Tá rolando um depoimento sensacional na rede, sobre um rapaz que não
apenas presenciou tudo, mas soube absorver e renascer com isso!! O
depoimento é excelente, e gostaria de compartilhar com os amigos do
blog. Não sou de postar muito, aliás faz tempo que não posto, mas esse
aqui não poderia deixar de compartilhar!
O link do depoimento é: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10200757119463335&set=a.1632425843520.2088256.1022875139&type=1
E o depoimento em si:
A maravilhosa manifestação "pacífica"
Para quem não me conhece, deixarei uma pequena ilustração de como era a
minha mentalidade: acordar para trabalhar e fazer dinheiro me manterá livre
de todos esses problemas de gente anarquista que briga desnecessariamente
contra a Polícia. Uniforme representa Ordem e Respeito, e eu fui educado a
respeitar.
Eu corrigi minha irmã dias atrás quando ela me disse "a gente deve
respeitar quem exige respeito" para "a gente respeita quem demonstra
respeito". Mal sabia eu que a vida esfregaria na minha cara a dura
realidade daquilo que eu acabara de verbalizar.
Era uma bela Quinta-feira, e eu tinha de trabalhar, mas a linha que pego
pra trabalhar estava parada. Poderia eu pegar 3 ou 4 ônibus a fim de ir
para o trabalho? Sim, mas como eu trabalho em diferentes partes daquela
linha, eu dependeria não mais dos 15min de trem, mas dos 45min de ônibus,
luxo que eu não possuía. Tive de cancelar meus trabalhos do dia. O que me
restou? Ficar em casa escrevendo, lendo e estudando.
Fui chamado para essa tal de "Manifestação Pacífica" que teria início em
frente ao Teatro Dom Pedro, mas eu me recusei a ir. Por que? Oras, preciso
explicar? Manifestantes anarquistas bocós invadindo espaços privados só
para mostrar que são pobres e não tem emprego? Não, obrigado pelo convite.
Fiquei em casa. Cocei. Dormi. Acordei e comi. Liguei o Face e li algumas
manchetes sobre o que REALMENTE aconteceu na Manifestação dos dias
anteriores. Pensei. A cachola começou a processar informações. Descansei o
cérebro em banho-maria de informações de fontes não tão confiáveis. Li
mais. Absorvi mais. Fiquei curioso, e foi aí que tudo começou.
Acabei despertando uma curiosidade de descobrir por mim mesmo o que
REALMENTE era essa tal Manifestação. Eu ainda achava que o povão ía todo se
reunir xingando partidos (odeio Partidos, eu gosto é de Solução com gente
inteligente tomando as rédeas que sempre façam o melhor por aqueles que os
colocaram no comando), apedrejariam bonecos enormes, íam ficar berrando no
meu ouvido sobre "VOSSÊ TEIN QUE LUTÁ PELUS ÇEUS DIREITU!!!". Sério, eu sou
um cara banhado em dinheiro desde que nasci, então a minha percepção era
uma bem particular (que viria a se dissolver muito em breve).
Fui. Acabei chegando às 17h40. A Polícia havia pedido para todos os
Manifestantes sairem de dentro do Metrô Anhangabaú, e assim eles fizeram.
Alguns passinhos pra trás e simples. Lá nos encontramos e de lá fomos para
o Teatro. Andamos, vimos policiais de colete amarelo encostados nas paredes
híper de boa lá com a gente, fiquei impressionado com a quantidade de gente
em volta dos policiais, e nenhum policial/manifestante machucado. Achei
linda aquela percepção e pensei: "Nossa, eu sempre via pancadaria quando
essa água e esse óleo se juntavam, que coisa!". Continuei andando em
direção à concentração. Cheguei lá em menos de 20min. 18h00 eu já estava lá
e o pessoal estava todo unido, sorridente, feliz por estar ali. E eu lá,
perdidão com medo de alguém me roubar o iPhone. Estranhei por ninguém ter
trombado em mim pra me assaltar, e todos aqueles que trombaram em mim,
olharam de volta e disseram: "desculpa, cara". Eu não escuto isso nem
dentro das empresas onde vou todo arrumadinho!!!! Fiquei abismado, em
choque com tamanho respeito.
A concentração começou a tomar proporções que eu não imaginava. Pensei com
meus botões "uns 80 sem-ter-o-que-fazer estarão lá brigando pelo Direito do
Brasil. HAHAHAHAHA retardados e sem noção, eu devia era tá em casa
assistindo seriado que eu ganharia muito mais, tem até bolo em casa", mas
não éramos em apenas 80, não éramos apenas em 800, e não éramos apenas
8.000. A contagem foi estimada por baixo em 10.000 (números redondos ajudam
a galerinha a lembrar bem). DEZ MIL pessoas lutando pelo Direito dos
outros. Eu engoli seco o meu preconceito.
Começamos a andar, a passeata estava linda, bem organizada, as pessoas
desviavam o senhor e o carro dele de recolher lixo das ruas. Um moço até
levantou uma placa de "Vendo Ouro ou Prata" para conseguir alguma coisa
daquela concentração tão gostosa e animada. Pessoas saíam de seus
apartamentos para danças nas janelas, e não para xingar. O ritmo era tão
gostoso que cativava a todos que nos ouviam. Eu fiquei pasmo com tamanho
respeito por todos os lados. Eu comecei a entender melhor a ideia da
Manifestação.
Caminhávamos BEEEEEEM devagar, sem atropelar ninguém, sem entrar por ruas
já não previamente bloqueadas pela Polícia de Trânsito. Sério, era lindo
ver TANTA gente caminhando por onde já havia sido previamente combinado por
onde andaríamos. Tudo dentro da Lei, tudo respeitoso e harmonioso.
Fantástico, seria o que eu diria para descrever tal evento grandioso.
Andamos e andamos, pessoas dançavam nas janelas, pais colocavam seus filhos
em cima de seus ombros, familiares se abraçavam, casais se beijavam, a
galera bem educada, se portando de forma apreciada por qualquer ser humano.
Parávamos - para que a Manifestação não se esticasse muito entre cabeça e
cauda - e continuávamos quando a concentração realmente se concentrava.
Filmei tudo. Queria eu ter tudo aquilo registrado porque eu AINDA não
acreditava que tanta gente desconhecida se respeitaria ali por um ato
nacional. Eu tinha ainda 3 pés atrás quanto à educação dos manifestantes
(eu esperava ver a máscara dos manifestantes cair para ver que eles
realmente eram vândalos, agressores e mal-intencionados, mas tava difícil
já porque eu estava esperando por longos 70min já e nenhuma máscara dentre
os 10.000 caía, ninguém xingava, ninguém cuspia, quem trombava pedia
desculpa e dava abraço até, tava bem complicado achar um errante ali, mas
não perdi a fé de que alguém apareceria, que máscaras cairiam).
Chegamos na Praça da República querendo subir a Rua da Consolação. E foi
ali que as Máscaras caíram.
Paramos, concentramos, nos unimos e por ali ficamos gritando: "Oooooooo, o
povo acordou!!!! Ooooooooo, o povo acordou!!!!" Muitas pessoas tiravam
fotos, mas ninguém se mexia, não dava. A Polícia lá longe (eu diria uns....
100 metros? Mais? Não sou bom de cálculo quando se passa de 50 metros)
estava fazendo uma barricada enorme na Rua da Consolação para que nós não
subíssemos.
Ué? Não era por ali que íriamos subi...... POFT! Alguém começa a correr
desesperado pela direita traseira empurrando todo mundo. Eu logo pensei
"BADERNA! Achei!", e logo vejo o que realmente está acontecendo. A Tropa de
Choque avançou nas pessoas que seguravam as flores!
F L O R E S!!!!! A arma mais letal do Planeta Terra! A Tropa de Choque
avançou com Escudos e Cacetetes por trás da gente, encurralando a
Manifestação Pacífica na Praça.
Pensei comigo: "é AGORA que a gente revida com pedras e paus, quer ver?"
O que aconteceu? O povo se uniu, pegou quem tava caído no chão e começou
num coro lindo "SEM VIOLÊNCIA! SEM VIOLÊNCIA!". Sério, se eu tinha alguma
vergonha na cara, ela entrou pelos meus ouvidos, por minhas narinas e se
escondeu, junto com o meu preconceito e ausência de informação. Eu estava
no meio da Manifestação esperando ver a Manifestação se tornar Vândala, e o
que eu recebo como recompensa? Amor, pedidos de compreensão, tentativa de
conversar com a Tropa de Choque.
Foi ali que a MINHA máscara caiu, que os meus olhos abriram, que a minha
Realidade se tornou uma só com a dos Manifestantes. Eu era um Boyzinho, um
coxinha, um Topzinho esperando ver os Manifestantes virarem agressores, mas
em troca eu encontrei pessoas humanas dispostas a se sacrificarem por um
bem maior. Não consigo muito explicar em palavras o que eu senti, apenas
consigo dizer que tudo aquilo que me foi pintado pela Mídia da TV havia
perdido sua tinta.
Conversando com o pessoal sobre o que fazer, eles disseram: "Unidos,
galera! Unidos!". Nos unimos, e continuamos "ô motorista, ô cobrador, será
que seu salário aumentou?" Palavras pesadas, não? Merecidas de uma boas...
BOOOM!!!! BOOOOOM!!!!! BOOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!!!!!
Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas no meio da gente, na nossa
frente, atrás da gente! PRA QUÊ???????? Não tinha uma rota que seguiríamos
para depois irmos embora? Não é assim com a Marcha de Jesus? Marcha das
Vadias? Parada Gay? Marcha dos Ciclistas? Por quê com a gente tinha bomba?
Cadê o roteiro, gente?????? Pra que isso?????
Eu não passei vinagre em lugar algum. Eu fui com a cara ao tapa e disse
"Não, se é pra cheirar essa merda, eu vou cheirar, que venha a Realidade".
Senti o cheiro, chorei pra caralho, meu nariz escorreu feito uma cachoeira,
minha boca secou, a ânsia de vômito bateu e eu quis morrer ali de tanto
amargo no fundo da boca. Entendi como funcionava aquele produto químico,
dae, sim, fiz o que podia fazer. Destapei o nariz, esfreguei as lágrimas,
dei meus pulos e o efeito passou. Não vomitei, não passei mal, nada me
aconteceu. Olhei em volta e....
Gente passando mal
Gente caída no chão
Gente sem poder abrir os olhos
Gente desnorteada
Gente vomitando
Precisava???????????????
Eu fui ajudar uma menina que estava caída no chão (já que eu tinha me
perdido do meu grupo). BOOOOOM!!!!!! A menina que estava de pé na minha
frente caiu dura. A testa dela sangrando loucamente enquanto ela se
esperneava no chão. Só pude concluir que acertou uma parte bem irrigada do
rosto dela, mas eu não pude ajudá-la porque meus conhecimentos médicos são
limitados, então fui ajudar quem dava. Peguei a menina do chão, tonteada e
perdida, limpei as narinas dela e limpei os olhos dela. Ela levantou
perdida, agradeceu e foi ajudar mais alguém. O meu queixo "caiu" ali ao ver
aquela ação. Eu pensei que a menina ía correr pra longe, mas não, ela ficou
e lutou.
Eu encontrei o meu grupo de volta e os ajudei como pude. A Manifestação fez
o quê? Pegou pedras? Pegou pau? Desenvolveu super-poderes que poderiam
ameaçar a vida daqueles policiais bem protegidos e armados? Não. A gente se
uniu novamente e berrou aos quatro ventos: "CHEGA DE VIOLÊNCIA!!!! SEM
VIOLÊNCIA!!!"
A Tropa de Choque chegou com reforço, e foi aí que tudo se perdeu. Uma
bomba caiu no meu pé, e em frações de segundos a minha vida passou na
frente dos meus olhos enquanto eu só via aquela coisinha estranha soltando
gás pra cima de mim. Respirei fundo, protegi os olhos e puxei as pessoas
pra longe da bomba enquanto eu tentava chutá-la pra longe.
BOOOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!!
Mais e mais bombas foram lançadas em cima da gente, e mais e mais pessoas
se separavam do grupo, não tinha como se manter unido ali. A Manifestação
se fragmentou.
Eu desci para a Avenida (era a 23 de Maio ali? Não me lembro, tinha muita
fumaça no meu cérebro), onde fiquei com a pior parte da Manifestação: os
"Vândalos". Foi ali que eu aprendi a defender a Realidade, e não os fatos
impostos garganta abaixo.
A Polícia vinha de carro atirando borracha na gente, bem estilo joguinho de
tiro, sabe? Você vê uma coisa se mexendo, você atira. Simples assim. O que
o pessoal pensou em fazer? Debilitar a Polícia de seus carros. Fizeram
barreiras nos chãos para que a Polícia não passasse mais brincando de
tiro-ao-alvo na gente, e barricadas foram feitas. Concordo com as
barricadas? Não. Concordo com brincarem de atirar na gente por diversão?
Menos ainda. Fica ao seu critério achar se deveríamos ou não ter feito as
barricadas.
A Polícia ficou a pé, igual a gente. A moça do meu lado estava ali de boa
quando tomou um treco na cabeça. O cara com ela (possível namorado)
assustou e berrou: "EU NÃO TÔ NA BRIGA, MERDA!!!!" A Polícia não liga muito
porque nessa hora é muita ameaça que representamos, sabe? 1 camiseta, 1
cueca, 1 calça, 1 par de tênis podem ferir mortalmente um policial
potentemente armado e protegido. Cuidado.
Por vezes e vezes pensei: "quero ir embora, a polícia tá metendo bala em
tudo quanto é gente, tá passando por cima de latões, por cima de lixo, por
cima de tudo, e depois vão falar que fomos nós!!!!! Eu quero ficar vivo pra
poder viver o dia de amanhã, mas..... mas.... pq eu não vou? Pq eu fico e
luto? Pq????" Eu não entendia ainda muito bem o porquê da minha vontade de
ficar e defender um ideal. Era difícil, pra mim, acordar em tão pouco
tempo, sabe?
Subi a Rua da Consolação ao lado da Cavalaria Policial depois que fomos
dispersados. Pensei "acabou". Subi e lá encontrei os repórteres gravando o
que o pessoal - indignado - dizia para a TV. Pensei "estou seguro, ninguém
jamais faria qualqu....."
BOOOM!!!!!!!!!
Câmera cai. Bomba no meio do povo. Dispersão. Medo. Liberdade de expressão
zero.
Meu mundo caiu ali. Fiquei sem palavras. A Polícia atirou bomba em pessoas
que não tinham nenhuma arma que não a voz. Seria o poder do povo tão forte
assim???
Subindo a Consolação, um milagre. A Manifestação se reencontrou! Estávamos
em 2, depois em 100, depois em 1.000! O restinho da Manifestação que ainda
lutava por Direitos estava ali!!!! UFA!!!!!! Ninguém desistiu tanto assim!
Nos unimos e berramos "Oooooo, o povo acordou!!!" várias vezes, meio
entristecidos, mas contentes de termos encontrado outros guerreiros pelos
Direitos alheios.
Se tinha uma coisa que aquelas bombas tinham feito era ter me instaurado um
medo interno gigantesco, mas.... um presente apareceu depois de alguns
metros. Um eco vinha de uma rua estreita, pequena... Não dava pra entender
muito bem, mas era muito barulho. Pensei "POLICIA, CORRE, GENTE!!!". Não
era a Polícia.
Eram os outros 4.000 que havíamos perdido lá atrás na República! Do nada,
da minha direita, vem descendo mais uns 3.000!!!! O grupo INTEIRO estava
todo reunido!!!! A sensação de libertação do medo passou num instante assim
que eu me dei conta de uma única coisa:
"Eles podem machucar o meu corpo, mas não posso permitir que machuquem o
meu espírito. Jamais!"
E foi ali que eu nasci de novo. Nasci para o mundo, nasci para a Vida.
Claro que aquilo estava longe de acabar pois a Tropa de Choque nos
encurralou para que não chegássemos à Paulista, dae desviamos para a
Angélica. Pensei comigo "isso é um erro, porque a Angélica é gigantemente
fechada pros lados, só tendo Norte ou Sul", mas fiquei na minha. Quando
ouvimos alertas da Tropa de Choque atacando por trás e pela frente, a
concentração se abraçou, sentou no chão e pedia "SEM VIOLÊNCIA!!!".
Não sei quantas bombas foram, sério. A menina que estava a 25 passos à
minha frente tomou uma bomba nos peitos. Deduzi que era quente porque ela
berrava de dor enquanto aquela granadinha soltava alguma coisa que parecia
ser uma massa densa de calor, vapor, queimando a pele dela, a roupa, e ela
ficava desesperada aos segundos.
Válido? Pense você, mas só você, sem o auxílio da TV.
Eu continuarei lutando até que mais e mais pessoas acordem. Espero que você
não me xingue, pois eu não xingo você. Eu te entendo se você está com medo,
eu também estava. Você acordará no seu tempo. Ou no seu tempo, ou quando
alguém querido seu tomar uma bala na cabeça por respirar quando um policial
não havia permitido. Esperemos que você nunca passe por isso.
Victor Samuel Bueno Rosa - viciado em trabalhar com idiomas, comer comida
vegana, estudar de tudo um pouco a fim de ajudar ao próximo, ouvir e
aconselhar, além de assistir muitos desenhos. (onde está a minha arma aí?)
O link do depoimento é: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10200757119463335&set=a.1632425843520.2088256.1022875139&type=1
E o depoimento em si:
A maravilhosa manifestação "pacífica"
Para quem não me conhece, deixarei uma pequena ilustração de como era a
minha mentalidade: acordar para trabalhar e fazer dinheiro me manterá livre
de todos esses problemas de gente anarquista que briga desnecessariamente
contra a Polícia. Uniforme representa Ordem e Respeito, e eu fui educado a
respeitar.
Eu corrigi minha irmã dias atrás quando ela me disse "a gente deve
respeitar quem exige respeito" para "a gente respeita quem demonstra
respeito". Mal sabia eu que a vida esfregaria na minha cara a dura
realidade daquilo que eu acabara de verbalizar.
Era uma bela Quinta-feira, e eu tinha de trabalhar, mas a linha que pego
pra trabalhar estava parada. Poderia eu pegar 3 ou 4 ônibus a fim de ir
para o trabalho? Sim, mas como eu trabalho em diferentes partes daquela
linha, eu dependeria não mais dos 15min de trem, mas dos 45min de ônibus,
luxo que eu não possuía. Tive de cancelar meus trabalhos do dia. O que me
restou? Ficar em casa escrevendo, lendo e estudando.
Fui chamado para essa tal de "Manifestação Pacífica" que teria início em
frente ao Teatro Dom Pedro, mas eu me recusei a ir. Por que? Oras, preciso
explicar? Manifestantes anarquistas bocós invadindo espaços privados só
para mostrar que são pobres e não tem emprego? Não, obrigado pelo convite.
Fiquei em casa. Cocei. Dormi. Acordei e comi. Liguei o Face e li algumas
manchetes sobre o que REALMENTE aconteceu na Manifestação dos dias
anteriores. Pensei. A cachola começou a processar informações. Descansei o
cérebro em banho-maria de informações de fontes não tão confiáveis. Li
mais. Absorvi mais. Fiquei curioso, e foi aí que tudo começou.
Acabei despertando uma curiosidade de descobrir por mim mesmo o que
REALMENTE era essa tal Manifestação. Eu ainda achava que o povão ía todo se
reunir xingando partidos (odeio Partidos, eu gosto é de Solução com gente
inteligente tomando as rédeas que sempre façam o melhor por aqueles que os
colocaram no comando), apedrejariam bonecos enormes, íam ficar berrando no
meu ouvido sobre "VOSSÊ TEIN QUE LUTÁ PELUS ÇEUS DIREITU!!!". Sério, eu sou
um cara banhado em dinheiro desde que nasci, então a minha percepção era
uma bem particular (que viria a se dissolver muito em breve).
Fui. Acabei chegando às 17h40. A Polícia havia pedido para todos os
Manifestantes sairem de dentro do Metrô Anhangabaú, e assim eles fizeram.
Alguns passinhos pra trás e simples. Lá nos encontramos e de lá fomos para
o Teatro. Andamos, vimos policiais de colete amarelo encostados nas paredes
híper de boa lá com a gente, fiquei impressionado com a quantidade de gente
em volta dos policiais, e nenhum policial/manifestante machucado. Achei
linda aquela percepção e pensei: "Nossa, eu sempre via pancadaria quando
essa água e esse óleo se juntavam, que coisa!". Continuei andando em
direção à concentração. Cheguei lá em menos de 20min. 18h00 eu já estava lá
e o pessoal estava todo unido, sorridente, feliz por estar ali. E eu lá,
perdidão com medo de alguém me roubar o iPhone. Estranhei por ninguém ter
trombado em mim pra me assaltar, e todos aqueles que trombaram em mim,
olharam de volta e disseram: "desculpa, cara". Eu não escuto isso nem
dentro das empresas onde vou todo arrumadinho!!!! Fiquei abismado, em
choque com tamanho respeito.
A concentração começou a tomar proporções que eu não imaginava. Pensei com
meus botões "uns 80 sem-ter-o-que-fazer estarão lá brigando pelo Direito do
Brasil. HAHAHAHAHA retardados e sem noção, eu devia era tá em casa
assistindo seriado que eu ganharia muito mais, tem até bolo em casa", mas
não éramos em apenas 80, não éramos apenas em 800, e não éramos apenas
8.000. A contagem foi estimada por baixo em 10.000 (números redondos ajudam
a galerinha a lembrar bem). DEZ MIL pessoas lutando pelo Direito dos
outros. Eu engoli seco o meu preconceito.
Começamos a andar, a passeata estava linda, bem organizada, as pessoas
desviavam o senhor e o carro dele de recolher lixo das ruas. Um moço até
levantou uma placa de "Vendo Ouro ou Prata" para conseguir alguma coisa
daquela concentração tão gostosa e animada. Pessoas saíam de seus
apartamentos para danças nas janelas, e não para xingar. O ritmo era tão
gostoso que cativava a todos que nos ouviam. Eu fiquei pasmo com tamanho
respeito por todos os lados. Eu comecei a entender melhor a ideia da
Manifestação.
Caminhávamos BEEEEEEM devagar, sem atropelar ninguém, sem entrar por ruas
já não previamente bloqueadas pela Polícia de Trânsito. Sério, era lindo
ver TANTA gente caminhando por onde já havia sido previamente combinado por
onde andaríamos. Tudo dentro da Lei, tudo respeitoso e harmonioso.
Fantástico, seria o que eu diria para descrever tal evento grandioso.
Andamos e andamos, pessoas dançavam nas janelas, pais colocavam seus filhos
em cima de seus ombros, familiares se abraçavam, casais se beijavam, a
galera bem educada, se portando de forma apreciada por qualquer ser humano.
Parávamos - para que a Manifestação não se esticasse muito entre cabeça e
cauda - e continuávamos quando a concentração realmente se concentrava.
Filmei tudo. Queria eu ter tudo aquilo registrado porque eu AINDA não
acreditava que tanta gente desconhecida se respeitaria ali por um ato
nacional. Eu tinha ainda 3 pés atrás quanto à educação dos manifestantes
(eu esperava ver a máscara dos manifestantes cair para ver que eles
realmente eram vândalos, agressores e mal-intencionados, mas tava difícil
já porque eu estava esperando por longos 70min já e nenhuma máscara dentre
os 10.000 caía, ninguém xingava, ninguém cuspia, quem trombava pedia
desculpa e dava abraço até, tava bem complicado achar um errante ali, mas
não perdi a fé de que alguém apareceria, que máscaras cairiam).
Chegamos na Praça da República querendo subir a Rua da Consolação. E foi
ali que as Máscaras caíram.
Paramos, concentramos, nos unimos e por ali ficamos gritando: "Oooooooo, o
povo acordou!!!! Ooooooooo, o povo acordou!!!!" Muitas pessoas tiravam
fotos, mas ninguém se mexia, não dava. A Polícia lá longe (eu diria uns....
100 metros? Mais? Não sou bom de cálculo quando se passa de 50 metros)
estava fazendo uma barricada enorme na Rua da Consolação para que nós não
subíssemos.
Ué? Não era por ali que íriamos subi...... POFT! Alguém começa a correr
desesperado pela direita traseira empurrando todo mundo. Eu logo pensei
"BADERNA! Achei!", e logo vejo o que realmente está acontecendo. A Tropa de
Choque avançou nas pessoas que seguravam as flores!
F L O R E S!!!!! A arma mais letal do Planeta Terra! A Tropa de Choque
avançou com Escudos e Cacetetes por trás da gente, encurralando a
Manifestação Pacífica na Praça.
Pensei comigo: "é AGORA que a gente revida com pedras e paus, quer ver?"
O que aconteceu? O povo se uniu, pegou quem tava caído no chão e começou
num coro lindo "SEM VIOLÊNCIA! SEM VIOLÊNCIA!". Sério, se eu tinha alguma
vergonha na cara, ela entrou pelos meus ouvidos, por minhas narinas e se
escondeu, junto com o meu preconceito e ausência de informação. Eu estava
no meio da Manifestação esperando ver a Manifestação se tornar Vândala, e o
que eu recebo como recompensa? Amor, pedidos de compreensão, tentativa de
conversar com a Tropa de Choque.
Foi ali que a MINHA máscara caiu, que os meus olhos abriram, que a minha
Realidade se tornou uma só com a dos Manifestantes. Eu era um Boyzinho, um
coxinha, um Topzinho esperando ver os Manifestantes virarem agressores, mas
em troca eu encontrei pessoas humanas dispostas a se sacrificarem por um
bem maior. Não consigo muito explicar em palavras o que eu senti, apenas
consigo dizer que tudo aquilo que me foi pintado pela Mídia da TV havia
perdido sua tinta.
Conversando com o pessoal sobre o que fazer, eles disseram: "Unidos,
galera! Unidos!". Nos unimos, e continuamos "ô motorista, ô cobrador, será
que seu salário aumentou?" Palavras pesadas, não? Merecidas de uma boas...
BOOOM!!!! BOOOOOM!!!!! BOOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!!!!!
Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas no meio da gente, na nossa
frente, atrás da gente! PRA QUÊ???????? Não tinha uma rota que seguiríamos
para depois irmos embora? Não é assim com a Marcha de Jesus? Marcha das
Vadias? Parada Gay? Marcha dos Ciclistas? Por quê com a gente tinha bomba?
Cadê o roteiro, gente?????? Pra que isso?????
Eu não passei vinagre em lugar algum. Eu fui com a cara ao tapa e disse
"Não, se é pra cheirar essa merda, eu vou cheirar, que venha a Realidade".
Senti o cheiro, chorei pra caralho, meu nariz escorreu feito uma cachoeira,
minha boca secou, a ânsia de vômito bateu e eu quis morrer ali de tanto
amargo no fundo da boca. Entendi como funcionava aquele produto químico,
dae, sim, fiz o que podia fazer. Destapei o nariz, esfreguei as lágrimas,
dei meus pulos e o efeito passou. Não vomitei, não passei mal, nada me
aconteceu. Olhei em volta e....
Gente passando mal
Gente caída no chão
Gente sem poder abrir os olhos
Gente desnorteada
Gente vomitando
Precisava???????????????
Eu fui ajudar uma menina que estava caída no chão (já que eu tinha me
perdido do meu grupo). BOOOOOM!!!!!! A menina que estava de pé na minha
frente caiu dura. A testa dela sangrando loucamente enquanto ela se
esperneava no chão. Só pude concluir que acertou uma parte bem irrigada do
rosto dela, mas eu não pude ajudá-la porque meus conhecimentos médicos são
limitados, então fui ajudar quem dava. Peguei a menina do chão, tonteada e
perdida, limpei as narinas dela e limpei os olhos dela. Ela levantou
perdida, agradeceu e foi ajudar mais alguém. O meu queixo "caiu" ali ao ver
aquela ação. Eu pensei que a menina ía correr pra longe, mas não, ela ficou
e lutou.
Eu encontrei o meu grupo de volta e os ajudei como pude. A Manifestação fez
o quê? Pegou pedras? Pegou pau? Desenvolveu super-poderes que poderiam
ameaçar a vida daqueles policiais bem protegidos e armados? Não. A gente se
uniu novamente e berrou aos quatro ventos: "CHEGA DE VIOLÊNCIA!!!! SEM
VIOLÊNCIA!!!"
A Tropa de Choque chegou com reforço, e foi aí que tudo se perdeu. Uma
bomba caiu no meu pé, e em frações de segundos a minha vida passou na
frente dos meus olhos enquanto eu só via aquela coisinha estranha soltando
gás pra cima de mim. Respirei fundo, protegi os olhos e puxei as pessoas
pra longe da bomba enquanto eu tentava chutá-la pra longe.
BOOOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!!
Mais e mais bombas foram lançadas em cima da gente, e mais e mais pessoas
se separavam do grupo, não tinha como se manter unido ali. A Manifestação
se fragmentou.
Eu desci para a Avenida (era a 23 de Maio ali? Não me lembro, tinha muita
fumaça no meu cérebro), onde fiquei com a pior parte da Manifestação: os
"Vândalos". Foi ali que eu aprendi a defender a Realidade, e não os fatos
impostos garganta abaixo.
A Polícia vinha de carro atirando borracha na gente, bem estilo joguinho de
tiro, sabe? Você vê uma coisa se mexendo, você atira. Simples assim. O que
o pessoal pensou em fazer? Debilitar a Polícia de seus carros. Fizeram
barreiras nos chãos para que a Polícia não passasse mais brincando de
tiro-ao-alvo na gente, e barricadas foram feitas. Concordo com as
barricadas? Não. Concordo com brincarem de atirar na gente por diversão?
Menos ainda. Fica ao seu critério achar se deveríamos ou não ter feito as
barricadas.
A Polícia ficou a pé, igual a gente. A moça do meu lado estava ali de boa
quando tomou um treco na cabeça. O cara com ela (possível namorado)
assustou e berrou: "EU NÃO TÔ NA BRIGA, MERDA!!!!" A Polícia não liga muito
porque nessa hora é muita ameaça que representamos, sabe? 1 camiseta, 1
cueca, 1 calça, 1 par de tênis podem ferir mortalmente um policial
potentemente armado e protegido. Cuidado.
Por vezes e vezes pensei: "quero ir embora, a polícia tá metendo bala em
tudo quanto é gente, tá passando por cima de latões, por cima de lixo, por
cima de tudo, e depois vão falar que fomos nós!!!!! Eu quero ficar vivo pra
poder viver o dia de amanhã, mas..... mas.... pq eu não vou? Pq eu fico e
luto? Pq????" Eu não entendia ainda muito bem o porquê da minha vontade de
ficar e defender um ideal. Era difícil, pra mim, acordar em tão pouco
tempo, sabe?
Subi a Rua da Consolação ao lado da Cavalaria Policial depois que fomos
dispersados. Pensei "acabou". Subi e lá encontrei os repórteres gravando o
que o pessoal - indignado - dizia para a TV. Pensei "estou seguro, ninguém
jamais faria qualqu....."
BOOOM!!!!!!!!!
Câmera cai. Bomba no meio do povo. Dispersão. Medo. Liberdade de expressão
zero.
Meu mundo caiu ali. Fiquei sem palavras. A Polícia atirou bomba em pessoas
que não tinham nenhuma arma que não a voz. Seria o poder do povo tão forte
assim???
Subindo a Consolação, um milagre. A Manifestação se reencontrou! Estávamos
em 2, depois em 100, depois em 1.000! O restinho da Manifestação que ainda
lutava por Direitos estava ali!!!! UFA!!!!!! Ninguém desistiu tanto assim!
Nos unimos e berramos "Oooooo, o povo acordou!!!" várias vezes, meio
entristecidos, mas contentes de termos encontrado outros guerreiros pelos
Direitos alheios.
Se tinha uma coisa que aquelas bombas tinham feito era ter me instaurado um
medo interno gigantesco, mas.... um presente apareceu depois de alguns
metros. Um eco vinha de uma rua estreita, pequena... Não dava pra entender
muito bem, mas era muito barulho. Pensei "POLICIA, CORRE, GENTE!!!". Não
era a Polícia.
Eram os outros 4.000 que havíamos perdido lá atrás na República! Do nada,
da minha direita, vem descendo mais uns 3.000!!!! O grupo INTEIRO estava
todo reunido!!!! A sensação de libertação do medo passou num instante assim
que eu me dei conta de uma única coisa:
"Eles podem machucar o meu corpo, mas não posso permitir que machuquem o
meu espírito. Jamais!"
E foi ali que eu nasci de novo. Nasci para o mundo, nasci para a Vida.
Claro que aquilo estava longe de acabar pois a Tropa de Choque nos
encurralou para que não chegássemos à Paulista, dae desviamos para a
Angélica. Pensei comigo "isso é um erro, porque a Angélica é gigantemente
fechada pros lados, só tendo Norte ou Sul", mas fiquei na minha. Quando
ouvimos alertas da Tropa de Choque atacando por trás e pela frente, a
concentração se abraçou, sentou no chão e pedia "SEM VIOLÊNCIA!!!".
Não sei quantas bombas foram, sério. A menina que estava a 25 passos à
minha frente tomou uma bomba nos peitos. Deduzi que era quente porque ela
berrava de dor enquanto aquela granadinha soltava alguma coisa que parecia
ser uma massa densa de calor, vapor, queimando a pele dela, a roupa, e ela
ficava desesperada aos segundos.
Válido? Pense você, mas só você, sem o auxílio da TV.
Eu continuarei lutando até que mais e mais pessoas acordem. Espero que você
não me xingue, pois eu não xingo você. Eu te entendo se você está com medo,
eu também estava. Você acordará no seu tempo. Ou no seu tempo, ou quando
alguém querido seu tomar uma bala na cabeça por respirar quando um policial
não havia permitido. Esperemos que você nunca passe por isso.
Victor Samuel Bueno Rosa - viciado em trabalhar com idiomas, comer comida
vegana, estudar de tudo um pouco a fim de ajudar ao próximo, ouvir e
aconselhar, além de assistir muitos desenhos. (onde está a minha arma aí?)
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