Hum Historiador
De: Rogério Beier
Mestrando em filosofia e editor da revista Dicta&Contradicta, Joel Pinheiro da Fonseca publicou texto, em janeiro deste ano, sobre o fenômeno do “extermínio das empregadas domésticas” no Brasil. Seu texto ganhou espaço no portal do Instituto Ludwig von Mises Brasil (IMB), cujo lema é “Liberdade – Propriedade – Paz”.

- promover os ensinamentos da escola econômica conhecida como Escola Austríaca;
- restaurar o crucial papel da teoria, tanto nas ciências econômicas quanto nas ciências sociais, em contraposição ao empirismo;
- defender a economia de mercado, a propriedade privada, e a paz nas relações interpessoais, e opor-se às intervenções estatais nos mercados e na sociedade.

Mesmo antes de continuar a leitura do texto, já se percebe quais interesses o Sr. Pinheiro da Fonseca está defendendo e, obviamente, não é o da empregada doméstica, mas a da mulher representada na foto acima. Em um completo exercício de inversão de valores, seu texto passa a tentar demonstrar como a ação do governo, ao tentar regulamentar a profissão e estender as garantias mínimas dos trabalhadores também às empregadas domésticas (FGTS, Hora Extra, etc), faz com que a profissão de empregada doméstica entre em extinção, tal como dizia o título do texto. Vejam o exemplo abaixo:
“Impor a hora extra é um golpe particularmente nefasto porque quebra a relação de confiança na qual o trabalho de empregada doméstica se dá: ele deixa de ser um trabalho no qual favores podem ser dados de parte a parte e se transforma numa relação calculista, num cabo de guerra em que uma parte busca tirar mais da outra dando o mínimo possível. Patrão e empregado tornam-se inimigos. (…) É via legislação trabalhista que a luta de classes (…) vira realidade”Aqui, de modo inacreditável, Pinheiro da Fonseca tenta fazer crer que trabalhar horas a mais do que o estipulado no contrato ou no acordo, trata-se de um favor que uma empregada doméstica pode fazer a seus patrões e, como tal, não deve ser remunerado. Pior, sendo mestrando de filosofia, o autor não se envergonha ao dizer que, com a instituição da hora extra, a relação de trabalho se transforma numa relação calculista na qual uma parte busca a tirar mais da outra dando o mínimo possível. Que a luta de classes vira realidade através da legislação trabalhista.
Oras, caro Pinheiro da Fonseca, parece-me necessário que volte aos manuais da faculdade para que compreenda que esta é a situação normal de relações de trabalho em uma sociedade capitalista. Ou o senhor desconhece o conceito da mais-valia? Uma relação de trabalho assalariado, caro Pinheiro da Fonseca, já é, por natureza, uma relação calculista onde um lado (o patrão) busca tirar mais do outro (trabalhador) dando o mínimo possível. A atuação dos governos ao criar legislações trabalhistas, intervém justamente em defesa do trabalhador (e não gratuitamente, mas a partir de muita luta) para que o mesmo tenha garantido o mínimo para viver com alguma dignidade. A legislação trabalhista, diferentemente do que o senhor afirma em seu texto, não torna real a luta de classes, muito pelo contrário, tal luta é a realidade que, com o seu desenvolvimento, causa o atravancamento do sistema a um ponto em que é necessário conceder o mínimo para que seja possível manter a exploração da mão-de-obra do trabalhador.
No trecho seguinte a sua argumentação, Pinheiro da Fonseca demonstra de modo cabal sua má intenção de intelectual em defesa do Capital ao apontar que:
“O mecanismo que instaura essa luta [de classes] é simples. Ao aumentar a remuneração obrigatória de uma função, o estado cria uma disjunção falsa na mente da maioria dos empregados: “se eu não estou recebendo tudo o que a lei demanda, ainda que eu tenha concordado plenamente com os termos do contrato, estou sendo explorado”.”Oras, o mecanismo que instaura a luta de classes não é o aumento de salários via legislação trabalhista, mas sim o valor que o patrão deixa de pagar do salário do trabalhador, isto é, a exploração da mais-valia. Não é o Estado quem cria na mente dos empregados a ilusão de que ele está sendo explorado, mas é o próprio mecanismo de funcionamento do capitalismo quem institui a exploração do trabalhador, caso contrário não haveria lucro. Pinheiro da Fonseca opera, descaradamente, uma inversão para, uma vez mais, atacar o Estado em linha com os valores do Instituto que publica o seu texto.
As inversões e má intenções de Pinheiro da Fonseca continuam por todo artigo, dos quais insisto em destacar apenas mais uma, logo na conclusão do texto:
“Felizmente, o mercado sempre encontra meios de burlar as ineficiências e pesos mortos criados pela intervenção estatal. (…) no setor das domésticas vem ganhando peso a função da diarista para trabalhos específicos. Esse processo é em parte independente das leis trabalhistas: com o encarecimento da mão-de-obra, serviços especializados com tempos estritamente determinados tornam-se mais vantajosos. Não dá para pagar uma mulher para ficar o dia todo em casa, grande parte do tempo apenas de stand-by caso alguém precise de algo. Mas dá para pagar para essa mesma mulher passar uma hora produtiva dentro da casa toda semana.”No trecho destacado, o autor defende que o aparecimento das diaristas é um feliz achado do mercado para burlar a ação do Estado, isto é, pode-se continuar pagando pouco e desrespeitando os direitos do trabalhador, recorrendo a uma trabalhadora que, graças à “feliz” ação do mercado, aceita continuar sendo explorada, não se enquadrando em sua categoria profissional, fragmentando o valor de sua hora de trabalho e, retirando dela, todas conquistas trabalhistas pelas quais seu grupo lutou. É essa a atitude valorizada pelo autor do texto e pelo Instituto para o qual escreve.
Gostaria de finalizar o post apontando a HIPOCRISIA do Sr. Joel Pinheiro da Fonseca, o autor que odeia tanto o Estado e ataca as “intervenções estatais nos mercados e nas sociedades”, ter se graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), uma instituição estadual e, portanto, financiada com dinheiro público. Mais do que isso, esse mesmo Joel Pinheiro da Fonseca foi bolsista da FAPESP para obtenção de seu título de mestre em filosofia. Parece-me que, como sói ocorrer com uma parte importante dos defensores dos princípios liberais, o Sr. Pinheiro da Fonseca só é contra o Estado quando este não o favorece ou ao seu grupo. Ao escrever um texto mal intencionado como este, publicado no portal de um grupo que defende as posições que diz defender, revela claramente o quão hipócrita pode ser, ao ter sua própria formação financiada pelo Estado, a quem agora achincalha. Duro não é só aguentar as opiniões que este indivíduo tem a respeito do mundo e de como o mercado deve regular a nossa sociedade, mas sim aguentar tamanha falta de coerência e hipocrisia que ele e os demais defensores de tais modelos vomitam sobre nós diariamente. É a esta hipocrisia humana de cada dia a que me refiro ao falar de Joel Pinheiro da Fonseca e do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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