terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O medo do controle público e social 27/12/2011


No apagar das luzes de 2011, no dia 19 de dezembro e duas horas após o encerramento do expediente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar na ação interposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), impedindo que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigue e puna juízes antes que eles tenham sido investigados pelas corregedorias estaduais de Justiça.
No dia 24 de dezembro pela manhã, véspera do Natal, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, que também é presidente do CNJ, negou pedido da Advocacia Geral da União (AGU) de suspensão da liminar que limita os poderes do CNJ, preferindo solicitar informações ao ministro Marco Aurélio e à própria AGU antes de analisar de forma definitiva o pedido.
Segundo a ação da AGU, o ministro Marco Aurélio teria desrespeitado o regimento interno do STF, uma vez que concedeu a liminar durante o recesso do Judiciário. De acordo com o artigo 13º do regimento, é atribuição exclusiva do presidente do STF “decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias”. Urgência que, conforme a AGU, não teria sido demonstrada no caso em pauta.
Registre-se que a ação da AMB foi liberada para julgamento no dia 5 de setembro de 2011, entrou em pauta 13 vezes ao longo do ano, mas nunca foi julgada. Na ausência de decisão colegiada e diante do pedido de liminar que acompanha a ação, Mello, que é o relator, optou pela decisão monocrática, momentos antes ou já no recesso, para que o caso não ficasse sem decisão ao final do ano.
Quem conhece minimamente o processo de decisão das pautas e das votações em qualquer casa política (e o STJ é, sem dúvida, uma casa política, além de judiciária) sabe, entretanto, que muitas vezes, uma não decisão é já uma decisão. Prorrogar uma votação ou uma decisão até o último momento é uma forma bastante usual de se tomar decisões polêmicas de modo que aparentem terem sido inevitáveis ou impostergáveis.
No caso presente, como a primeira liminar foi concedida na última sessão do ano, como o Judiciário entrou em recesso de final/início de ano e como o presidente Peluso já declarou que prefere que o processo seja julgado de forma definitiva pelo plenário, tudo indica que a questão só será decidida a partir do início de fevereiro de 2012. Se tudo correr celeremente, a ação será julgada no ano vindouro. Se seguir o curso normal, entretanto, ela pode entrar e sair da pauta muitas outras 13 vezes, sem data limite para ir a julgamento.
Desta forma, durante os próximos dois meses, na melhor das hipóteses, ou durante anos, na pior suposição, os magistrados estarão livres das investigações atualmente em curso no CNJ. Dados da AGU dão conta de que a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do CNJ, analisa atualmente 503 processos de Reclamação Disciplinar, sendo que 72% deles passaram por apuração anterior das corregedorias estaduais e 14% são movidos contra desembargadores.
A liminar do ministro Marco Aurélio Mello, esclareça-se, suspendeu também o conjunto de regras criado pelo CNJ para uniformizar o processo de investigação de magistrados nos tribunais. Com isto, enquanto não for julgado o mérito da ação da AMB, todas as investigações estarão suspensas, uma vez que apenas a Lei Orgânica da Magistratura e os regimentos internos dos tribunais poderão estabelecer normas para os processos disciplinares contra juízes.
Tudo legal, ainda que, para os comuns mortais, tudo pareça muito suspeito. Mais suspeito, diga-se, já que tudo isto ocorreu durante uma semana marcada pelo confronto instalado entre as três maiores associações brasileiras de magistrados e a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon.
Na sexta-feira, 23, as três associações classistas de juízes solicitaram ao Ministério Público que avalie se a corregedora cometeu crime ao investigar a evolução patrimonial de juízes e servidores da Justiça e se houve crime de violação de sigilo funcional, pois dados sigilosos da inspeção feita no Tribunal de Justiça de São Paulo vazaram para a imprensa. Dentre os dados vazados estão os de que o ministro Ricardo Lewandowski, e o presidente do STF, Cezar Peluso, teriam recebido, de forma supostamente indevida, valores milionários de passivos trabalhistas.
Alegam as entidades que a corregedoria desobedeceu ao regimento interno do CNJ, pois 1) não seria de sua competência enviar o pedido que providências que levou o Conselho de Defesa das Atividades Financeira (Coaf) investigar as movimentações atípicas de juízes e servidores e 2) não teria comunicado esse trabalho ao plenário da casa. Em sua defesa, a procuradora alegou que realiza apenas inspeções autorizadas por lei, com o intuito de apurar movimentações financeiras incompatíveis com os salários dos juízes. No mesmo dia (19), entretanto, em que o ministro Marco Aurélio Mello concedeu a liminar que limita os poderes do CNJ, o ministro Lewandowski suspendeu a investigação iniciada pela corregedora Calmon.
Nesta queda de braços legal, em que ambos os lados alegam defender a Justiça e agir de acordo com os princípios democráticos, fica claro que ainda nos falta a consciência da necessidade de instâncias de fiscalização e controle públicos e sociais dos poderes do Estado e dos órgãos de governo. Ainda que a bola da vez seja o Judiciário, a verdade é que os integrantes de nenhum dos poderes públicos brasileiros admitem serem fiscalizados.
O campeão da resistência ao controle é, sem dúvida, o Judiciário. Nossos magistrados e, de quebra, a grande maioria dos demais servidores deste poder se entende acima da lei. Autonomia se confunde, entre nós e principalmente no Judiciário, com soberania. As prerrogativas constitucionais dos juízes são entendidas como privilégios intocáveis. As garantias da magistratura, imprescindíveis no Estado democrático de direito, são alargadas de forma desmedida e transformadas em benesses inalienáveis e incontestáveis.
Muito resistiram nossos magistrados e também muitos dos demais servidores da Justiça à instituição do Conselho Nacional de Justiça, criado pela Constituição de 1988. Quando finalmente ele foi instalado, sua composição e suas atribuições foram flexibilizadas de tal modo que suas funções originais foram amputadas. A idéia de um órgão de controle externo, tão óbvia nas democracias modernas, foi abortada sob o argumento de que submeteria a Justiça e cercearia sua independência. É este mesmo argumento o que ressurge agora.
Urge que a sociedade civil brasileira se mobilize para que a Reforma do Judiciário seja incluída no rol das reformas estruturais imprescindíveis à modernização e ao desenvolvimento do país. Mais do que qualquer outro objetivo, o que deve dirigir o conjunto de reformas a serem realizadas é a consciência de que os poderes públicos e seus órgãos precisam ser fiscalizados eficientemente e colocados sob controle social efetivo.

 http://sul21.com.br/jornal/2011/12/o-medo-do-controle-publico-e-social/

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