ociosas" e gastá-las ("no interesse dos seus ricos proprietários", como disse Keynes), fechando com isso o fosso poupanças-investimento (ou rendimento-despesa).

Na visão marxiana, em contraste, a discrepância do fosso entre "capital excedente" especulativo e investimento produtivo pode persistir, ou mesmo ampliar-se, com consequências calamitosas em termos de bolhas financeiras e instabilidade de mercado. Indicando como na era dos grandes bancos o capital financeiro pode crescer independentemente do capital industrial, Marx escreve: "A subsequente trapaça do crédito prova que nenhum obstáculo real se mantém no caminho do emprego deste capital excedente", um cenário que poderia precipitar inflação de preços de activos, ou bolhas financeiras [9] .

Depois portanto de destacar que os limites ou fronteiras do capital financeiro especulativo são muito mais vastos do que aqueles do capital industrial, ele então previne que isto não significa que o capital especulativo possa expandir-se indefinidamente: "Entretanto, um obstáculo é na verdade imanente nas suas leis de expansão, isto é, nos limites no qual o capital pode realizar-se como capital" [10] . Por outras palavras, uma bolha gigante de valores fictícios sobre uma base estreita de valores reais pode expandir-se só numa certa medida; ela é obrigada a estourar para além daquela medida.

Em suma, a discussão de Marx do sistémico e sistemático transbordar (outflow) do capital financeiro da esfera da produção para a esfera da especulação em busca de retornos mais altos mostra que, ao contrario de percepções generalizadas entre economistas contemporâneos, Marx na verdade anteviu cenários da emergência de inflações e deflações financeiras, ou bolhas e estouros. A discussão além disso significa a superioridade da sua análise do relacionamento entre capital industrial e capital financeiro (parasitário) sobre aquelas de economistas neoclássicos, segundo os quais qualquer transbordamento de capital financeiro da esfera da produção seria temporário e não problemático, pois em breve seria revertido outra vez para o sector real da economia (ou pela mão invisível do mercado de mercado a la neoliberalismo, ou pela mão visível do Estado, a la keynesianismo) a fim de ser investido produtivamente. Nisto reside a tragédia dos economistas convencionais/neoclássicos: no seu medo paranóico de Marx, eles no essencial censuraram suas visões económicas, privando-se por isso da análise mais rica do capitalismo. Ao assim fazer, eles também tiveram êxito em reduzir a teoria económica como disciplina académica ao que o Professor Michael Hudson chamou apropriadamente de "teoria económica lixo", apesar da etiqueta oficial da disciplina como "ciência".

02/Julho/2016 Referências
[1] Este ensaio é em grande parte extraído do Capítulo 5 do meu livro, Beyond Mainstream Explanations of the Financial Crisis: Parasitic Finance Capital (Routledge 2015).
[2] Karl Marx, Capital, vol. 3, New York, International Publishers 1967, chapters 25-33.
[3] Ver, por exemplo, David Kotz, "The Financial and Economic Crisis of 2008: A Systemic Crisis of Neoliberal Capitalism," Review of Radical Political Economics , vol. 41, no. 3 (2009), pp. 305-317.
[4] Karl Marx, ibid. p. 468.
[5] Ibid. p. 494.
[6] Ibid. p. 481.
[7] Esta passagem baseia-se na discussão de Marx da "Especulação e capital fictício", como mencionada na Wikipedia.
[8] Karl Marx, ibid. pp. 476-519.
[9] Ibid. p. 507.
[10] Ibid.

Do mesmo autor em resistir.info:

O capital financeiro parasitário

O círculo vicioso de dívida e depressão

Crise económica: Inflação e deflação em simultâneo

A oligarquia financeira comparada à aristocracia feudal

Acerca do capital fictício ver também:

Capital fictício , L. N. Krasavina

O inverno vem aí , Jacques Sapir

O capital fictício, como a finança se apropria do nosso futuro , Daniel Vaz de Carvalho

Crise financeira ou... de superprodução? , Paulo Nakatani, Rémy Herrera

Tendências, disparadores e tulipas , Michael Roberts

No que se tornaram os economistas e a economia americana , Paul Craig Roberts Crises, os desenlaces possíves , Jorge Figueiredo

[*] Professor emérito de Teoria Económica (Drake University). É autor de Beyond Mainstream Explanations of the Financial Crisis (Routledge 2014), The Political Economy of U.S. Militarism (Palgrave–Macmillan 2007) e Soviet Non-capitalist Development: The Case of Nasser's Egypt (Praeger Publishers 1989). Também constribuiu para Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion . Seu sítio web é ismaelhossein-zadeh.com

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/.... Tradução de JF.





Este artigo encontra-se em http://resistir.info/



http://resistir.info/financas/zadeh_cap_ficticio_02jul16.html


sexta-feira, 1 de julho de 2016

A captura do poder pelo sistema corporativo 01/07/2016


 
A expansão dos lobbies e o controle dos sistemas de informação representam alguns dos instrumentos da captura do poder político pelas grandes corporações.




Ladislau Dowbor




“A política mudou de lugar: a globalização desafia radicalmente
os quadros de referência da política, como prática e teoria”

Octávio Ianni

“Capture is more subtle and no longer requires a transfer of funds, since the politician, academic or regulator has started to believe that the world works in the way that bankers say it does”


Joris Luyendijk



A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade e a manipulação do ensino acadêmico representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva em última instância a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos. As dinâmicas de poder político, econômico e cultural estão sendo reorientadas, gerando uma nova configuração que se trata de estudar. É o pano de fundo de uma sociedade em busca de novos caminhos de gestão.

Olhar o século 21 pelas lentes do século passado não ajuda. Quando pensamos o mundo da economia, pensamos ainda em interesses econômicos e mecanismos de mercado. A política, o poder formal, os impostos, o setor público em geral representariam outra dimensão. Não é nova a ruptura destas fronteiras, a penetração dos interesses de grupos econômicos privados na esfera pública. O que é novo, é a escala, a profundidade e o grau de organização do processo. O que já foram deformações fragmentadas, penetrações pontuais através de lobbies, de corrupção e de “portas-giratórias” entre o setor privado e o setor público se avolumaram, e por osmose estão se transformando em poder político articulado em que o interesse público é que aflora apenas por momentos e segundo esforços prodigiosos de manifestações populares, de frágeis artigos na mídia alternativa, de um ou outro político independente. O poder corporativo se tornou sistêmico, capturando uma a uma as diversas dimensões de expressão e exercício de poder, e gerando uma nova dinâmica, ou uma nova arquitetura do poder realmente existente.
Uma forma é a própria expansão dos tradicionais lobbies. A Google, por exemplo, tem hoje 8 empresas de lobby contratadas apenas na Europa, além de financiamento direto de parlamentares e de membros da Comissão. É provável que tenha de pagar 6 bilhões de euros por ilegalidades cometidas na Europa. Os gastos da Google nesta área já se aproximam dos da Microsoft. Google mobilizou congressistas americanos para pressionarem a Comissão: “O esforço coordenado por senadores e membros do Congresso, bem como de um comité de congressistas, fez parte de um esforço sofisticado, com muitos milhões de libras em Bruxelas, com que a Google montou a ofensiva para travar as resistências à sua dominação na Europa.”
Enquanto os lobbies ainda podem ser apresentados como formas externas de pressão, muito mais importante é o financiamento direto de campanhas políticas, através de partidos ou investindo diretamente nos candidatos. No Brasil a lei promulgada em 1997 autorizou as empresas a financiar candidatos, com impactos desastrosos em particular no comportamento de parlamentares, que passaram a formar bancadas corporativas. Em 2010 os Estados Unidos seguiram o mesmo caminho, levando a que hoje os americanos comentem que “temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”. No Brasil finalmente o STF decretou a ilegalidade da prática, a valer a partir das próximas eleições. Mas em 2015 ainda temos uma bancada ruralista, além da grande mídia, das empreiteiras, dos bancos, das montadoras, e contam-se nos dedos os representantes do cidadão. O truncamento do Código Florestal e consequente retomada da destruição da Amazônia, o bloqueio da taxação de transações financeiras e tantas outras medidas, ou ausência de medidas como é o caso da imposição sobre fortunas ou capital improdutivo, resultam desta nova relação de forças que um Congresso literalmente comprado permite.
A captura da área jurídica adquiriu imensa importância, e se dá por várias formas. Foi notória a tentativa dos grandes bancos brasileiros, por meio de financiamentos de diversos tipos, de colocar as atividades financeiras fora do alcance do PROCON e de outras instâncias de defesa do consumidor. Nos Estados Unidos, um juiz de uma comarca americana decide colocar a Argentina na ilegalidade no quadro dos chamados “fundos abutres”, pondo-se claramente a serviço da legalização da especulação financeira internacional, e acima da legislação de outro país.

Uma forma particularmente perniciosa de captura do judiciário se deu através dos acordos ditos “settlements”, acordos pelos quais as corporações pagam uma multa mas não precisam reconhecer a culpa, evitando assim que os administradores sejam criminalmente responsabilizados. Assim os administradores corporativos e financiadores ficam tranquilos em termos de eventuais condenações. Joseph Stiglitz comenta: “Temos notado repetidas vezes que nenhum dos responsáveis encarregados dos grandes bancos que levaram o mundo à borda da ruina foi considerado responsável (accountable) dos seus malfeitos. Como pode ser que ninguém seja responsável? Especialmente quando houve malfeitos da magnitude dos que ocorreram nos anos recentes?” Elizabeth Warren, senadora americana, traz no seu curto estudo uma excelente descrição dos mecanismos, com nomes das empresas.

A GSK, por exemplo, um gigante da área farmacêutica, fez um acordo com a justiça americana para compensar fraude generalizada com três tipos de medicamentos pagando 3 bilhões de dólares. A notícia da condenação por fraude que atingiu milhões de pacientes não causou prejuízo significativo à empresa, cujas ações subiram ao se constatar que tinha lucrado com a fraude mais do que o valor da multa. Os aplicadores financeiros consideraram que o seu dinheiro fora bem defendido. Esta desresponsabilização é hoje generalizada, abrindo uma porta paralela de financiamento de governos graças às ilegalidades. Para dar alguns exemplos, o Deutsche Bank está pagando uma multa de 2,6 bilhões de dólares em 2015, o Crédit Suisse está pagando 2,5 bilhões por condenação em 2014 e assim por diante, envolvendo todos os gigantes corporativos. Um exercício de sistematização da criminalidade financeira pode ser encontrado no site Corporate Research Project, que apresenta as condenações e acordos agrupados por empresa. George Monbiot chama isto de “um sistema privatizado de justiça para as corporações globais” e considera que “a democracia é impossível nestas circunstâncias”. (252)

Hoje as corporações dispõem do seu próprio aparato jurídico, como o International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, irão atacar um país por lhes impor regras ambientais ou sociais que julgam desfavoráveis, e processá-lo por lucros que poderiam ter tido. A disputa jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) na esfera do Atlântico e TPP (Trans-Pacific Partnership) na esfera do Pacífico, ao amarrar um conjunto de países com regras internacionais em que os Estados nacionais perderão a capacidade de regular questões ambientais, sociais e econômicas, e muito particularmente, as próprias corporações. Pelo contrário, serão as próprias corporações a impor-lhes, e a nós todos, as suas leis. Nas palavras de Luís Parada, um advogado de governos em litígio com grupos mundiais privados, “a questão finalmente é de saber se um investidor estrangeiro pode forçar um governo a mudar as suas leis para agradar ao investidor, em vez de o investidor se adequar às leis que existem no país.”

Outro eixo poderoso de captura do espaço político se dá através do controle organizado da informação, construindo uma fábrica de consensos onde Noam Chomsky nos deu análises preciosas. O alcance planetário dos meios de comunicação de massa, e a expansão de gigantes corporativos de produção de consensos permitiram que se atrasasse em décadas a compreensão popular do vínculo entre o fumo e o câncer, que se travasse nos Estados Unidos a expansão do sistema público de saúde, que se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petróleo como uma luta para libertar a população iraquiana da ditadura e para proteger o mundo de armas de destruição em massa. A escala das mistificações é impressionante.

Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular nos EUA, foi organizada para vender ao mundo não a ausência da mudança climática – os dados são demasiado fortes – mas a suposição de que “há controvérsias”, adiando ou travando a inevitável mudança da matriz energética. James Hoggan realizou uma pesquisa interessante sobre como funciona esta indústria. A articulação é poderosa, envolvendo os think tanks, instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. A ExxonMobil e a Koch Industries são poderosos financiadores, esta última aliás grande articuladora do Tea Party e da candidatura Trump. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros e de armas, muitos republicanos e a direita religiosa.

Campanhas deste gênero são veiculadas por gigantes da mídia. No Brasil, 97% dos domicílios têm televisão, que ocupa 3 a 4 horas do nosso dia, e que está presente nas salas de espera, nos meios de transporte, incessante bombardeio que parte de alguns poucos grupos. No nível mundial, Rupert Murdoch assume tranquilamente ser o responsável pela ascensão e suporte a Margareth Thatcher, financiou um sistema de escutas telefônicas em grande escala na Grã-Bretanha, sustenta um clima de ódio de direita através da Fox, sem receber mais que um tapinha na mão quando se revelam as ilegalidades que pratica. No Brasil, com o controle da nossa visão de mundo por quatro grupos privados – os Marinho, Civita, Frias e Mesquita – o próprio conceito de imprensa livre se torna surrealista, e os impactos na Argentina, no Chile, na Venezuela e outros países são impressionantes em termos de promoção das visões mais retrógradas e de geração de clima de ódio social.

A vinculação da dimensão midiática do poder com o sistema corporativo mundial é em grande parte indireta, mas muito importante. As campanhas de publicidade veiculadas empurram incessantemente comportamentos e atitudes, centradas no consumismo obsessivo dos produtos das grandes corporações. Isto amarra a mídia de duas formas: primeiro, porque pode dar más notícias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas, mesmo quando entopem os alimentos de agrotóxicos, deturpam a função dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com a destruição da floresta amazônica. Segundo, como a publicidade é remunerada em função de pontos de audiência, a apresentação de um mundo cor de rosa de um lado, e de crimes e perseguições policiais de outro, tudo para atrair a atenção pontual e fragmentada, torna-se essencial, criando uma população desinformada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, o que remunera com nosso dinheiro as corporações que financiam estes programas. O círculo se fecha, e o resultado é uma sociedade desinformada e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informação, o consumismo e o interesse das corporações passam a formar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em termos de funcionamento democrático da sociedade. (217)

Além dos think tanks e do controle da mídia, o controle das próprias visões acadêmicas avançou radicalmente nas últimas décadas, por meio dos financiamentos corporativos diretos, e em particular pelo controle das publicações científicas. Em muitos países, e particularmente no Brasil, as universidades privadas passaram a ser propriedade de grupos transnacionais que trazem a visão corporativa no seu bojo. A dinâmica é particularmente sensível nos estudos de economia. Helena Ribeiro traz um exemplo desta deformação profunda do ensino na universidade Notre Dame de Nova Iorque, onde “dado que corria o ano de 2009 e o mundo financeiro estava a colapsar aos olhos de todos, os alunos pensaram que este seria um excelente tema para ser debatido na aula de macroeconomia. A resposta do professor: “Os estudantes foram laconicamente informados que o tema não constava do conteúdo programático da disciplina, nem era mencionado na bibliografia afixada e que, por isso, o professor não pretendia divergir da lição que estava planeada. E foi o que fez”. O artigo de Ribeiro mostra as dimensões desta deformação, mas também os protestos dos alunos e a multiplicação de centros alternativos de pesquisa econômica, como o New Economics Foundation, a Young Economists Network, o Institute of New Economics Thinking e numerosas outras instituições.

Menos percebido mas igualmente importante é a oligopolização do controle das publicações científicas no mundo. Segundo estudo canadense, “nas disciplinas das ciências sociais, que incluem especialidades tais como sociologia, economia, antropologia, ciências políticas e estudos urbanos, o processo é impressionante: enquanto os 5 maiores editores eram responsáveis por 15% dos artigos em 1995, este valor atingiu 66% em 2013”. Temos aqui o domínio impressionante de Reed-Elsevier (hoje boicotado por mais de 15 mil cientistas americanos), Springer, Wiley-Blackwell, e poucos mais. (Larivière, 2015)

A este conjunto de mecanismos de captura do poder temos de acrescentar a erosão radical da privacidade nas últimas décadas. Hoje o sangue da nossa vida trafega em meios magnéticos, deixando rastros de tudo que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento. As empresas têm acesso à gravidez de uma funcionária, através da compra de informações dos laboratórios. A defesa dos grandes grupos de informação sobre as pessoas é de que se trata de informações “anonimizadas”, mas a realidade é que os cruzamentos dos rastros eletrônicos permitem individualizar perfeitamente as pessoas, influindo em potencial perseguição política ou dificuldades no emprego. Mas o acesso às informações confidenciais das empresas também fragiliza radicalmente grupos econômicos menores frente aos gigantes que podem ter acesso às comunicações internas. Não se trata apenas de alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas entre Dilma e Merkel. Trata-se de todos nós, e com o apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de informações do porte da NSA. O Big Brother is Watching You deixou de ser apenas literatura.

A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade, a manipulação do ensino acadêmico e a invasão da privacidade representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva em última instância a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos.

Vejamos agora um pouco o que são estas grandes corporações. É surpreendente, mas até 2012 não tínhamos nenhum estudo global de como funciona a rede mundial de controle corporativo. O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, um tipo de MIT da Europa, selecionou 43 mil grupos mundiais mais importantes e estudou em profundidade como se dá, através de participações cruzadas e de fusões interempresariais, o controle do conjunto. Chegou a uma cifra impressionante que mudou a visão que temos do sistema econômico mundial: 737 grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo que nestes um núcleo de 147 controla 40%. Estes últimos gigantes são essencialmente (75%) grupos financeiros. Ou seja, não precisam controlar diretamente o processo decisório, seguram o sistema, digamos assim, pelas partes delicadas, que é o acesso aos recursos. Um grupo tão limitado não precisa fazer conspirações misteriosas, são pessoas que se conhecem no campo de golfe ou no Open de Tênis da Austrália, se ajeitam confortavelmente entre si. Os autores da pesquisa concluem claramente que falar em mecanismos de mercado neste clube restrito não faz muito sentido.

François Morin, assessor do banco central da França, concentra a sua análise na forma como os 28 maiores gigantes financeiros se articulam. Na análise estão todos: JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman Sachs e outros, com um balanço de mais de 50 trilhões de dólares em 2012, quando o PIB mundial foi de 73 trilhões. A relação com os Estados é particularmente interessante, pois a dívida pública mundial, de 49 trilhões, está no mesmo nível que o faturamento dos 28 grupos financeiros que Morin analisa, também da ordem de 50 trilhões. Os Estados, fruto do endividamento público com gigantes privados, viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular este sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade. “Face aos Estados fragilizados pelo endividamento, o poder dos grandes atores bancários privados parece escandaloso, em particular se pensarmos que estes últimos estão, no essencial, na origem da crise financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento atual dos Estados”. (Morin, 36)

O poder político apropriado pelo mecanismo da dívida constitui uma parte muito importante do mecanismo geral. Os grandes grupos financeiros têm suficiente poder para impor a nomeação dos responsáveis em postos chave como os bancos centrais ou os ministérios da fazenda, ou ainda nas comissões parlamentares correspondentes, com pessoas da sua própria esfera, transformando pressão externa em poder estrutural internalizado. A política sugerida aos governos é de que é menos impopular endividar o governo do que cobrar impostos. “Estas instituições financeiras são as donas da dívida do governo, o que lhes confere poder ainda maior de alavancagem sobre as políticas e prioridades dos governos. Exercendo este poder, elas tipicamente demandam a mesma coisa: medidas de austeridade e ‘reformas estruturais’ destinadas a favorecer uma economia de mercado neoliberal que em última instância beneficia estes mesmos bancos e corporações”. É a armadilha da dívida. (Marshall)

Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essencialmente especulação com variações de mercados futuros: o volume atingido em 2015 é de mais de 600 trilhões de dólares, 8 vezes o PIB mundial. Se pensarmos que tantos países aceitaram de reduzir os investimentos públicos e as políticas sociais, inclusive o Brasil, para satisfazer este pequeno mundo financeiro, não há como não ver a dimensão política que sistema assumiu. Os grandes traders de commodities controlam nada menos que o comércio dos grãos (milho, trigo, arroz, soja), os minerais metálicos, os minerais não metálicos e os recursos energéticos, ou seja, o sangue da economia mundial. As gigantescas variações dos preços do petróleo, por exemplo, não resultam de variações da produção ou do consumo, muito estáveis na escala planetária, mas dos processos especulativos dos gigantes financeiros.

O sistema é hoje articulado. Um aporte particularmente forte de François Morin é a análise de como este grupo de bancos foram se dotando, a partir de 1995, de instrumentos de articulação, a GFMA (Global Financial Markets Association), o IIF (Institute of International Finance), a ISDA (International Swaps and Derivatives Association), a AFME (Association for Financial Markets in Europe) e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas instituições. O IIF, por exemplo, “verdadeira cabeça pensante da finança globalizada e dos maiores bancos internacionais”, constitui hoje um poder político assumido: “O presidente do IIF tem um status oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos grandes bancos. Poderíamos dizer que o IIF é o parlamento dos bancos, seu presidente tem quase o papel de chefe de estado. Ele faz parte dos grandes tomadores de decisão mundiais”. (Morin, 61)

Um instrumento particularmente importante deste poder reside no uso dos paraísos fiscais, que a partir da crise de 2008 foram suficientemente estudados para que tenhamos hoje os contornos do seu funcionamento. Basicamente, para um PIB mundial da ordem de 73 trilhões de dólares em 2012, o estoque de recursos financeiros em paraísos fiscais se situou entre 21 e 32 trilhões de dólares segundo a Tax Justice Network, cifra que o Economist arredonda para 20 trilhões. Para se ter uma ideia dos valores, a grande decisão da cúpula mundial sobre o clima, em Paris em 2015, foi de alocar até 2020 100 bilhões de dólares anuais para salvar o planeta do aquecimento global: duzentas vezes menos do que está aplicado em paraísos fiscais, capital improdutivo e em grande parte ilegal. Os arquivos do Panamá abrem apenas uma janela do processo, mas mostram como dezenas de milhares de corporações fictícias geraram o caos financeiro atual. O caos no sistema financeiro do Brasil é apenas um fragmento deste processo mundial.

Estes recursos são hoje vitalmente necessários para financiar a reconversão tecnológica que nos permita de parar de destruir o planeta e para assegurar a inclusão produtiva de bilhões de marginalizados, reduzindo desigualdade que atingiu níveis explosivos. Com o grau presente de captura do processo decisório sobre a alocação de recursos, privou-se os Estados de qualquer controle: praticamente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas “laranja” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer com nomes de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o seguimento do fluxo financeiro se interrompe, permitindo toda classe de ilegalidades, e em particular a evasão fiscal e inúmeras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas.

Com o poder hoje muito mais na mão dos gigantes financeiros do que das empresas produtoras de bens e serviços, estas últimas passaram a se submeter a exigências de rentabilidade financeira que impossibilitam iniciativas, no nível dos técnicos que conhecem os processos produtivos da economia real, de preservar um mínimo de decência profissional e de ética corporativa. Temos assim um caos em termos de discrepância com os interesses de desenvolvimento econômico e social, mas um caos muito direcionado e lógico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recursos financeiros para o topo da hierarquia. A sua competição caótica pode levar a crises sistêmicas, mas quando se trata de travar iniciativas de controle ou regulação estas corporações reagem de forma unida e organizada.

De que dimensões estamos falando? As corporações financeiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado médio (consolidated assets) da ordem de $1.82 trilhões para os bancos e $0,61 trilhões para as seguradoras analisadas. Para efeitos de comparação lembremos que o PIB do Brasil, 7ª potência mundial, é da ordem de $1,4 trilhões. Mais explícito ainda é lembrar que de acordo com os dados de Jens Martens, o sistema das Nações Unidas dispõe de 40 bilhões dólares anuais para o conjunto das suas atividades, o que por sua vez representa apenas 2,3% das despesas militares mundiais.

Frente ao poder global das corporações, não temos instrumentos públicos correspondentes. Pelo contrário: está sendo documentada a captura do processo decisório da ONU pelos grupos mesmos corporativos. Estudo do Global Policy Forum foca diretamente o fato dos interesses corporativos terem adquirido uma influência desproporcional sobre as instituições que redigem as regras globais. O documento apresenta “a crescente influência do setor empresarial sobre o discurso político e a agenda”, questionando “se as iniciativas de parcerias permitem que o setor corporativo e os seus grupos de interesse exerçam uma influência crescente sobre a definição da agenda e o processo decisório político dos governos”. Segundo Leonardo Bissio, “este livro mostra como Big Tobacco, Big Soda, Big Pharma e Big Alcohol terminam prevalecendo, e como a filantropia e as parcerias público-privadas deformam a agenda internacional sem supervisão dos governos, mas também descreve claramente as formas práticas para preveni-lo e para recuperar um multilateralismo baseado em cidadãos”. (Martens, 1 e 9)

Em termos de mecanismos econômicos, é central na fase atual a apropriação da mais-valia já não tanto nas unidades empresariais que pagam mal os seus trabalhadores, mas crescentemente através de sistemas financeiros que se apropriam do direito sobre o produto social através do endividamento público e privado. Esta forma de mais-valia financeira tornou-se extremamente poderosa. Frente aos novos mecanismos globais de exploração, que atuam em escala planetária, e recorrem inclusive em grande escala aos refúgios nos paraísos fiscais, os governos nacionais tornaram-se em grande parte impotentes. Temos uma finança global descontrolada frente a um poder político fragmentado em 195 nações, isto que o poder dentro das próprias nações, nas suas diversas dimensões, está sendo em grande parte capturado. Tornámo-nos sistemicamente disfuncionais.

Wolfgang Streeck traz uma interessante sistematização desta captura do poder público no nível dos próprios governos. Por meio do endividamento do Estado e dos o outros mecanismos vistos acima, gera-se um processo em que o governo, cada vez mais, tem de prestar contas ao ‘mercado”, virando as costas para a cidadania. Com isto, passa a dominar, para a sobrevivência de um governo, não quanto está respondendo aos interesses da população que o elegeu, e sim se o mercado, ou seja, essencialmente os interesses financeiros, se sentem suficientemente satisfeitos para declará-lo ‘confiável’. De certa forma, em vez de república, ou seja, res publica, passamos a ter uma res mercatori, coisa do mercado. Um quadro resumo ajuda a entender o deslocamento radical da política: (81)

Estado do cidadão Estado do mercado

nacional internacional
cidadãos investidores
direitos civis direitos contratuais
eleitores credores
eleições (periódicas) leilões (contínuos)
opinião pública taxas de juros
lealdade ‘confiança’
serviços públicos serviço da dívida

Naturalmente, um se financia através dos impostos, o outro se financia através do crédito. Um governo passa assim a depender “de dois ambientes que colocam demandas contraditórias sobre o seu comportamento”(80) Entre a opinião pública sobre a qualidade do governo, e a ‘avaliação de risco’ deste mesmo governo deixar de pagar elevados juros sobre a sua dívida, a opção de sobrevivência política cai cada vez mais para o lado do que qualificamos misteriosamente de ‘os mercados’. Onde havia estado de bem-estar e políticas sociais teremos austeridade e lucros financeiros. Não é secundária, evidentemente, a transformação deste poder corporativo em sistemas tributários que oneram proporcionalmente mais os que menos ganham. A força vira lei, o estado vira instrumento de privatização dos próprios impostos. Segundo Streeck, não é o fim do capitalismo, mas sim do capitalismo democrático.

A pesquisa e compreensão das novas articulações de poder são indispensáveis para se entender os mecanismos e a escala radicalmente novos de acumulação de riqueza nas mãos dos 0,01% da população mundial, e a espantosa cifra de 62 bilionários que são donos de mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial. Igualmente significativo é o fato da economia brasileira estar em recessão quando os bancos Bradesco e Itaú, por exemplo viram seus lucros declarados aumentarem entre 25% e 30% em 12 meses. De certa forma, ao analisarmos os mecanismos de captura do poder, estamos desvendando os canais que permitem o dramático reforço da desigualdade entre e dentro das nações, além do travamento do crescimento econômico pelo desvio dos recursos do investimento para aplicações financeiras.

Restabelecer a regulação e o controle sobre estes gigantes financeiros que passaram a reger a economia mundial e as decisões internas das nações é hoje simplesmente pouco viável, tanto pela dimensão, como pela estrutura organizacional sofisticada de que hoje dispõem, além evidentemente dos sistemas de controle sobre a política, o judiciário, a mídia e a academia– e portanto a opinião pública – conforme vimos acima. A dimensão internacional aqui é crucial, pois a quase totalidade destes grupos é constituída por corporações de base norte-americana ou da União Europeia. É a poderosa materialização de um poder que é global mas no essencial pertencente ao que nos temos acostumado a chamar de “Ocidente”. As tentativas de constituir um contrapeso por meio da articulação dos BRICS mostram aqui toda a sua fragilidade. O poder financeiro global tem nacionalidades, com governos devidamente apropriados pelos mesmos grupos.

Se há uma coisa que não falta no mundo, são recursos. O imenso avanço da produtividade planetária resulta essencialmente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os produtores destas transformações, desde a pesquisa fundamental nas universidades públicas e as políticas públicas de saúde, educação e infraestruturas, até os avanços técnicos nas empresas efetivamente produtoras de bens e serviços, que levam vantagem: pelo contrário, ambas as esferas, pública e empresarial, encontram-se endividadas nas mãos de gigantes do sistema financeiro, que rendem fortunas a quem nunca produziu, e que conseguem, ao juntar nas mãos os fios que controlam tanto o setor público como o setor produtivo privado, nos desviar radicalmente do desenvolvimento sustentável hoje vital para o mundo.

Quanto à população de um país como o Brasil, que busca resgatar um pouco de soberania na sua posição periférica, o que parece restar é um sentimento de impotência. Perplexas e endividadas, as famílias vêm aparecer o seu ‘nome sujo’ na Serasa-Experian – aliás uma multinacional – caso não respeitem as regras do jogo. Na confusão das regras financeiras, contribuem para a concentração de riqueza e de poder através dos altos juros que pagam nos crediários e nos bancos, através dos juros surrealistas da dívida pública, e através das políticas ditas de ‘austeridade’ que as privam dos seus direitos. Estas regras do jogo profundamente deformadas serão naturalmente apresentadas como fruto de um processo democrático e legítimo, pois está escrito na Constituição que todo o poder emana do povo. A construção de processos democráticos de controle e alocação de recursos constitui hoje um desafio central. Boaventura de Souza Santos fala muito justamente na necessidade de aprofundar a democracia. Mas na realidade, precisamos mesmo é resgatá-la da caricatura que se tornou.

Ladislau Dowbor é professor titular de economia da PUC-SP, consultor de várias agências da ONU, e autor de mais de dezenas de livros sobre o desenvolvimento econômico e social. Os seus textos estão disponíveis online em http:///dowbor.org em regime Creative Commons.



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