Território independente dentro de Londres não precisa prestar contas e mantém ativo lobby na história britânica recente
Existe um pequeno território, delimitado com linhas pontilhadas, que não aparece com precisão nos mapas turísticos de Londres, capital do Reino Unido. A área, conhecida como square mile, ou milha quadrada (2,9 km2), remonta à primeira colonização romana da região, no século 1, às margens do Rio Tâmisa e diante do que é hoje a London Bridge.
Divulgação

[Atual prefeito de City é Roger Gifford]
“Toda vez que fazemos uma sessão, a reação é: ‘Eu não sabia de nada disso.’ Em seguida, o público fica com raiva por nunca ter ouvido falar”, conta o pesquisador e documentarista Lee Salter a Opera Mundi. Seu documentário, Secret City, recém-lançado no Reino Unido, aborda pela primeira vez o que livros de história não contam: a relação entre a City of London Coporation, ou apenas City, como é chamada pelos londrinos, e a formação do império britânico e do mercado financeiro. O trailer pode ser visto aqui.
“O que me inspirou a fazer o filme foi exatamente o fato de existir uma instituição, efetivamente um Estado, que é tão poderoso e tem tanta força sobre nossa vida política e econômica, mas ninguém sabe dela, nem dentro de Londres, no país ou ao redor do mundo”, explica Salter. “Isso também tornou a pesquisa bastante difícil - há pouquíssimo nos livros de história ou nas biografias de Londres que explicam a City of London e sua Corporação.”
A constituição da City é mais antiga que o Parlamento britânico. Suas leis são arcaicas, com artigos que datam do século 11, e seu processo eletivo é antidemocrático. Os 7 mil residentes não participam da formação de seu conselho de aldermans. Apenas bancos globais e empresas instaladas na área, que empregam 1,3 milhão de pessoas, têm direito a voto. Seus funcionários, como mostra o filme, não são informados sobre os votos corporativos.
“Fiquei embasbacado quando vi que as empresas têm voto nas eleições da City, o que me levou a investigar o porquê. Em seguida, emergiram uma série de informações. Bancos e instituições financeiras tomaram a City e, portanto, a City se tornou o lobby global da ganância”, afirma Salter.
Lobby e desigualdade
Nesse pequeno território independente, as decisões são tomadas, desde a formação do império britânico, em prol do capital financeiro. “É um Estado dentro de um Estado, que vê seus interesses globais e seus lucros como globais”, explica Stephen Haseler, da Global Policy Institute, um dos entrevistados do filme. Para isso acontecer, o conselho da City, eleito pelos bancos e empresas, tem privilégios inquestionáveis no sistema político britânico.
Desde 1571 existe o cargo de remembrancer, um personagem subordinado à City que atua como lobista dentro do Parlamento britânico. O remembrancer, apesar de ter acesso ilimitado à elaboração de leis no país, e de oferecer jantares e recepções, não presta contas. Além disso, senta-se sempre atrás de quem estiver discursando para garantir que a City tenha seus interesses assegurados.
Occupy e remoção
Em novembro de 2011, o movimento Occupy Londres foi responsável por chamar a atenção para o poder da City. Instalado na escadaria da Catedral de São Paulo, dentro do território privado da Corporação, os ativistas entraram em uma batalha judicial sem precedentes para evitar a remoção da “Cidade das Barracas”.
O poder dos conselheiros, porém, superior ao dos parlamentares britânicos, conseguiu em poucos meses a expulsão do movimento anticapitalista. A austeridade e a crise europeia, no entanto, têm contribuído para manter ações questionando a força da City e seu papel na história do Reino Unido e do império britânico.
“Esse segredo aberto ainda está fora da narrativa da mídia tradicional, apesar dos eventos recentes - a crise e o Occupy - terem canalizado mais as atenções. Esperamos que o filme seja parte desse processo”, afirma o documentarista.
Secret City
(Reino Unido, 72 minutos)
Diretores: Lee Salter e Michael Chanan
Em DVD, a partir de 15 de abril, na Amazon.
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