Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sergei Lavrov |
As políticas regionais da Rússia estão-se posicionando para uma virada dramática, agora que a Rússia ofereceu aos EUA uma base aérea a ser usada como entreposto, no trânsito de soldados e suprimentos militares destinados ao Afeganistão. Há nessa oferta alguma deliciosa ironia: a base que os russos ofereceram aos norte-americanos e à OTAN está localizada na cidade de Ulyanovsk às margens do rio Volga – cidade natal de Vladimir Ilyich Lênin.
Em termos geopolíticos, o movimento do Kremlin é estratégico. O Kremlin está sinalizando, e espera de que Washington perceba, que a próxima presidência de Vladimir Putin poderá levar o pragmatismo, na política externa russa, a píncaros nunca antes imaginados; basta, para isso, que os EUA retribuam.
E, de fato, Washington já está retribuindo – ao sinalizar que pode partilhar com os russos, como "medida para construir confiança", alguns dados secretos relacionados ao sistema de mísseis de defesa, tema que interessa muito a Moscou.
A oferta da base militar para uso de OTAN-EUA, contudo, talvez exija mais um gesto de gratidão. Alguém arrisca algum palpite? Meu palpite é que Putin talvez seja convidado para participar do encontro histórico, em maio, em Chicago, quando se comemorarão os 60 anos da OTAN.
Pelo menos duas capitais do Oriente Médio (Teerã e Damasco), e uma capital do Extremo Oriente (Pequim), além de pelo menos mais três capitais centro-asiáticas (Bishkek, Dushanbe e Tashkent) levarão grande susto, ante a perfeita coordenação, cronometrada, de todos esses passos. Não há motivo para sustos. A Rússia pós-soviética jamais escondeu que seus interesses nacionais e um empenhado pragmatismo, são e sempre serão o leitmotif da política exterior do Kremlin.
E considerem também um outro ângulo. As compulsões de Moscou são genuínas e, talvez, compreensíveis. Em poucas palavras: a Rússia precisa desesperadamente da retomada do tal "reset". Floreios retóricos à parte, a dura verdade é que a política exterior russa já sabe que está num beco sem saída.
A Rússia estagnará, a menos que consiga acesso aos capitais e à tecnologia do ocidente. Mas os laços com o ocidentes estão em baixa, e Moscou teme ser condenada à posição de sócio júnior da China. Do ponto de vista das elites políticas em Moscou, o melhor que pode acontecer à Rússia será Barack Obama, de algum modo, dedicar alguma atenção às preocupações dos russos.
E, sim, será uma grande alegria, para Obama, se tiver os russos ao seu lado, na guerra do Afeganistão. Claro que, simultaneamente, a Rússia fará algum dinheiro, com o aluguel que os EUA pagarão pela base militar de Ulyanovsk (250 milhões de dólares por ano), mas o Pentágono não achou caro. Em troca, os EUA auferirão bom lucro: a Rússia não voltará a jogar sujo, instigando o Quirguistão a ordenar o fechamento da base norte-americana em Manas.
O secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, visitou Bishkek, Quirguistão, na 3ª-feira, 15/3, para discutir a prorrogação do contrato de aluguel da base militar em Manas – que expirará em julho de 2014. Mas o governo do Quirguistão, aliado bem próximo de Putin, nada disse, nem sim nem não. Agora, Washington volta a esperar que Bishkek baixe a crista.
Quer dizer: se Rússia e EUA juntarem-se nesse tenebroso negócio da guerra no Afeganistão, diminuirá a dependência, de Washington, das duas rotas de suprimento (e retirada) que cruzam o Paquistão. O que criará melhores condições para Washington, no trabalho de negociar mais calmamente o reinício dos contatos com Islamabad.
Islamabad investe grandes esperanças numa visita de Putin, que auguraria novo capítulo no grande jogo da Ásia Sul e Central. Tudo isso estava previsto no congelamento das relações entre EUA e Rússia. E pode bem virar caso clássico de negócio de dá errado no último e inesperado momento.
Lênin |
Se a Rússia virar "acionista", na presença militar de EUA-OTAN no Afeganistão, Islamabad terá de refletir sobre os efeitos da "parceria". E Cabul e Teerã, também.
Fato é que o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, foi muito claro e deixou pouco espaço para especulações. Na 4ª-feira, Lavrov disse, em Moscou, que "os russos estamos interessados em que os [norte-americanos] que lutam contra os problemas do Afeganistão que preocupam a Rússia [o terrorismo] completem eficientemente o serviço" [1]. Falou Lavrov, diplomata brilhantíssimo. Viu-se um sorriso, no rosto embalsamado de Lênin.
Nota dos tradutores
[1] 14/3/2012, RIANovosti, em: "Gov't Yet to Decide on Ulyanovsk NATO Transit Base - Lavrov". *MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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