David Harvey é professor de antropologia da pós-graduação da Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York – Cuny), na qual leciona desde 2001. Foi também professor de geografia nas universidades Johns Hopkins e Oxford. Seu livro Condição pós-moderna (Loyola, 1992) foi apontado pelo jornal The Independent como um dos 50 trabalhos mais importantes de não ficção publicados desde a Segunda Guerra Mundial. Em português, a Boitempo publicou recentemente O enigma do capital (2012) e agora lança Para entender O capital.
Harvey veio ao Brasil a convite da Boitempo para apresentar essa conferência em São Paulo (23), Porto Alegre (25) e Salvador (26). A atividade faz parte do projeto “Marx: a criação destruidora”, que reúne pesquisadores do Brasil e de outros países para debater a atualidade da obra de Marx em tempos de crise global do capitalismo. Durante sua estada no Brasil, Harvey lança Para entender o capital, fruto de anos de seminários lecionados sobre a obra de Marx em várias universidades. O projeto “Marx: a criação destruidora” marca também o lançamento da edição especial do livro I de “O Capital”, de Karl Marx, pela Boitempo (com tradução inédita).
Pensando uma transição anti-capitalista
O professor britânico esteve em Porto Alegre em janeiro de 2010, no seminário de avaliação de 10 anos do Fórum Social Mundial. Naquela ocasião, defendeu a necessidade de se pensar em uma transição anti-capitalista. Harvey reconheceu que após da derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. Essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. No entanto, ressaltou, os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo, excluindo, produzindo pobreza, fome, destruição ambiental e guerra.
As recentes crises do capitalismo recolocaram na ordem do dia, defendeu Harvey, a necessidade de pensar outra forma de organização econômica, política e social. Ele justificou essa necessidade a partir de alguns fatos: o aumento da desigualdade social, a crescente corrupção da democracia pelo poder do dinheiro, o alinhamento da mídia com este grande capital (e seu conseqüente papel de cúmplice na corrupção da democracia), a destruição acelerada do meio ambiente. Esse cenário, acrescentou, exige uma resposta política que é, necessariamente, de natureza anti-capitalista.
A natureza de uma necessidade
Harvey não defende essa necessidade como um postulado dogmático, mas sim como consequência do atual estágio do capitalismo:
“Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. E a China está seguindo o mesmo caminho”, disse Harvey em 2010.
As crises econômicas nos últimos 30 anos, acrescentou, repousam na disjunção crescente entre a quantidade de papel fictício e a quantidade de riqueza real. “Por isso precisamos de alternativas ao capitalismo”, insistiu. Historicamente essas alternativas são o socialismo ou o comunismo. O primeiro acabou se transformando em uma forma menos selvagem de administração do capitalismo; e o segundo fracassou. Mas esses fracassos não são razão para desistir até por que as crises do capitalismo estão se tornando cada vez mais freqüentes e mais graves, recolocando o tema das alternativas.
Não basta denunciar a irracionalidade do capitalismo, concluiu. É importante lembrar o que a Marx e Engels apontaram no Manifesto Comunista a respeito das profundas mudanças que o capitalismo trouxe consigo: uma nova relação com a natureza, novas tecnologias, novas relações sociais, outro sistema de produção, mudanças profundas na vida cotidiana das pessoas e novos arranjos políticos institucionais. “Todos esses momentos viveram um processo de co-evolução. O movimento anti-capitalista tem que lutar em todas essas dimensões e não apenas em uma delas como muitos grupos fazem hoje. O grande fracasso do comunismo foi não conseguir manter em movimento todos esses processos. Fundamentalmente, a vida diária tem que mudar, as relações sociais têm que mudar”, defendeu Harvey.
Mais de três anos depois, o autor retorna a Porto Alegre e a crise do capitalismo não arrefeceu, colocando em xeque hoje, entre outras coisas, o futuro da estabilidade política econômica da União Europeia, mergulhada em dívidas e taxas de desemprego crescentemente preocupantes.
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