Indícios mostram que depósitos podem equivaler a metade de
todo o gás natural existente no Brasil; veja as águas que pegam fogo
Foto: Yan BoechatAmpliar
A barragem da hidrelétrica de Três Marias isolou a cidade de Morada Nova de Minas da BR-040, a principal artéria econômica da região central de Minas Gerais
Morada Nova de Minas é uma daquelas cidades que parecem viver um eterno domingo. Nas ruas, sempre poucas pessoas e carros preguiçosos param a cada esquina, como que em respeito a sinais de trânsito imaginários. Nas praças, raros são os momentos nos quais há crianças barulhentas o suficiente para quebrar o silêncio, a trilha sonora dessa cidade a 280 km ao Norte de Belo Horizonte. Há quase 60 anos isolada da artéria econômica da região central de Minas Gerais – a rodovia BR-040 – pela construção da barragem da hidrelétrica de Três Marias, à primeira vista, Morada Nova parece ser uma cidade fadada a ser assim, meio triste, meio decadente e sem grandes perspectivas.
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Na praça principal de Morada Nova, o silêncio e o vazio fazem as honras numa segunda-feira
Mas calmaria típica de uma manhã de segunda-feira esconde o rápido curso de uma revolução com potencial para mudar para sempre não só o destino da pacata Morada Nova, como também o de dezenas de municípios mineiros e do próprio estado em si. Foi ali, a poucos quilômetros da igreja que homenageia Nossa Senhora de Loreto, a padroeira local, que em agosto deste ano fez-se a primeira descoberta concreta e volumosa de gás natural em Minas Gerais.
Apenas em um poço, a Orteng, uma empresa privada que vem procurando gás na região há mais de dois anos em parceria com o governo mineiro, diz ter encontrado algo entre 175 bilhões e 195 bilhões de metros cúbicos de gás natural, o que permitiria uma extração diária de cerca de 6 milhões de metros cúbicos pelos próximos 25 anos. Na prática isso significa que, se as previsões da companhia estiverem certas, apenas de um poço será possível extrair 20% do que o Brasil importa da Bolívia todos os dias para abastecer indústrias, usinas térmicas de energia, lares e carros país afora.
Crescimento constante
Em dez anos as reservas provadas de gás quase dobraram no Brasil (em bilhões de metros cúbicos)
ANP
“Com as informações que levantamos até o momento, temos indicativos muito bons de que de fato esse volume estará disponível para exploração, mas ainda precisamos de mais pesquisas para podermos usar a palavra certeza”, diz Frederico Macedo, gerente de Óleo e Gás da Orteng. “Mas não há dúvida de que temos hidrocarbonetos lá”. Hoje o Brasil tem um volume de reservas provadas de 417 bilhões de metros cúbicos de gás natural e as descobertas da Orteng ainda precisam de mais dados para entrar nessa conta.
Gás que vaza da terra
Mas se forem confirmadas essas estimativas, é um volume de gás espantoso para apenas uma perfuração, representando quase 50% de todo o gás que já foi descoberto no Brasil. Pesquisas indicam que pode haver concentrações de gás em uma área que se estende desde o centro do Estado até quase a divisa de Minas Gerais com a Bahia e com Goiás. Tecnicamente, trata-se da Bacia do São Francisco, uma região em que desde antes das caminhadas de Guimarães Rosa por seus sertões e veredas se aventa possibilidade de haver gás.
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Às margens do rio São Francisco, fenômenos relacionados ao gás são comuns e antigos
O próprio Guimarães em Grande Sertão Veredas já fazia menção dos indícios de que aquela região de Minas havia o que hoje os especialistas chamam de hidrocarbonetos. “Em um lugar, na encosta, brota do chão um vapor de enxofre, com estúrdio barulhão, o gado foge de lá, por pavor”, escreveu o autor ainda nas primeiras páginas de seu livro mais famoso. Nas pequenas cidades por onde Guimarães passou, até hoje os sertanejos tem causos e lendas a contar envolvendo o gás. Como Marcolino Ferreira, gari da cidade de Buritizeiro, que garante ter visto seu pai cozinhar peixe na beira do rio com o gás que brota da terra. “Lá na localidade de Remanso do Fogo é assim, o gás vaza do chão”, conta ele.
Por conta disso e de indícios menos empíricos, a Agência Nacional de Petróleo já licitou – e encontrou compradores – quase 40 blocos de exploração em uma área de 750 mil quilômetros quadrados, algo como 25% do Estado de Minas Gerais. Nesse momento sete empresas brasileiras e estrangeiras, entre elas as gigantes Petrobrás, Shell e Vale, estão perfurando ou se preparando para perfurar poços de exploração em meia dúzia de municípios mineiros.
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Perfurações em busca de gás já estão ocorrendo em ao menos três municípios do sertão de Minas Gerais
Além de Morada Nova de Minas, já foram encontrados indicativos de concentrações volumosas de gás em outras duas cidades do Norte do Estado – Brazilândia de Minas e Corinto. A expectativa do governo de Minas Gerais é de que os investimentos apenas em prospecção passem dos R$ 1,2 bilhão nos próximos anos.
Até agora, no entanto, com exceção de Morada, ainda não se sabe exatamente o volume e se há viabilidade econômica para a extração nesses municípios. “É cedo ainda para cravar se teremos um volume que seja suficiente para impactar a matriz energética do Brasil, como há quem diga por ai”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “Mas não há como negar que estamos diante de perspectivas muito, muito animadoras”.
Enquanto especialistas, como Pires, e empresas, como a Petrobrás, que encontrou gás em Brazilândia mas ainda não definiu se há de fato viabilidade econômica para explorá-lo, primam pela cautela, nas cidades que formam a Bacia do São Francisco o clima é de euforia. “É a nossa redenção, graças a Deus encontramos o gás”, diz Nilton Ferreira, prefeito de Corinto, já se adiantando às pesquisas que confirmarão ou não a viabilidade econômica das descobertas iniciais que a Petra, a empresa que está explorando a região, já fez.
Redenção para a decadência
Corinto, como quase todas as cidades da região, vive tempos de decadência econômica e poucos empregos. “Desde que a Rede Ferroviária Federal foi privatizada e um centro de manutenção que tínhamos aqui foi desativado, nada mais surgiu”, diz Ferreira, que, entre uma informação e outra, faz questão de lembrar a todo o tempo que a ex-prefeita da cidade e sua inimiga política usou de forma, segundo ele, desleal, seus dotes físicos na campanha. “Ela é jovem, usava saias curtas, pernas a mostra na periferia, essas coisas”, conta ele, quase cochichando em seu gabinete.
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Nilton Ferreira, prefeito de Corinto, diz que o gás será a redenção do município
Assim como em Morada Nova de Minas, em Corinto é a prefeitura quem provê a maior parte dos empregos da cidade e depende diretamente dos repasses federais e municipais para se sustentar. É lá também que se concentram as maiores expectativas de que uma nova descoberta de vulto possa surgir em breve. A Petra, uma empresa brasileira que já investiu mais de R$ 200 milhões na Bacia do São Francisco e detém 24 blocos para exploração ali, anunciou em julho à ANP que encontrou gás no poço que está perfurando em Corinto. A sonda utilizada pela companhia já atingiu a profundidade de 1,5 mil metros, mas a Petra diz que ainda precisa fazer pesquisas mais aprofundadas para determinar qual a quantidade de gás existente ali. “Mas não há dúvida que há gás, e em grande pressão”, diz Ana Bizzotto, gerente de comunicação da companhia.
Um sheik no sertão
Na cidade, é claro, não se fala em outra coisa. E antes mesmo de começar a extrair o gás, Corinto já ganhou até um sheik. Trata-se do Sheik Dalmásio, um comerciante de 75 anos, dono do único bar da acanhada rodoviária de Corinto, em cuja as terras a Petra está perfurando seu primeiro poço na região. Atrás do balcão de madeira em que comanda seu bar há 35 anos, Pedro Dalmásio, o Sheik de Corinto, é só sorrisos. “Agora não deixam eu jogar na megasena, dizem que já fui sorteado”, conta, rindo do chiste que andam fazendo com ele pelas ruas da cidade.
Conta-se por lá que a Petra paga a Dalmásio cerca de R$ 10 mil para que utilize suas terras, uma fazendola árida na área rural de Corinto, onde o comerciante cria algumas dezenas de vacas. Tanto ele quanto a empresa negam os valores e, com o sucesso súbito, Sheik agora anda com um discurso mais sóbrio. “Eu não ganhei nada, eu quero é que Corinto ganhe”, diz ele. Indagado se tanto desprendimento o faria vender o pedaço de terra, Sheik abandona a mineirice e é incisivo: “mas por nada nesse mundo, moço”.
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Por ter um poço sendo perfurado em sua fazendola, Pedro Dalmásio virou o Sheik de Corinto
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