segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Pessimista, Portugal vive o receio de que será a 'nova Grécia' 08/10/2012


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RODRIGO RUSSO
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
Enquanto o governo português procura estabelecer comparações positivas com a Irlanda, país que também precisou de socorro financeiro das autoridades europeias e que tem vivenciado recuperação econômica, a percepção geral é de que Portugal se assemelha mais a outra nação em crise.
"Estamos quase como a Grécia." Essa é a primeira frase do taxista que leva a reportagem do aeroporto ao centro de Lisboa quando questionado sobre a situação do país.
João Pereira Coutinho, doutor em ciência política e colunista da Folha, confirma a primeira impressão, com termos mais sofisticados.
"A Grécia é, para Portugal, o Fantasma do Natal Futuro de 'Um Conto de Natal', de Charles Dickens. Tudo o que acontece lá leva mais seis ou 12 meses para acontecer aqui", compara Coutinho.
Em recessão econômica desde o último trimestre de 2010, Portugal sofre com os efeitos das medidas de austeridade exigidas do país em troca de um empréstimo de € 78 bilhões concedido por Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional em maio de 2011.
O desemprego, que era de 5,7% há dez anos, chegou em agosto deste ano a 15,9% da população, segundo a Eurostat, agência oficial de estatísticas da União Europeia. Em 2008, no início da crise, o índice ainda era de 8,5%.
Além disso, o país tem uma das maiores dívidas públicas da zona do euro. Em 2008, ela correspondia a 71,5% do PIB (Produto Interno Bruto) português, de acordo com o FMI. Em 2011, alcançou a proporção de 106,7% do PIB. O deficit público de Portugal deve chegar a 5% do PIB neste ano.
Para agravar a crescente insatisfação popular, o governo do primeiro-ministro Passos Coelho anunciou na última quarta-feira um aumento de cerca de 30% no Imposto de Renda de pessoas físicas.
A medida integrou o que o ministro das Finanças, Vitor Gaspar, anunciou como um "enorme aumento de impostos", e substituiu a proposta de aumento da contribuição dos trabalhadores para a seguridade social, objeto de fortes protestos em Lisboa e logo revogada pelo governo.
"A 'rua' percebeu, com isso, que tem influência no curso dos acontecimentos. Tenho sérias dúvidas quanto a esse governo chegar até o fim e não excluo a hipótese de eleições antecipadas", avalia Coutinho.
A situação portuguesa faz com que pensadores à direita e à esquerda tenham diagnósticos similares.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos publicou artigo na revista "Visão" em que observa: "Os portugueses estão a ver, como já viram os gregos e os espanhóis, que essas medidas dão resultados opostos aos que proclamam e não oferecem outra alternativa senão mais medidas ainda mais gravosas. Em face disto, o governo, com a sua indescritível insensibilidade social, dividiu o seu bloco de apoio e perdeu legitimidade perante os portugueses".
No centro de Lisboa, diversos cartazes de grupos políticos de esquerda pedem o fim do governo e o rompimento com a "troica" de credores -- os mais radicais falam que faz falta um novo 25 de Abril, data que pôs fim à ditadura portuguesa em 1974.
Placas de apartamentos à venda e para alugar são frequentes nas regiões do Chiado e do Rossio, assim como liquidações em lojas. O movimento sindical ganhou força e convocou uma greve geral para 14 de novembro.
João César das Neves, professor de economia da Universidade Católica Portuguesa, oferece à Folha uma perspectiva diferente sobre a atual crise no país.
"Penso que, dada a enorme dimensão dos erros cometidos nos últimos 15 anos, essa crise até vai nos sair barata. Com a flexibilidade da economia, a paz social e a ajuda dos parceiros europeus, vamos ter uma crise que deve ficar muito abaixo do que Espanha e Itália vão ter, muito abaixo da enorme tragédia grega", afirma Das Neves.

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