Da BBC Brasil
Rupert Wingfield-Hayes
Da BBC News em Tóquio
Há vinte anos, o Japão teve de enfrentar uma situação de crise
bancário semelhante à que a Europa e os EUA estão tentando contornar
agora, mas não apelou para duras medidas de austeridade para resolver a
situação.
Nos anos seguintes, o Japão viveu uma de suas piores crises, mas
evitou o colapso vislumbrado por algumas economias europeias. As ruas de
Tóquio não foram palco de manifestações violentas, o desemprego
permaneceu baixo e a economia continuou a crescer, embora lentamente.
Como o Japão evitou o "caminho europeu"?
Para simplificar: o governo japonês tomou uma série de medidas para aumentar seus gastos e o nível de consumo na economia.
Painéis solares
Exemplos dessas medidas são visíveis pelo país. Em uma rua estreita,
no sul de Tóquio, um grupo de jovens descarrega novos painéis solares de
uma caminhonete para instalá-los no telhado de uma casa.
Hideharu Terasawa, dono da loja que vende os painéis, diz que as
vendas só têm se mantido em níveis razoáveis graças a subsídios do
governo.
O telhado pertence a uma jovem dona de casa que tem um bebê de um ano
de idade. Motoyoshi pagaria pelos painéis US$ 25 mil (R$ 50,9 mil).
Mas, em Tóquio, até metade dos custos são cobertos por esses subsídios
governamentais.
"Quando ouvi que os subsídios poderiam acabar, decidi que era hora de instalar os painéis", diz Motoyoshi.
O esquema faz parte do mais recente plano do governo japonês para estimular o consumo.
A loja de produtos elétricos de Terasawa fica no norte de Tóquio e
ele conta que os últimos anos têm sido complicados para os negócios. A
venda e instalação de painéis solares foi uma exceção.
"Sem subsídios, não haveria negócios", diz ele. "Não sei como vou vender painéis quando a ajuda acabar."
Não há dúvidas, portanto, que o esquema é bom tanto para Motoyoshi
quanto para Terasawa. Mas talvez não seja tão interessante para o filho
de Motoyoshi, Ko Chan. Com um ano, ele já deve US$ 100 mil (R$ 203,5
mil) - a sua parte da dívida nacional japonesa.
Gastos
A quantidade de recursos que o governo japonês gastou nos últimos 20 anos para impulsionar a economia é impressionante.
Só na década de 90, foram gastos cerca de US$ 2 trilhões (R$ 4
trilhões) em obras de infra-estrutura, rodovias, estradas, pontes e
túneis. E a gastança continua.
O mais novo anel viário de Tóquio está a uma hora do centro da cidade
e corta imensas montanhas verdes com túneis que chegam a dois
quilômetros de extensão. Seu custo teria sido de US$ 1 milhão (R$ 2
milhões) por metro.
Yoshihiro Hashimoto vive em um desses vales que no passado eram áreas
bucólicas, repletas de tranqüilidade. Hoje são cortados por rodovias.
Para ele, as novas estradas não são apenas desagradáveis para os olhos, mas também um desperdício de dinheiro.
Antes da construção, acreditava-se que 50 mil veículos passariam pelo
novo anel viário todos os dia. Segundo Hashimoto, hoje o número de
carros circulando por essa via não passa de 10 mil.
"O governo está construindo estradas como essa em todo o Japão", diz
ele. "Temos trilhões de ienes em dívida, mas eles continuam a construir
mais e mais. Estou realmente preocupado com o legado que estamos
deixando para as próximas gerações."
Dívida
O índice de desemprego japonês, de 4,2%, é baixo se comparado ao da
maioria dos países da OCDE e a economia do país está em expansão. Neste
ano, o PIB deve crescer 2,2% - uma cifra que a maioria dos países
europeus hoje adoraria alcançar.
Mas o Japão também está ficando famoso por sua sede de concreto. Há
pontes que não levam a lugar nenhum e 70% da costa japonesa já está
asfaltada.
Um dos exemplos mais infames de desperdício é um museu de arte moderna erguido na cidade de Nagoya.
Foram gastos tantos recursos na construção do edifício que não sobrou
dinheiro para comprar as obras de arte que seriam expostas em suas
salas e corredores.
O lado positivo da gastança é que o Japão não exibe hoje os traços típicos de uma economia em crise.
Essa é, inclusive, uma das primeiras coisas que os estrangeiros notam
ao chegar em Tóquio. Os carros são novos, os trens, reluzentes e os
edifícios, modernos.
Mas o custo desse crescimento é grande - a maior dívida pública do mundo, de US$ 13 trilhões (R$ 26 trilhões).
Tal nível de endividamento pode acabar criando uma nova crise. E,
mesmo se esse risco for evitado, as contas que terão de ser pagas pela
próxima geração são assustadoras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário