sexta-feira, 14 de junho de 2013

A manifestação e o renascer de um boizinho "Um depoimento" 14/05/2013

Rodrigo Queluz
Tá rolando um depoimento sensacional na rede, sobre um rapaz que não apenas presenciou tudo, mas soube absorver e renascer com isso!! O depoimento é excelente, e gostaria de compartilhar com os amigos do blog. Não sou de postar muito, aliás faz tempo que não posto, mas esse aqui não poderia deixar de compartilhar!
O link do depoimento é: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10200757119463335&set=a.1632425843520.2088256.1022875139&type=1
E o depoimento em si:

A maravilhosa manifestação "pacífica"

Para quem não me conhece, deixarei uma pequena ilustração de como era a

minha mentalidade: acordar para trabalhar e fazer dinheiro me manterá livre

de todos esses problemas de gente anarquista que briga desnecessariamente

contra a Polícia. Uniforme representa Ordem e Respeito, e eu fui educado a

respeitar.

Eu corrigi minha irmã dias atrás quando ela me disse "a gente deve

respeitar quem exige respeito" para "a gente respeita quem demonstra

respeito". Mal sabia eu que a vida esfregaria na minha cara a dura

realidade daquilo que eu acabara de verbalizar.

Era uma bela Quinta-feira, e eu tinha de trabalhar, mas a linha que pego

pra trabalhar estava parada. Poderia eu pegar 3 ou 4 ônibus a fim de ir

para o trabalho? Sim, mas como eu trabalho em diferentes partes daquela

linha, eu dependeria não mais dos 15min de trem, mas dos 45min de ônibus,

luxo que eu não possuía. Tive de cancelar meus trabalhos do dia. O que me

restou? Ficar em casa escrevendo, lendo e estudando.

Fui chamado para essa tal de "Manifestação Pacífica" que teria início em

frente ao Teatro Dom Pedro, mas eu me recusei a ir. Por que? Oras, preciso

explicar? Manifestantes anarquistas bocós invadindo espaços privados só

para mostrar que são pobres e não tem emprego? Não, obrigado pelo convite.

Fiquei em casa. Cocei. Dormi. Acordei e comi. Liguei o Face e li algumas

manchetes sobre o que REALMENTE aconteceu na Manifestação dos dias

anteriores. Pensei. A cachola começou a processar informações. Descansei o

cérebro em banho-maria de informações de fontes não tão confiáveis. Li

mais. Absorvi mais. Fiquei curioso, e foi aí que tudo começou.

Acabei despertando uma curiosidade de descobrir por mim mesmo o que

REALMENTE era essa tal Manifestação. Eu ainda achava que o povão ía todo se

reunir xingando partidos (odeio Partidos, eu gosto é de Solução com gente

inteligente tomando as rédeas que sempre façam o melhor por aqueles que os

colocaram no comando), apedrejariam bonecos enormes, íam ficar berrando no

meu ouvido sobre "VOSSÊ TEIN QUE LUTÁ PELUS ÇEUS DIREITU!!!". Sério, eu sou

um cara banhado em dinheiro desde que nasci, então a minha percepção era

uma bem particular (que viria a se dissolver muito em breve).

Fui. Acabei chegando às 17h40. A Polícia havia pedido para todos os

Manifestantes sairem de dentro do Metrô Anhangabaú, e assim eles fizeram.

Alguns passinhos pra trás e simples. Lá nos encontramos e de lá fomos para

o Teatro. Andamos, vimos policiais de colete amarelo encostados nas paredes

híper de boa lá com a gente, fiquei impressionado com a quantidade de gente

em volta dos policiais, e nenhum policial/manifestante machucado. Achei

linda aquela percepção e pensei: "Nossa, eu sempre via pancadaria quando

essa água e esse óleo se juntavam, que coisa!". Continuei andando em

direção à concentração. Cheguei lá em menos de 20min. 18h00 eu já estava lá

e o pessoal estava todo unido, sorridente, feliz por estar ali. E eu lá,

perdidão com medo de alguém me roubar o iPhone. Estranhei por ninguém ter

trombado em mim pra me assaltar, e todos aqueles que trombaram em mim,

olharam de volta e disseram: "desculpa, cara". Eu não escuto isso nem

dentro das empresas onde vou todo arrumadinho!!!! Fiquei abismado, em

choque com tamanho respeito.

A concentração começou a tomar proporções que eu não imaginava. Pensei com

meus botões "uns 80 sem-ter-o-que-fazer estarão lá brigando pelo Direito do

Brasil. HAHAHAHAHA retardados e sem noção, eu devia era tá em casa

assistindo seriado que eu ganharia muito mais, tem até bolo em casa", mas

não éramos em apenas 80, não éramos apenas em 800, e não éramos apenas

8.000. A contagem foi estimada por baixo em 10.000 (números redondos ajudam

a galerinha a lembrar bem). DEZ MIL pessoas lutando pelo Direito dos

outros. Eu engoli seco o meu preconceito.

Começamos a andar, a passeata estava linda, bem organizada, as pessoas

desviavam o senhor e o carro dele de recolher lixo das ruas. Um moço até

levantou uma placa de "Vendo Ouro ou Prata" para conseguir alguma coisa

daquela concentração tão gostosa e animada. Pessoas saíam de seus

apartamentos para danças nas janelas, e não para xingar. O ritmo era tão

gostoso que cativava a todos que nos ouviam. Eu fiquei pasmo com tamanho

respeito por todos os lados. Eu comecei a entender melhor a ideia da

Manifestação.

Caminhávamos BEEEEEEM devagar, sem atropelar ninguém, sem entrar por ruas

já não previamente bloqueadas pela Polícia de Trânsito. Sério, era lindo

ver TANTA gente caminhando por onde já havia sido previamente combinado por

onde andaríamos. Tudo dentro da Lei, tudo respeitoso e harmonioso.

Fantástico, seria o que eu diria para descrever tal evento grandioso.

Andamos e andamos, pessoas dançavam nas janelas, pais colocavam seus filhos

em cima de seus ombros, familiares se abraçavam, casais se beijavam, a

galera bem educada, se portando de forma apreciada por qualquer ser humano.

Parávamos - para que a Manifestação não se esticasse muito entre cabeça e

cauda - e continuávamos quando a concentração realmente se concentrava.

Filmei tudo. Queria eu ter tudo aquilo registrado porque eu AINDA não

acreditava que tanta gente desconhecida se respeitaria ali por um ato

nacional. Eu tinha ainda 3 pés atrás quanto à educação dos manifestantes

(eu esperava ver a máscara dos manifestantes cair para ver que eles

realmente eram vândalos, agressores e mal-intencionados, mas tava difícil

já porque eu estava esperando por longos 70min já e nenhuma máscara dentre

os 10.000 caía, ninguém xingava, ninguém cuspia, quem trombava pedia

desculpa e dava abraço até, tava bem complicado achar um errante ali, mas

não perdi a fé de que alguém apareceria, que máscaras cairiam).

Chegamos na Praça da República querendo subir a Rua da Consolação. E foi

ali que as Máscaras caíram.

Paramos, concentramos, nos unimos e por ali ficamos gritando: "Oooooooo, o

povo acordou!!!! Ooooooooo, o povo acordou!!!!" Muitas pessoas tiravam

fotos, mas ninguém se mexia, não dava. A Polícia lá longe (eu diria uns....

100 metros? Mais? Não sou bom de cálculo quando se passa de 50 metros)

estava fazendo uma barricada enorme na Rua da Consolação para que nós não

subíssemos.

Ué? Não era por ali que íriamos subi...... POFT! Alguém começa a correr

desesperado pela direita traseira empurrando todo mundo. Eu logo pensei

"BADERNA! Achei!", e logo vejo o que realmente está acontecendo. A Tropa de

Choque avançou nas pessoas que seguravam as flores!

F L O R E S!!!!! A arma mais letal do Planeta Terra! A Tropa de Choque

avançou com Escudos e Cacetetes por trás da gente, encurralando a

Manifestação Pacífica na Praça.

Pensei comigo: "é AGORA que a gente revida com pedras e paus, quer ver?"

O que aconteceu? O povo se uniu, pegou quem tava caído no chão e começou

num coro lindo "SEM VIOLÊNCIA! SEM VIOLÊNCIA!". Sério, se eu tinha alguma

vergonha na cara, ela entrou pelos meus ouvidos, por minhas narinas e se

escondeu, junto com o meu preconceito e ausência de informação. Eu estava

no meio da Manifestação esperando ver a Manifestação se tornar Vândala, e o

que eu recebo como recompensa? Amor, pedidos de compreensão, tentativa de

conversar com a Tropa de Choque.

Foi ali que a MINHA máscara caiu, que os meus olhos abriram, que a minha

Realidade se tornou uma só com a dos Manifestantes. Eu era um Boyzinho, um

coxinha, um Topzinho esperando ver os Manifestantes virarem agressores, mas

em troca eu encontrei pessoas humanas dispostas a se sacrificarem por um

bem maior. Não consigo muito explicar em palavras o que eu senti, apenas

consigo dizer que tudo aquilo que me foi pintado pela Mídia da TV havia

perdido sua tinta.

Conversando com o pessoal sobre o que fazer, eles disseram: "Unidos,

galera! Unidos!". Nos unimos, e continuamos "ô motorista, ô cobrador, será

que seu salário aumentou?" Palavras pesadas, não? Merecidas de uma boas...


BOOOM!!!! BOOOOOM!!!!! BOOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!!!!!


Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas no meio da gente, na nossa

frente, atrás da gente! PRA QUÊ???????? Não tinha uma rota que seguiríamos

para depois irmos embora? Não é assim com a Marcha de Jesus? Marcha das

Vadias? Parada Gay? Marcha dos Ciclistas? Por quê com a gente tinha bomba?

Cadê o roteiro, gente?????? Pra que isso?????

Eu não passei vinagre em lugar algum. Eu fui com a cara ao tapa e disse

"Não, se é pra cheirar essa merda, eu vou cheirar, que venha a Realidade".

Senti o cheiro, chorei pra caralho, meu nariz escorreu feito uma cachoeira,

minha boca secou, a ânsia de vômito bateu e eu quis morrer ali de tanto

amargo no fundo da boca. Entendi como funcionava aquele produto químico,

dae, sim, fiz o que podia fazer. Destapei o nariz, esfreguei as lágrimas,

dei meus pulos e o efeito passou. Não vomitei, não passei mal, nada me

aconteceu. Olhei em volta e....

Gente passando mal
Gente caída no chão
Gente sem poder abrir os olhos
Gente desnorteada
Gente vomitando

Precisava???????????????

Eu fui ajudar uma menina que estava caída no chão (já que eu tinha me

perdido do meu grupo). BOOOOOM!!!!!! A menina que estava de pé na minha

frente caiu dura. A testa dela sangrando loucamente enquanto ela se

esperneava no chão. Só pude concluir que acertou uma parte bem irrigada do

rosto dela, mas eu não pude ajudá-la porque meus conhecimentos médicos são

limitados, então fui ajudar quem dava. Peguei a menina do chão, tonteada e

perdida, limpei as narinas dela e limpei os olhos dela. Ela levantou

perdida, agradeceu e foi ajudar mais alguém. O meu queixo "caiu" ali ao ver

aquela ação. Eu pensei que a menina ía correr pra longe, mas não, ela ficou

e lutou.

Eu encontrei o meu grupo de volta e os ajudei como pude. A Manifestação fez

o quê? Pegou pedras? Pegou pau? Desenvolveu super-poderes que poderiam

ameaçar a vida daqueles policiais bem protegidos e armados? Não. A gente se

uniu novamente e berrou aos quatro ventos: "CHEGA DE VIOLÊNCIA!!!! SEM

VIOLÊNCIA!!!"

A Tropa de Choque chegou com reforço, e foi aí que tudo se perdeu. Uma

bomba caiu no meu pé, e em frações de segundos a minha vida passou na

frente dos meus olhos enquanto eu só via aquela coisinha estranha soltando

gás pra cima de mim. Respirei fundo, protegi os olhos e puxei as pessoas

pra longe da bomba enquanto eu tentava chutá-la pra longe.

BOOOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!! BOOOOM!!!!!

Mais e mais bombas foram lançadas em cima da gente, e mais e mais pessoas

se separavam do grupo, não tinha como se manter unido ali. A Manifestação

se fragmentou.

Eu desci para a Avenida (era a 23 de Maio ali? Não me lembro, tinha muita

fumaça no meu cérebro), onde fiquei com a pior parte da Manifestação: os

"Vândalos". Foi ali que eu aprendi a defender a Realidade, e não os fatos

impostos garganta abaixo.

A Polícia vinha de carro atirando borracha na gente, bem estilo joguinho de

tiro, sabe? Você vê uma coisa se mexendo, você atira. Simples assim. O que

o pessoal pensou em fazer? Debilitar a Polícia de seus carros. Fizeram

barreiras nos chãos para que a Polícia não passasse mais brincando de

tiro-ao-alvo na gente, e barricadas foram feitas. Concordo com as

barricadas? Não. Concordo com brincarem de atirar na gente por diversão?

Menos ainda. Fica ao seu critério achar se deveríamos ou não ter feito as

barricadas.

A Polícia ficou a pé, igual a gente. A moça do meu lado estava ali de boa

quando tomou um treco na cabeça. O cara com ela (possível namorado)

assustou e berrou: "EU NÃO TÔ NA BRIGA, MERDA!!!!" A Polícia não liga muito

porque nessa hora é muita ameaça que representamos, sabe? 1 camiseta, 1

cueca, 1 calça, 1 par de tênis podem ferir mortalmente um policial

potentemente armado e protegido. Cuidado.

Por vezes e vezes pensei: "quero ir embora, a polícia tá metendo bala em

tudo quanto é gente, tá passando por cima de latões, por cima de lixo, por

cima de tudo, e depois vão falar que fomos nós!!!!! Eu quero ficar vivo pra

poder viver o dia de amanhã, mas..... mas.... pq eu não vou? Pq eu fico e

luto? Pq????" Eu não entendia ainda muito bem o porquê da minha vontade de

ficar e defender um ideal. Era difícil, pra mim, acordar em tão pouco

tempo, sabe?

Subi a Rua da Consolação ao lado da Cavalaria Policial depois que fomos

dispersados. Pensei "acabou". Subi e lá encontrei os repórteres gravando o

que o pessoal - indignado - dizia para a TV. Pensei "estou seguro, ninguém

jamais faria qualqu....."

BOOOM!!!!!!!!!

Câmera cai. Bomba no meio do povo. Dispersão. Medo. Liberdade de expressão

zero.

Meu mundo caiu ali. Fiquei sem palavras. A Polícia atirou bomba em pessoas

que não tinham nenhuma arma que não a voz. Seria o poder do povo tão forte

assim???

Subindo a Consolação, um milagre. A Manifestação se reencontrou! Estávamos

em 2, depois em 100, depois em 1.000! O restinho da Manifestação que ainda

lutava por Direitos estava ali!!!! UFA!!!!!! Ninguém desistiu tanto assim!

Nos unimos e berramos "Oooooo, o povo acordou!!!" várias vezes, meio

entristecidos, mas contentes de termos encontrado outros guerreiros pelos

Direitos alheios.

Se tinha uma coisa que aquelas bombas tinham feito era ter me instaurado um

medo interno gigantesco, mas.... um presente apareceu depois de alguns

metros. Um eco vinha de uma rua estreita, pequena... Não dava pra entender

muito bem, mas era muito barulho. Pensei "POLICIA, CORRE, GENTE!!!". Não

era a Polícia.

Eram os outros 4.000 que havíamos perdido lá atrás na República! Do nada,

da minha direita, vem descendo mais uns 3.000!!!! O grupo INTEIRO estava

todo reunido!!!! A sensação de libertação do medo passou num instante assim

que eu me dei conta de uma única coisa:

"Eles podem machucar o meu corpo, mas não posso permitir que machuquem o

meu espírito. Jamais!"

E foi ali que eu nasci de novo. Nasci para o mundo, nasci para a Vida.

Claro que aquilo estava longe de acabar pois a Tropa de Choque nos

encurralou para que não chegássemos à Paulista, dae desviamos para a

Angélica. Pensei comigo "isso é um erro, porque a Angélica é gigantemente

fechada pros lados, só tendo Norte ou Sul", mas fiquei na minha. Quando

ouvimos alertas da Tropa de Choque atacando por trás e pela frente, a

concentração se abraçou, sentou no chão e pedia "SEM VIOLÊNCIA!!!".

Não sei quantas bombas foram, sério. A menina que estava a 25 passos à

minha frente tomou uma bomba nos peitos. Deduzi que era quente porque ela

berrava de dor enquanto aquela granadinha soltava alguma coisa que parecia

ser uma massa densa de calor, vapor, queimando a pele dela, a roupa, e ela

ficava desesperada aos segundos.


Válido? Pense você, mas só você, sem o auxílio da TV.


Eu continuarei lutando até que mais e mais pessoas acordem. Espero que você

não me xingue, pois eu não xingo você. Eu te entendo se você está com medo,

eu também estava. Você acordará no seu tempo. Ou no seu tempo, ou quando

alguém querido seu tomar uma bala na cabeça por respirar quando um policial

não havia permitido. Esperemos que você nunca passe por isso.


Victor Samuel Bueno Rosa - viciado em trabalhar com idiomas, comer comida

vegana, estudar de tudo um pouco a fim de ajudar ao próximo, ouvir e

aconselhar, além de assistir muitos desenhos. (onde está a minha arma aí?)

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