quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Etiqueta iraniana 22/02/2012

Do Blog de Samy Adghirni, da Folha.com


Após meia hora num taxi ziguezagueando pelo caótico trânsito de Teerã, chego ao meu destino. Como não existem taxímetros por aqui, uso meu mísero farsi para perguntar ao motorista quanto devo pela corrida. “Seja meu convidado”, responde o sorridente velhinho. Finjo que não entendi. “Não precisa pagar”, insiste o senhor. Eu poderia ter dito “muito bem, obrigado” e descido do carro. Mas já havia sido alertado sobre os exageros pró-forma dos bons modos iranianos. Quando deixo claro que tenho pressa e quero pagar logo, outra surpresa. O tiozinho agora quer 10 tománs, o dobro do que eu já paguei pelo mesmo trajeto. Tento dizer que o preço é absurdo, mas meu farsi é insuficiente. Repito em voz cada vez mais alta a única frase que sei dizer numa situação como esta: “khub nist, khêili bad”, algo como “isto não é legal, isto é muito mal”. Consigo baixar para 8 tománs, que arranco da minha carteira e jogo em cima do painel, mas saio do táxi possuído de raiva. Como alguém é capaz de passar da gentileza à patifaria em segundos?
p>Malandragens à parte, é preciso tempo e paciência para decifrar os códigos sociais no Irã. Todas as condutas interpessoais, na rua, entre amigos ou no escritório, são norteadas pelo taaruf, a etiqueta da hospitalidade e amabilidade. Às vezes, é só conversinha. Noutras, generosidade sincera. O difícil é identificar cada caso. O taaruf determina que um comerciante recusará várias vezes o pagamento da mercadoria antes de aceitá-lo. É um acordo implícito entendido por todos: “eu digo que não precisa pagar até você me forçar a aceitar o dinheiro”. No restaurante japonês mais badalado de Teerã, o garçom também disse que o jantar era por conta da casa. O taaruf geralmente vem com uma carga de poesia que soa estranho para qualquer ouvido ocidental. Ao recusar o dinheiro, o dono da loja dirá coisas como “sou pequeno diante de sua presença” ou “você está me honrando”. Mas vai ter que pagar. No trabalho é comum um funcionário novato trabalhar sem receber por semanas antes de tratar de salário com o patrão. E se eu elogio o novo relógio de um amigo iraniano, ele provavelmente o tirará do pulso para oferecê-lo. É evidente que não posso aceitar.
Isso dito, existe aqui uma verdadeira cultura de hospitalidade e delicadeza no trato. Ao saber que eu hospedava visitas do Brasil, a proprietária do apartamento onde moro apareceu com um delicioso prato de arroz e frango com açafrão que ela mesmo, médica atarefada, cozinhou por horas. Nos meus primeiros dias em Teerã, me perdi na rua quando ia a um compromisso. Só me achei graças a um iraniano que, sem cobrar um centavo, ligou do próprio celular para a pessoa que me esperava para conferir o endereço. Nas famílias mais humildes, é comum o anfitrião dormir na sala para ceder o próprio quarto ao convidado. Não se chega na casa de alguém de mãos vazias.

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