Do Estadão
FERNANDO SCHELLER
A saída de Adilson Primo da presidência da Siemens, em outubro de
2011, gerou uma briga que se desenrola na Justiça. O executivo, que
trabalhou durante 34 anos na multinacional alemã e presidiu a
subsidiária brasileira por uma década, entrou com pedido na Justiça do
Trabalho da 2ª Região para reverter a demissão por justa causa que
impediu que ele recebesse rescisão contratual e bônus. O pedido foi
negado em primeira instância.
Na decisão, a juíza substituta Camila de Oliveira Rossetti Jubilut,
da 89.ª Vara do Trabalho de São Paulo, considera que a discussão sobre a
demissão é relativa à quebra de confiança por omissão de informações
sobre a movimentação de uma conta no Banco Itaú Europa de Luxemburgo,
país europeu considerado um paraíso fiscal, pela qual teriam passado 6
milhões entre 2003 e 2006.
Na sentença, a juíza afirma ter "convicção clara" de que "o
reclamante (Primo) sempre teve conhecimento da existência e estrutura da
referida conta", que pertencia à empresa Singel Canal Services. Um
total de 99,99% da Singel era de propriedade da Suparolo Private
Foundation, formada pelo executivo e por outros três sócios. A decisão
diz que a conta era "estranha à reclamada (Siemens)" e "recebeu ativos
da ré de forma irregular e não contabilizada".
Segundo o documento, inquirido três vezes pela Siemens sobre a conta
desde 2007, o executivo sempre negou saber de sua existência. A última
conversa sobre o assunto ocorreu na Alemanha, em 11 de outubro de 2011,
data de sua demissão. Em depoimento em juízo, aponta a sentença, o
ex-presidente da Siemens voltou a afirmar que não se lembrava da
existência da conta de Luxemburgo.
A juíza, porém, conclui que é "difícil acreditar que um executivo do
patamar do autor pudesse simplesmente esquecer que era sócio da empresa
dona da conta-corrente que recebeu diversas operações e valores de forma
irregular ao longo de alguns anos, inclusive porque foi necessária
assinatura nos cartões de abertura de conta".
A sentença também cita que a réplica contradiz a versão inicial de
Primo. O executivo afirma inicialmente não ter assinado qualquer
documento que implicasse movimentação financeira de conta no exterior
cuja existência foi omitida do empregador - uma "respeitável tese
inicial", aponta Camila.
No entanto, a juíza considera que, em sua réplica às argumentações do
antigo empregador, Primo acaba se contradizendo ao reconhecer a
existência de um documento, por ele rubricado, que faz menção à
movimentação de conta no exterior desconhecida dos empregadores. "O
início da queda da credibilidade da tese (...) começa já quando da
apresentação da réplica, quando houve alteração substancial da
argumentação defensiva."
Mantida a justa causa, Primo continuou sem direito a rescisão e
bônus. A única concessão da juíza foi relativa a abonos especiais
normativos, que implicará pagamento de R$ 10 mil. O salário mensal dele,
em 2011, era de R$ 181,9 mil em remuneração fixa e bônus, segundo os
documentos. Ao protocolar a ação de reversão da justa causa, Primo pediu
acesso à Justiça gratuita, alegando não ter como arcar com as custas do
processo sem "prejuízo do seu sustento próprio ou da família".
As regras de conduta da Siemens mudaram após a eclosão, em 2006, de
um escândalo de pagamento de propinas pela empresa em diversos países,
gerando um "pente-fino" nas subsidiárias. Autoridades alemãs e
americanas investigaram a companhia, que pagou multas superiores a US$
1,6 bilhão.
Na Alemanha, o escândalo culminou com a saída do presidente mundial
da Siemens na época, Klaus Kleinfeld. Um mês após deixar a companhia,
ele entrou na Alcoa, tornando-se presidente da empresa americana em maio
de 2008. Em 2009, apesar de negar participação nas irregularidades na
Siemens, fez acordo financeiro para evitar a continuidade das
investigações na Justiça.
Advogados. A advogada de Primo,
Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade, não quis comentar o conteúdo da
ação, alegando que ela corre em segredo de Justiça. O Estado, porém,
obteve cópia do documento no site do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região (ontem à tarde, os arquivos já tinham sido retirados).
Procurada, a Siemens também não se pronunciou.
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