A reputada revista estadunidense "Foreign Policy", especializada em
política externa, publicou
um artigo do jornalista Shane Harris (que cobre segurança nacional,
serviços de inteligência e segurança cibernética), reclamando da posição do
governo brasileiro contra a espionagem estadunidense na internet, denunciadas
pelo ex-analista Edward Snowden. O artigo foi publicado também no jornal
Estadão, traduzido para o português com o título "Tirar
os dados dos EUA pode estimular governos espiões".
Escrito sob medida para os interesses imperialistas, Harris é provocativo e até
debochado ao sugerir que os EUA seriam o protetor do mundo no reino da
internet, e a espionagem pelo governo americano seria, digamos, um mal menor,
afinal, segundo ele, seria melhor só um governo "bonzinho" como o do
EUA bisbilhotando e com suposto controle sobre a espionagem, do que mais
governos que eles sugerem ser "malvados" tendo a possibilidade de
acessar dados de privacidade.
O artigo, apesar do cinismo, revela a influência que o Brasil adquiriu nos
foros mundiais, a importância econômica do Brasil para as empresas
multinacionais de internet, e o quanto as medidas em estudo pelo governo
brasileiro incomoda tanto as grandes corporações privadas como o governo
estadunidense, afinal o autor não conseguiu disfarçar a aparência do artigo ser
resposta encomendada contra a reação brasileira. Esse parágrafo do artigo deixa
escapar as intenções de Harris (ou de quem encomendou a ele):
Recentemente, o Ministro das Comunicações do Brasil disse que talvez as
provedoras de internet sejam obrigadas a armazenar informações no país, depois
que se tomou público que a NSA andou espionando as comunicações no Brasil e em
toda a América Latina. O ideal seria que essas companhias mantivessem esses
dados no País para que estivessem disponíveis no caso de a Justiça do Brasil
necessitar deles", disse Paulo Bernardo Silva, em entrevista. Segundo ele,
o controle dos dados é uma questão de soberania nacional.
Chamar de "espiões" os governos dos países que cobram explicação nos
fóruns internacionais a respeito da bisbilhotagem patrocinada pelas agências de
inteligência dos EUA, e pelo compadrio colaborativo dos Google e Facebooks da
vida, parece até piada, e é. Que moral tem os gringos para quererem vir passar
"sabão" nos outros, depois de tudo o que fizeram?
Após o escândalo vir a público, até o usuário mais desinformado sobre como
funciona a internet e sua governança, ficou sabendo que os "data
centers" daquelas empresas não são, digamos assim, “paraísos fiscais de
dados pessoais”, que devem permanecer imunes a qualquer regulação nacional
justamente para proteger a privacidade de seus usuários. Ficou claro também que
elas precisam abrir mão de usar este argumento como um escudo que as exime de
responder legal e tributariamente aos Países onde se encontram seus escritórios
físicos.
Em troca de entregar os nossos dados para as autoridades dos EUA, as empresas
receberam do maior império da Terra patrocínio, promoção e proteção de seus
interesses econômicos. Em nome da liberdade de expressão e da democracia
ocidental, o dinheiro que damos a estas empresas ajudam a engordar somente o
PIB estadunidense e de alguns poucos países aliados.
Aqui no Brasil, tem gente no próprio campo político da esquerda que engoliu a
versão romântica de uma Internet acima do bem e do mal, onde os interesses
comerciais destes conglomerados são como pôneis bonitinhos que vivem trotando
com os internautas, apenas fazendo o que interessa aos usuários, protegendo-os
dos perigosos governos totalitários. Estes dias alguém da nossa esquerda chegou
a afirmar que a Internet deveria continuar sob o controle dos Estados Unidos
porque é melhor ter apenas um Estado vigiando todo mundo do que vários (deve
ter lido e gostado do artigo de Harris). Vários ficaram em silêncio,
constrangidos por terem sempre defendido a Internet que o Google quer.
A reação do governo brasileiro foi certeira, inclusive de liderança na
conquista de corações e mentes dos governos e povos de outros países, pois teve
a coragem e ousadia de sair na frente, ao dizer ao "Tio Sam" que
tomará medidas internas e externas para proteger os direitos de seus cidadãos e
a economia nacional. Ao mesmo tempo, articula medidas que irão cutucar o
interesse das grandes empresas estadunidenses de internet que atuam no Brasil.
Ao contrário do que disse Shane Harris, se tem alguém que pode ser responsável
pelo eventual fim da Internet como a conhecemos é o governo imperialista que
não respeitou este território neutro e passou a impor monopólio e espionagem
com alcance global.
Pelo tom do artigo (a baixo), e de outros que estão saindo na imprensa mundial, a Águia
estadunidense acusou o golpe. Agora é trabalhar pra forçá-la a voar mais baixo,
respeitando as regras do direito internacional e os tratados de direitos
humanos.
Tirar os dados dos EUA pode estimular governos espiões
(Artigo)
Shane Harris/Foreign Policy
Quando Edward Snowden, que trabalhava para a Agência de Segurança
Nacional (NSA) dos EUA, escancarou o funcionamento da maior organização
de inteligência do país, afirmou que seu objetivo era acabar com um
sistema de espionagem que colocou os EUA no rumo de uma "Verdadeira
tirania". Mas é possível que suas revelações provoquem o resultado
oposto.
As informações difundidas por Snowden poderão, ironicamente,
intensificar a espionagem do governo em todo o globo.
Segundo especialistas que assessoram as companhias americanas de e-mail,
armazenamento de dados em nuvem e mídia social dos EUA, executivos
estão preocupados com o fato de que alguns governos estrangeiros -
particularmente aqueles que dispõem de menos proteção da privacidade
pessoal e da Liberdade de expressão - comecem a exigir que as companhias
de tecnologia americanas transfiram seus servidores e bancos de dados
para dentro de suas fronteiras.
"Apesar das revelações de Snowden, os dados não estarão mais protegidos
fora dos EUA em países onde a privacidade é, no máximo, uma mera
aspiração", diz o advogado Al Gidari, do escritório Perkins Goie, que
defende empresas sobre questões de vigilância e comunicações. "Os dados
armazenados nesses países se tornarão combustível para a corrupção, o
abuso e a repressão na maioria deles, principalmente nos países que mais
se queixam das atividades de espionagem dos EUA."
Recentemente, o Ministro das Comunicações do Brasil disse que talvez as
provedoras de internet sejam obrigadas a armazenar informações no país,
depois que se tomou público que a NSA andou espionando as comunicações
no Brasil e em toda a América Latina. O ideal seria que essas companhias
mantivessem esses dados no País para que estivessem disponíveis no caso
de a Justiça do Brasil necessitar deles", disse Paulo Bernardo Silva,
em entrevista. Segundo ele, o controle dos dados é uma questão de
soberania nacional.
Nos últimos anos, os governos estrangeiros intensificaram sua pressão
sobre empresas da área de tecnologia para que forneçam uma maior
quantidade de dados sobre seus clientes e obedeçam a ordens oficiais
consideradas inconstitucionais nos EUA. Em 2011, a Research in Motion
(RIM), que produz o BlackBerry, concedeu ao governo da índia o acesso
aos seus serviços de mensagem e ao consumidor, atendendo à preocupação
das autoridades de não conseguirem monitorar criminosos que se comunicam
pelas redes da companhia. As autoridades haviam ameaçado cortar o
acesso aos serviços da companhia no país caso a RIM não obedecesse à
lei.
No ano passado, o diretor de operações com empresas do Google no Brasil
foi preso porque a companhia não atendeu a uma ordem do governo de
retirar vídeos do YouTube que criticavam um candidato a prefeito. O
Google, que é proprietário do YouTube, disse que não era responsável
pelo conteúdo que os usuários postam na rede.
Companhias americanas são obrigadas a obedecer às leis de vigilância em
qualquer país.
Os governos estrangeiros, em geral, transmitem suas exigências por meio
de canais oficiais e as autoridades americanas as transmitem às
companhias americanas. O processo provoca lentidão da máquina de
vigilância nesses países, que agora procuram maneiras para acelerar o
processo. O Brasil será um dos primeiros países a testar uma resposta ao
tumulto provocado por Snowden.
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