sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Japão, o povo à frente dos lucros 08/02/2013



Autor(es): Martin Wolf
Valor Econômico - 06/02/2013 
Será que Shinzo Abe, o novo premiê do Japão, resgatará a economia de seu país de duas décadas de lassidão? Ou será que a "Abenomia" iniciou uma guerra monetária e empurrou o Japão para mais perto de um colapso calcado na hiperinflação? A resposta plausível é: nenhuma das duas. O risco é que as políticas de seu governo não façam diferença, em qualquer dessas direções.
O que é, então, a Abenomia? Ela é composta por três elementos: renovado estímulo fiscal; pressão sobre o BC do Japão para aprovar uma meta mais elevada de inflação; e reformas estruturais ainda não especificadas. Mais precisamente, como observou Masaaki Kanno, do JPMorgan, no "Financial Times", o governo japonês anunciou um orçamento complementar que aumentará os gastos públicos em 2% do Produto Interno Bruto (PIB), elevando o possível déficit para 11,5% do PIB em 2013. Além disso, Tóquio não apenas pressionou o BC a financiar esse déficit como compeliu-o a aceitar uma meta de inflação de 2%.
Será que esse conjunto de medidas transformará o desempenho do Japão e, se transformar, em que direção o impelirá? Para responder, precisamos examinar quatro aspectos do histórico econômico do país.
Em primeiro lugar, o Japão vivenciou uma deflação prolongada. Apesar da taxa oficial de juros de curto prazo de 0,5% ou menos, desde outubro de 1995, o deflator do PIB (uma medida ampla do nível de preços) caiu 17% desde o início de 1997.
Mas o fundamental para se chegar a uma economia mais equilibrada é tomar os amplos lucros excedentes de um oligopólio corporativo que se mostrou incapaz de usá-los. Que se permita que o público usufrua da renda, em vez disso.
Em segundo lugar, o Japão incorreu em persistentes déficits públicos. Assim, o endividamento bruto geral do governo subiu de 66% do PIB em 1991 para 237%, enquanto o endividamento líquido aumentou de 12% para 135%.
Em terceiro lugar, o retorno sobre os bônus do governo japonês despencou dos 7,9% registrados no início da década de 90 para o nível atual de menos de 1%. Em quarto lugar, ao contrário da crença generalizada, o desempenho da economia também não foi tão precário. A taxa de desemprego foi de apenas 4,1% em novembro. O PIB por hora trabalhada (medido pela paridade do poder de compra) cresceu harmonicamente com o dos Estados Unidos desde o início da década de 90, embora o Japão não esteja mais reduzindo sua discrepância de produtividade em relação aos EUA.
O Japão, então, é uma advertência, mas também um estímulo, para outras economias pós-bolha de alta renda. É possível para um país dotado de moeda própria associar crescimento razoável a deflação persistente, escalada do endividamento público e taxas de juros de curto e longo prazos ultrabaixas por um período muito longo. Quais são os perigos? Vejo dois, nenhum deles imediato: primeiro, a oportunidade de um novo "crescimento para compensar o atraso" continua inexplorado; segundo, em algum momento, o custo do serviço da dívida pelo governo será proibitivo, e as alternativas serão calote, ou direto ou via inflação. Quanto mais tarde esse ajuste ocorrer, maior será o desafio.
Os persistentes déficits públicos e deflação são um enigma. A explicação padrão é que se devem a um erro da política monetária. Se o BC do país tivesse evitado a deflação, as taxas de juros reais poderiam ter sido negativas, fortalecendo os investimentos e o consumo privados. Concordo que isso teria sido proveitoso. Mas discordo que a inflação seja a causa subjacente dos males do Japão.
Qual será então essa causa subjacente? "Um excedente de poupança privada" é a resposta, ou, mais precisamente, um enorme excedente estrutural de lucros brutos corporativos retidos em relação aos investimentos, como argumenta Andrew Smithers, da Smithers, de Londres.
As evasões de capital também contribuíram para equilibrar a oferta e a demanda. A política monetária confortável facilitou a desalavancagem pós-bolha e, possivelmente, manteve o iene mais baixo do que teria ficado na ausência desse fator, promovendo as exportações. Mas ela foi incapaz de elevar suficientemente os investimentos de modo a eliminar os enormes superávits corporativos. O motivo é o fato de o setor privado já vir investindo demais. Como observa Smithers: "O Japão, com uma população em queda, investe 30% mais de seu PIB do que os EUA, onde a população aumenta".
Em vista dos desequilíbrios da economia japonesa e da grande bolha criada durante a década de 80 para administrá-los, as autoridades de política econômica japonesas fizeram bem. Mas o caminho que estão trilhando é insustentável. O que, então, a Abenomia poderia gerar de benéfico?
Em primeiro lugar, a depreciação do iene deve ser boa para a economia, ao promover exportações líquidas. Sim, trata-se de uma desvalorização em que a conta é deixada para outro pagar. No cômputo geral, no entanto, esse procedimento estimulará uma política monetária mais agressiva em outros países, o que deverá até ser proveitoso para a economia mundial. Em segundo lugar, a elevação das expectativas inflacionárias (se isso realmente acontecer) deverá baixar as taxas de juros reais no curto prazo. Isso é bom. Mas pode também desestabilizar as expectativas de inflação. Isso não é bom.
Em terceiro lugar, o aumento do déficit público elevará a demanda no curto prazo, o que é, seguramente, desejável: no terceiro trimestre do ano passado, a economia ainda estava 2,3% abaixo do nível registrado no primeiro trimestre de 2008.
Diante disso, o que mais deve ser feito? A resposta é: reformas estruturais focadas na fragilidade da demanda privada. Os lucros retidos têm de baixar, sem reduzir na mesma medida os investimentos. Como se pode reduzir os lucros retidos? Vejo três possibilidades: elevando os salários; obrigando à realização de maiores distribuições aos acionistas, por meio de mudanças na governança corporativa; e finalmente, mudando a tributação corporativa a fim de estimular a distribuição dos lucros aos investidores e elevar a arrecadação fiscal. Smithers enfatiza particularmente o papel da redução das provisões, atualmente excessivas, destinadas a cobrir a depreciação, responsáveis pelo grosso da poupança corporativa bruta. O grande perigo é que o Japão continue tratando seus problemas estruturais de mais longo prazo como passíveis de serem administrados por ajustes de ordem monetária e fiscal. No curto prazo estes são necessários. Mas o fundamental para se chegar a uma economia mais equilibrada é tomar os amplos lucros excedentes de um oligopólio corporativo que se mostrou incapaz de usá-los. Os superávits financeiros corporativos que acabam em amplos passivos fiscais têm de ser reduzidos. Que se permita que o público usufrua da renda, em vez disso. (Tradução de Rachel Warszawski)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

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