quarta-feira, 16 de maio de 2012

O algoritmo do PageRank do Google 16/05/2012


Um diagrama do capitalismo cognitivo e da exploração da inteligência social geral
16/3/2010, Matteo Pasquinelli: Google’s PageRank Algorithm: A Diagram of the Cognitive Capitalism and the Rentier of the Common Intellect - publicado in BECKER, Konrad, STALDER, Felix (eds), Deep Search, London: Transaction Publishers, 2009 (com tradução para o alemão, o italiano e o japonês)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“No coração [da empresa Google] está o algoritmo de PageRank que Brin e Page escreveram quando ainda estudantes de graduação em Stanford nos anos 1990. Perceberam que cada vez que uma pessoa que tenha página na web linka sua página a outra, está manifestando um julgamento. Está declarando que considera importante a outra página. Perceberam também que, se cada link da web contém uma pequena porção de inteligência humana, todos os links combinados contém grande quantidade de inteligência – muito mais, de fato, que qualquer mente humana poderia conter. O motor Google de busca reúne essa inteligência, link a link, e usa o resultado para determinar a importância de cada uma e de todas as páginas que há na web. Quanto maior o número de links que levam a uma página, maior o valor da página. Nas palavras de John Markoff, o programa de Google “explora sistematicamente o conhecimento humano e as decisões humanas sobre o que é significativo”. Cada vez que escrevemos um link ou clicamos num link, estamos alimentando o programa Google com nossa própria inteligência. Estamos tornando a máquina um pouco mais inteligente – e, simultaneamente, estamos tornando Brin, Page todos os acionistas da empresa Google um pouco mais ricos”  (Nicholas Carr, The Big Switch) [1]
Resumo
Matteo Pasquinelli
A origem do poder e do monopólio da empresa Google deve ser buscada no algoritmo PageRank, invisível. O diagrama dessa tecnologia é exposto aqui como a mais perfeita descrição de máquina de valor no coração do que tem sido denominado “economia da atenção” ou “capitalismo do conhecimento” [dito “cognitivo” [I]]. Esse ensaio destaca a necessidade de que se construa uma economia política do algoritmo PageRank, em vez de continuar a expandir a crítica dominante, contra o monopólio da empresa Google, baseada no modelo do Panopticon ou de equivalentes de algum “Big Brother” (questões de datavigilância, privacidade, censura política). O poder da empresa Google é visto aqui, antes de tudo, da perspectiva da produção de valor (em diferentes formas: valor de atenção, valor de conhecimento, valor de rede, etc.): as consequências biopolíticas do uso que a empresa faz dos dados de que se apropria e que acumula são posteriores, no plano lógico.
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Nesse ensaio, oferecem-se três principais argumentos sobre a “economia Google”, considerando respectivamente: a produção de valor, a acumulação de valor e a reapropriação de valor.
Primeiro, o PageRank da Google é apresentado como a melhor implementação do diagrama do capitalismo cognitivo. Esse diagrama cognitivo e econômico inverte, de fato, o diagrama do Panopticon de linhagem Foucauldiana: não é simplesmente aparelho de vigilância e controle, mas também uma máquina para capturar tempo e trabalho vivos e transformar a inteligência geral social em valor de rede. A Datavigilância só tornada possível, portanto, graças exclusivamente a um monopólio de dados que já foram previamente acumulados mediante o algoritmo de PageRank.
Segundo, esse modelo de hegemonia cognitiva exige que se compreenda uma nova teoria da exploração do conhecimento, baseada na exploração de uma nova paisagem da mídia a favor de uma inteligência pressupostamente coletiva, que só aparentemente é livre e aberta. A empresa Google é aqui definida como parasita do contexto digital: de um lado, oferece serviços beneficentes gratuitos; de outro lado, acumula valor numa plataforma pervasiva de publicidade para a web (Adsense e Adwords).
Mais importante: a empresa Google estabelece sua própria hierarquia proprietária de valor para cada node da internet e, assim, torna-se a primeira empresa rentista global sistemática a viver da exploração da inteligência geral social.
Terceiro, só será possível conceitualizar e organizar uma resposta política, se se inverter a cadeia de produção de valor (em outras palavras: “Cobre pelo seu page rank!”), em vez de tantos se consumirem em resistência só nominal contra algum “Panopticon digital”.
Parte considerável dos recentes estudos críticos sobre a empresa Google concentram-se quase exclusivamente na natureza imperial do monopólio, quer dizer: na posição dominante da empresa comercial, nas questões de invasão de privacidade, na censura política (sempre contra a China) e no aparelho global de datavigilância. [2] São raros os estudos sobre o motor econômico molecular que opera no coração daquela dominação.
Enquanto tantos estudos críticos abusam da terminologia Foucauldiana e forçam os modelos para visualizar alguma espécie de Panopticon digital que descreveria a empresa Google, mais importante é fazer ver que o poder da empresa, nesse caso, está oculto na matriz econômica que se conhece sob o nome-código cabalístico de PageRank — o sofisticado algoritmo que avalia e determina a importância de uma webpage e sua posição hierárquica no conjunto dos resultados do motor de busca. [3]
Como se demonstra nos parágrafos seguintes, o mecanismo conhecido como PageRank opera de modo que pode ser intuitivamente compreendido sem dificuldade; mas ainda não se tem, construída, uma “economia política” desse aparelho.
Embora muito se discuta a dimensão biopolítica da empresa Google (discussão articulada, quase sempre, na terminologia pós-estruturalista já citada), ainda falta qualquer análise bioeconômica que explique como a empresa Google extrai valor de nossa própria vida e converte a inteligência geral social em riqueza e valor de rede dos quais a empresa apropria-se. À parte a preocupação legítima, há o abuso de um paradigma Foucauldiano, para mostrar só um lado do problema; o poder na empresa Google não é alguma espécie de entidade metafísica; ele brota da plataforma tecnológica e do modelo de negócio da empresa.
Como diz Paolo Virno, para realmente compreender o que é a biopolítica, temos de começar por compreender a potencialidade de nossos próprios corpos vivos e de nosso próprio trabalho vivo: as estruturas biopolíticas vêm depois, como aparelho para capturar essa potencialidade. [4]
É preciso inverter a metáfora do Panopticon: a empresa Google não é simplesmente um aparelho de datavigilância que desce sobre nós, vindo de cima para baixo; ela é, também, um aparelho que produz valor de baixo para cima. Dito claramente: a empresa Google produz e acumula valor mediante o algoritmo conhecido como PageRank, pelo qual a nossa inteligência social geral é posta numa escala proprietária de valores. Aí está a questão crucial, o cerne duro do problema.
A economia política de Google Inc. tem de começar pela economia política de PageRank
O PageRank da empresa Google foi apresentado pela primeira vez por Sergey Brin e Lawrence Page, em artigo de 1998, “The Anatomy of a Large-Scale Hypertextual Web Search Engine” [Anatomia de um motor de busca hipetextual de larga escala para a Web]. [5] O algoritmo chamado PageRank produziu uma revolução nas tecnologias de recuperação de informação [or. Information Retrieval, IR] e no panorama de motores de busca que se conhecia no final dos anos 90s. Pela primeira vez, o oceano aparentemente imóvel dos dados que circulam pela Internet foi classificado e os dados foram distribuídos, pela empresa Google, em hierarquias dinâmicas, conforme a visibilidade e a importância de cada página [orig. website]. 
Esse rankeamento das páginas da web pode ser entendido intuitivamente: o valor de cada página é determinado pelo número e pela qualidade dos links que procuram cada página. Um link que chegue, vindo de um endereço que esteja classificado no topo da lista das páginas rankeadas, vale mais que um link que chegue, vindo de página classificada na região inferior da lista das páginas rankeadas.
Enquanto, nos final dos anos 1990s, motores de busca (como o da empresa Yahoo) ainda classificavam à mão as páginas da web, para organizá-las em estrutura de árvore, típica da estrutura do conhecimento enciclopédico, a empresa Google apareceu com uma fórmula para localizar e atribuir um valor semântico a qualquer hipertexto, por dinâmico e caótico que fosse. PageRank começou por descrever as páginas da web segundo a popularidade de cada página, e o motor de busca devolvia uma hierarquia de resultados, conforme o critério de rankeamento então usado. 
Além das árvores do conhecimento (da empresa Yahoo) e dos rankings (da empresa Google), há outras técnicas para Recuperação de Informação, e outras serão desenvolvidas no futuro. [6] O programa e a fórmula matemática do algoritmo do PageRank são, considerados em si, um constructo altamente complexo só acessível a matemáticos profissionais treinados: aqui, são oferecidos num nível acessível de compreensão, para que se possa tentar uma primeira análise política desse aparelho. [7]



O diagrama acima, de PageRank, está na página da Wikipedia desde 2009 e foi incluído no texto original do artigo. 



Em 2012, na mesma página, vê-se outra figura para ilustrar o mesmo conceito, muito mais ‘simpática’, extraída “do Fã Clube do Google”:
Nem uma nem outra dessas imagens tem qualquer semelhança com a estrutura centralizada do Panopticon descrito por Foucault em Vigiar e Punir. [8] A natureza líquida e hipertextual da rede (e, em termos mais gerais, da noosfera) tem de ser ilustrada de outro modo.
Pode-se traçar intuitivamente um diagrama do capitalismo do conhecimento – na estrutura de um hipertexto – cada link simétrico substituído por um vetor assimétrico de energia, dados, atenção ou valor. O que PageRank desvela e afere precisamente é essa constituição assimétrica de todos os hipertextos e redes.
A fonte de inspiração para criar PageRank foi o sistema acadêmico de citações e referências. O “valor” de uma publicação acadêmica é, como se sabe, calculado de modo muito matemático, conforme o número de citações que um artigo receba em outros artigos. Consequentemente, a classificação geral [orig. ranking] de um artigo ou publicação acadêmica é a soma de todas as citações que o artigo ou publicação tenha recebido. Como explicam Brin e Page:
Aplicou-se à rede a literatura de citações acadêmicas, em boa parte contando as citações de, ou os links para, uma determinada página. Tem-se assim boa aproximação da importância ou qualidade de uma página. PageRank estende essa ideia; mas não conta os links de todas as páginas como se fossem equivalentes e, sim, atribui peso ao número de links que cada página receba. [9]
Essa genealogia “livresca” de PageRank não deve ser subestimada. Pode-se aplicar modo similar de descrever o valor a qualquer objeto de conhecimento [“cognitivo”]; e é modo genealogicamente equivalente à “sociedade do espetáculo” e àquela economia selvagem de marcas. Num regime de espetáculo, o valor de uma mercadoria é produzido, principalmente, por uma condensação de atenção e desejo coletivo, dirigido pelos meios de comunicação e publicidade de massa. Das publicações acadêmicas às marcas comerciais e à internet, que se auto- avalia e auto-rankeia-se, pode-se em todos os casos assumir que haja processos equivalentes de condensação de valor.
Como a colonização digital deu presença online a toda e qualquer entidade offline, essa matriz de relações sociais e de valor migrou para o mundo online e tornou-se digitalmente rastreável e mensurável pelos motores de busca. PageRank descreve especificamente o valor de atenção de qualquer objeto, a tal ponto que se tornou a principal e mais importante fonte de visibilidade e autoridade, mesmo fora da esfera digital. PageRank oferece uma fórmula de acumulação de valor que é dominante e compatível, em vários diferentes domínios midiáticos: é um diagrama que efetivamente descreve em geral a economia da atenção e a economia do conhecimento.
A noção de economia da atenção é útil para descrever o modo pelo qual (parte do) valor de uma mercadoria é produzido hoje mediante a acumulação de desejo (dirigido pela mídia) e de inteligência. [10]
Quanto à constituição desse valor, outras escolas de pensamento falarão de “capital cultural” (Pierre Bourdieu), [11] “capital coletivo simbólico” (David Harvey), [12] ou de inteligência geral social [orig. general intellect] (especialmente na tradição do pós-Operaismo, com mais atenção aos traços de saberes, de conhecimento [“cognitivos”]. Antes da internet, esse processo era descrito como movimento coletivo difuso. Depois da internet, a estrutura das relações de rede em torno de um determinado objeto pôde ser facilmente traçada e mensurada. PageRank é a primeira fórmula matemática que permitiu calcular o valor de atenção de cada node numa rede complexa e o capital de atenção geral de toda a rede.
Qual é a natureza do valor medido por PageRank? Muito interessante ver que cada linkagem e cada vetor de atenção não são simplesmente gestos instintuais, mas são concretizamentos de inteligência, e, muitas vezes, são atos conscientes. Se “está na moda”, hoje, descrever a sociedade em rede como uma conurbação de fluxos desejantes, ainda assim esses fluxos são densos de saberes e de conhecimento e participam também da atividade de uma inteligência social geral comum de todos.
Na citação que aparece na introdução desse artigo, Nicholas Carr descreveu muito bem o modo como trabalha o PageRank da empresa Google, como alimenta-se de nossa inteligência coletiva e como o valor produzido e acumulado é extraído desse intelecto comum. PageRank assim estabelece sua própria economia da atenção, mas grande parte desse capital de atenção é, mais precisamente, construído de capital intelectual, dado que cada link [elo/enlace/ligação] que alguém crie manifesta um concretizamento de inteligência, de saberes. Nesse sentido, a empresa Google é um aparelho parasitário de captura do valor produzido pela inteligência social geral comum de todos. [13]
A teoria das redes poderia existir sem alguma noção de valor de rede – uma noção de valor que seja específica do ecossistema e da economia da rede? Vasculhando a densa massa de conhecimento e saberes que circula da internet, PageRank é, precisamente, um mecanismo responsável por atribuir um valor que permite classificar, uns em relação aos outros, cada node da rede e construir um ranking. Esse valor de relação aferido pela empresa Google é reconhecido extraoficialmente como a moeda da economia global da atenção; e influencia, de modo crucial, a visibilidade online de indivíduos e empresas e, assim, também o prestígio e preços de comercialização e business de indivíduos e empresas. Esse valor de atenção é, em seguida e de diferentes modos, convertido em valor monetário.
Se o algoritmo PageRank ocupa o núcleo mais duro da empresa Google como matriz dominante, o dinheiro lhe chega pela plataforma Adwords, de venda de publicidade, que explora a posição dominante da empresa (99% das entradas chegam à empresa Google pela venda de publicidade, segundo o Relatório Anual 2008). [14] O algoritmo PageRank, “mais” os gigantescos centros de dados (que trabalham 24 horas/dia, ininterruptamente indexando a rede), garantem uma posição de monopólio aos canais de publicidade da empresa Google.
O modo pelo qual a empresa Google gera valor merece análise mais atenta. Ao contrário dos veículos tradicionais de comunicação de massa, a empresa Google não produz qualquer tipo de conteúdo. Claramente, a Google captura o pensamento de milhões de websites e de usuários, graças ao seu programa de venda e distribuição de publicidade, o Adsense. O Adsense da empresa Google garante uma infraestrutura leve para a publicidade que penetra, que se infiltra, por cada interstício da rede, como parasita sutil e monodimensional, extraindo lucro, sem produzir qualquer conteúdo.
O dinheiro entra no ciclo em Adwords e daí é distribuído por Adsense para blogueiros individuais ou empresas que operam pela rede. Na economia da internet, tanto o tráfego de uma página como a redistribuição do valor são hoje amplamente governados por PageRank. PageRank está no coração da economia da atenção da internet, como está também no cerne de uma economia geral do prestígio que afeta muitos outros domínios controlados direta ou indiretamente pela empresa Google (considerem-se, por exemplo, a Academia e Google Scholar; a indústria da música e YouTube, etc. – e são muitos os casos de simbiose entre a internet e o show business).
O que PageRank faz é identificar e mensurar o valor de rede, de forma absolutamente numérica. Se, tradicionalmente, se descrevia uma mercadoria pelo valor de uso e pelo valor de troca, o valor de rede é outra camada que se acrescentou àquelas duas, para descrever relações chamadas “sociais”. Para muitos, a expressão, usada nesse quadro, é ambígua, porque parece apontar simplesmente para um “valor de redes” (como a muito celebrada “riqueza de redes” de Benkler). [15] 
Para ser mais preciso, é preciso introduzir e articular aqui uma nova noção de mais-valia da rede. [16] De fato, PageRank produz o que Deleuze e Guattari descreveram como um valor de mais-valia maquínico, que se refere à mais-valia acumulada em todo o domínio cibernético, que é a transformação de um valor de mais-valia do código, em uma mais-valia do fluxo. [17] Com PageRank, a empresa Google não conquistou simplesmente uma posição dominante no armazenamento de indexes de rede: conquistou também o monopólio da produção desse valor de rede.
O diagrama de PageRank chama a atenção para um importante aspecto da relação entre dois nodes de qualquer rede. Essa relação jamais é puramente simétrica, mas assimétrica: cada link anda só numa direção, como uma flecha, cada link representa um intercâmbio de desejo, atenção, saberes e conhecimento que jamais é simétrica. A relação jamais é binária e igual; de fato, é ternária, dado que sempre há um terceiro node que a influencia e, assim, há um acúmulo de valor absorvido para outra direção. Nenhuma rede jamais é plana e horizontal. 
A ontologia digital é sempre influenciada por valores e redes materiais externos, pelo mundo análogo do trabalho e da vida (que é a influência dos campos da biopolítica e da bioeconomia).
Nenhuma rede jamais é simétrica e homogênea; é uma superfície topológica eriçada de vórtices moleculares. Entre as hierarquias verticais do conhecimento tradicional e as – tão celebradas – redes horizontais da produção de conhecimento de hoje, a dimensão vortical [dos vórtices] mostra como os dois eixos estão sempre conectados e como hierarquias dinâmicas continuam a nos seguir também para o reino digital. O PageRank da empresa Google instalou-se precisamente nesse movimento que modela a esfera coletiva do conhecimento e a internet em vórtices moleculares de valor.
Unindo num único objeto teórico (a) a topologia semântica de PageRank, (b) a acumulação vortical de valor que afeta as redes e (c) a noção de mais-valia maquínica, podemos começar a esboçar um novo diagrama da economia do conhecimento, ou, mais precisamente, do capitalismo do conhecimento (no qual aparece autoevidente a dimensão capitalista da empresa Google). [18]
Nos parágrafos acima, tentei mostrar como o valor é produzido coletivamente dentro das redes digitais, e depois capturado pela fábrica imaterial da empresa Google Inc. Uma vez introduzidos à questão da produção do valor de conhecimento, é importante esclarecer os estágios e modos pelos quais é acumulado. O estudo do caso Google ajuda a iluminar a questão mais geral de como o capitalismo do conhecimento extrai mais-valia e “faz dinheiro”.
Para entender a economia do conhecimento de hoje, e as indústrias culturais, também é importante distinguir entre diferentes modelos de negócio e, sendo possível, visualizar, não, simplesmente, uma tipologia, mas uma assemblage maquínica de diferentes regimes de acumulação.
Numa visada básica, a economia do conhecimento é atualmente descrita por dois paradigmas dominantes: de um lado, exploração da propriedade intelectual; de outro lado, exploração do capital cultural. A definição de Indústrias Criativas [II], por exemplo, sublinha a “exploração da propriedade intelectual”, [19] enquanto a muito celebrada ‘economia criativa’ de Richard Florida é baseada de fato na exploração do capital geral humano de uma dada cidade. [20] Assim também, o pós-Operaismo italiano sublinhou a natureza produtiva da inteligência geral social dos trabalhadores da indústria de ontem, e das multidões metropolitanas de hoje. [21] Nessas leituras, a produção coletiva de conhecimento é sempre parasitada pelas corporações do capitalismo do conhecimento, como, antes, as fábricas extraiam mais-valia do trabalho vivo dos trabalhadores. Na direção oposta, abordagens como a noção de Benkler de “produção social” ou de Lessig, de “cultura livre” celebram uma produção baseada em redes, sem ver as dimensões da mais-valia (valor) e da mais-valia (trabalho). Todas essas escolas devem responder a mesma pergunta: como a mais-valia é extraída e acumulada na economia do conhecimento?
O discurso crítico está de fato monopolizado pela ênfase na propriedade intelectual e no conflito entre o regime global de copyright e os movimentos anti-copyright. A própria empresa Google é, por sua vez, claro exemplo de império tecnológico construído sem precisar da proteção de qualquer regime estrito de copyrights. A empresa Google apoia declaradamente o livre-conteudismo, liberdade total para os conteúdos produzidos pelo trabalho livre das multidões livres da internet. Não poderia ser diferente: a empresa precisa desse conteúdo livre, para manter sua voraz indexação. 
Nesse cenário, é preciso mudar o foco político: das questões de propriedade intelectual, é preciso passar afinal para a questão da exploração do conhecimento, para entender como a mais-valia é extraída e acumulada na esfera digital, a partir de serviços aparentemente gratuitos.
Atualmente, já se entendem bem claramente os monopólios da propriedade intelectual. As grandes gravadoras de música lutam hoje, precisamente, para defender esse regime, contra o assalto das redes digitais. O regime já está descrito por muitos, como exploração parasitária de propriedade intelectual [orig. cognitive rent]: as empresas de mídia simplesmente exploram o copyright de trabalhos que não têm virtualmente qualquer custo de reprodução sob o atual regime tecnológico. A própria empresa Google funciona num regime fortemente monopolizado, sem por isso ter de defender qualquer direito de propriedade intelectual (exceto a patente do PageRank!). Assim sendo, que tipo de exploração do conhecimento a empresa Google incorpora?
Além de inverter o modelo do Panopticon, é preciso inverter também as interpretações correntes sobre economia da rede e produção do valor de rede.
Nova compreensão do que seja e um novo modelo de exploração apareceram recentemente no debate pós-Operaismo. Carlo Vercellone e Antonio Negri, Christian Marazzi e vários outros redescobriram a dimensão do “rentismo” como node crucial, na deriva do capitalismo industrial para o capitalismo do conhecimento. [22] O que sempre lembrou tanto o Ancient Regime e seus feudais donos de terras, relíquia de uma economia pré-industrial, hoje se reencarna nas formas do rentismo financeiro do conhecimento [orig. financial and cognitive rent].
Na teoria da economia clássica, o rentismo não se confunde com o lucro. “Renda” é ganho parasitário que um proprietário aufere apenas por ser proprietário de um bem, e é tradicionalmente associado à propriedade da terra. O lucro, por seu lado, visa a ser produtivo e está associado ao poder do capital para gerar e extrair mais-valia (da mercadoria e da força de trabalho). 
Vercellone critica a ideia de que haveria um “capitalismo produtivo bom”, destacando que o lucro se converte em renda, e que esse seria a traço característico da atual economia financeira do conhecimento. [23]  Vercellone, nesse sentido, criou um slogan para ao capitalismo do conhecimento: “O neolucro é a renda”. 
A empresa Google pode, assim, ser descrita como o rentista global que está explorando as novas terras da internet, sem precisar de garantias proprietárias e sem precisar, tampouco, produzir coisa alguma, nem conteúdos. Nesse quadro, a empresa Google aparece como puro rentista, na metadimensão da informação acumulada pelas redes digitais. A empresa Google não é proprietária da informação da internet: só é proprietária da mais rápida ferramenta para recolher e mensurar a inteligência geral coletiva que produziu aquela informação.
O rentismo, assim, é melhor modelo para descrever a exploração da inteligência geral social comum e o próprio comum (se lucro e salário estão mais ligados a uma dimensão individual, e o renda a uma dimensão mais coletiva e social de produção).
Essa nova teoria da renda e do rentismo é útil para escapar da chamada “crítica da nova mídia” que ainda não se mostrou capaz de identificar os eixos de produção e exploração, no domínio digital. É necessária e urgente, portanto, uma taxonomia das novas formas de rentismo e dos novos modelos de negócios. 
Para os próprios Negri e Vercellone, por exemplo, o eixo central da atribuição contemporânea de valor é a “expropriação do comum, mediante o rentismo”. Segundo eles (além de outros), isso explica a crescente pressão na direção de um regime mais duro de propriedade intelectual: o copyright já é uma das evoluções estratégicas do rentismo, para expropriar os comuns de cultura e reintroduzir, artificialmente, uma nova escassez. A especulação, então, dirige-se na direção da propriedade intelectual, forçando para cima o custo de bens de conhecimento que, paradoxalmente, podem ser reproduzidos e copiados sem, virtualmente, custo algum, praticamente gratuitos. 
Mas o caso complexo da propriedade intelectual tem de ser mais claramente iluminado, porque a renda não brota necessariamente, nem simplesmente, de conhecimentos apropriados; também brota da exploração de espaços de conhecimento completamente novos e virgens – o que a empresa Google demonstra, em relação à internet. O diagrama PageRank parece sugerir uma espécie de renda diferencial em espaços dinâmicos, que merece investigação mais cuidadosa. [24]
Resposta política que faça sentido, à neodominação pela empresa Google terá de basear-se num sistema alternativo de ranking capaz de penetrar o monopólio da economia da atenção e, também, o sistema de acumulação de valor controlado pela empresa Google. 
Essa produção monopolista de valor de rede poderá ser, de algum modo, revertida? A primeira escolha seria imaginar uma indexação voluntária coletiva feita à mão, de toda a rede, baseada num protocolo aberto (alguma espécie de Wikipedia das relações de rede, descrita sob uma ontologia FOAF). [25] Mesmo assim, Google parece ser invencível no campo da escala de seu poder computacional: seria comprar briga tola e primitiva. Por outro lado, um algoritmo de código aberto, para rankeamento de páginas, não daria conta da questão da acumulação de valor nem do monopólio. Não por acaso, a ideia de um algoritmo OpenRank foi rapidamente abandonada. [26] A atração fatal que Google exerce sobre as massas parece ser resultado mais do poder místico que a empresa tem para atribuir valor espetacular a qualquer um e a qualquer coisa, que consequência da precisão dos resultados. 
Há rumores de que PageRank está para ser brevemente substituído por um TrustRank, outro algoritmo desenvolvido por pesquisadores da Stanford University e da empresa Yahoo, para separar páginas “confiáveis” de páginas spam e criar uma espécie de comunidade de confiança ou um novo pacto cibernético social na internet. [27] Nesse cenário, a vida diária e a produção de redes sociais serão integradas de modo ainda mais profundo.
A luta contra a acumulação de dados que PageRank faz lembra as lutas sociais contra as formas tradicionais de monopólio e de acumulação de capitais. [28] Se nos servimos da ideia de Marx sobre a inteligência social geral [orig. general intellect], temos de imaginar também uma acumulação primitiva de conhecimento, na fonte da economia digital. De qualquer modo, a crítica do modo atual do trabalho em rede não se pode estabelecer simplesmente com a narrativa previsível das redes “do bem”, contra os monopólios “do mal”.
Só imaginaremos uma resposta política, se compreendermos com clareza a natureza do dispositivo molecular que produz o valor de rede. Não será fácil  – sequer é garantido que seja possível – democratizar PageRank e a empresa Google. Por outro lado, e é interessante, tampouco as novas escolas “da moda”, de cooperação peer-to-peer [entre usuários] e da “produção social” baseada na internet conseguirão representar proposta política decente, enquanto não encararem a questão da produção e da acumulação da mais-valia de rede.

Notas de rodapé
[1] CARR, Nicholas, The Big Switch: Rewiring the World, from Edison to Google (New York: W.W. Norton, 2008).
[2] Ver ZIMMER, Michael, “The Gaze of the Perfect Search Engine: Google as an Infrastructure of Dataveillance”, in SPINK, A. e ZIMMER M., Web Search: Information Science and Knowledge Management, vol. 14, Berlin-Heidelberg: Springer, 2008. E DUPONT, Benoît, “Hacking the Panopticon: Distributed Online surveillance and Resistance”, in DEFLEM, Mathieu (ed.), Surveillance and Governance: Sociology of Crime Law and Deviance, vol. 10, Emerald, Bingley, 2008. Ver também a crítica oferecida pelo presidente da Biblioteca Nacional Francesa, JEANNENEY, Jean-Noël, Quand Google défie l’Europe: plaidoyer pour un sursaut, Paris: Mille et une Nuits, 2005.
[3]  “Political economy in the digital age: introducing the notion of cognitive rent (or, the accumulation of network-value)”.
[4]VIRNO, Paolo, A Grammar of the Multitude (New York: Semiotexte 2004), pp. 81-84 [Gramática da Multidão, em português]: “Em minha opinião, para compreender o cerne racional do termo “biopolítica”, temos de começar com outro conceito, muito mais complicado, de um ponto de vista filosófico: o conceito de força-de-trabalho. [...] O que significa “força-de-trabalho”? Significa potencial para produzir. “Potencial”, quer dizer, aptidão, capacidade, dynamis. Potencial genérico, não determinado: aquele que não foi designado para um ou outro específico tipo de trabalho, mas, mesmo assim, está sendo usado em qualquer trabalho que esteja sendo realizado, na fabricação de uma porta de carro, na colheita de peras, no atendimento de telemarketing em ‘meio-período’, ou numa revisão de provas tipográficas. [...] Isso dito, falta enfrentar outra questão crucial: o que é a vida, nos casos em que, como esse, é gerenciada e controlada? A resposta é absolutamente clara: tem de ser assim porque a vida atua como substrato de uma faculdade, de uma força de trabalho, que também é incorporada na mercadoria. [...] Não se deve acreditar, portanto, que a biopolítica inclua, nela mesma, como sua própria articulação distinta, a administração da força de trabalho. Ao contrário: a biopolítica é mero efeito, uma reverberação, ou, de fato, uma articulação daquele fato primário – histórico e filosófico – que consiste na comercialização de potencial como tal.”
[5]Conclusão: “Cobre pelo ranking de sua página!” (ou seja, pela reapropriação [do valor de rede de sua página na Internet]). BRIN, Sergey e PAGE, Lawrence. “The Anatomy of a Large-Scale Hypertextual Web Search Engine”, 1998.  
[6] Ver LANGVILLE, Amy N. e MEYER, Carl D., Google’s PageRank and Beyond: The Science of Search Engine Rankings, Princenton University Press, 2006. E BERRY. Michael W. and BROWNE, Murray, Understanding Search Engines: Mathematical Modeling and Text Retrieval (Philadelphia: Society for Industrial and Applied Mathematics, 1999).
[7] A figura está em PageRank (Wikipédia) visitada em 12/3/2009. Em 6/5/2012, lê-se o seguinte (e a figura aparece muito mais amigável):
PageRank™ é uma família de algoritmos de análise de rede que dá pesos numéricos a cada elemento de uma coleção de documentos hiperligados, como as páginas da Internet, com o propósito de medir a sua importância nesse grupo, por meio de um motor de busca. O algoritmo pode ser aplicado a qualquer coleção de objetos com ligações recíprocas e referências. O peso numérico dado a cada elemento E é chamado “PageRank de E” e anotado como PR(E). Suas propriedades são muito discutidas por especialistas em optimização dos motores de busca (SEO, sigla em inglês para Search Engine Optimization). O processo do PageRank™ foi patenteado pela Universidade de Stanford nos Estados Unidos da América sob o número 6.285.999. Só o nome PageRank™ é marca registrada da empresa Google Inc.. 

[8]
FOUCAULT, Michel, Surveiller et punir. Naissance de la prison (Paris, Gallimard, 1975); ing. Discipline and Punish: The birth of the prison (New York: Pantheon, 1977), port. Vigiar e punir: nascimento da prisão, Petrópolis: Vozes, trad. Raquel Ramalhete, 1987.

[9]
  Ver nota 5
[10] SIMON, Herbert, “Designing Organizations for an Information-Rich World”, in M. Greenberger (ed.), Computers, Communication, and the Public Interest, Baltimore: JohnsHopkins Press, 1971. Ver também DAVENPORT, T. e BECK, J., The Attention Economy: Understanding the New Currency of Business, Harvard Business School Press, 2001. 
[11] Cfr. BOURDIEU, Pierre, “The Forms of Capital”, in: RICHARDSON, J.G., Handbook for Theory and Research for the Sociology of Education, Westport, CT: Greenwood Press, 1986. BOURDIEU, P. “O capital social: notas provisórias”. In NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.) Escritos de Educação, 3ª ed., Petrópolis: Vozes, 2001, pp.67-69.
[12] Cfr. HARVEY, David, “The art of rent: globabalization and the commodification of culture”, chapter in: Spaces of Capital, New York: Routledge, 2001.
[13] Esse modelo de captura do capital de rede de cada node e usuário pode ser aplicado genericamente a toda a internet e também às redes sociais (como Facebook e Myspace, nas quais o número mais importante é, precisamente, o número de “amigos” mostrado em cada página pessoal).
[14] “AdWords é o produto principal de publicidade de Google Inc. e principal fonte de dinheiro para a empresa ($16,4 bilhões em 2007). AdWords oferece publicidade pay-per-click (PPC) e publicidade orientada para páginas, de textos e publicidade em banners. O programa AdWords prevê distribuição local, nacional e internacional. As mensagens de publicidade em texto de Google são necessariamente curtas, uma ou duas linhas de conteúdo.” (Em Wikipedia, “AdWords”,  11/3/2009) [Ver (III) e (IV), nas Notas dos tradutores].
[15] BENKLER, Yochai, The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom, New Haven: Yale University Press, 2006.
[16]  Não se deve confundir esse “valor de rede” com a definição tradicional: pela lei de Metcalfe do “valor de rede”, o valor de uma rede de telecomunicações é proporcional ao quadrado do número de usuários do sistema conectados (n2). 
[17] DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix, L’Anti-Oedipe. Capitalisme et schizophrénie (Paris: Minuit, 1972); ing. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1983); port. DELEUZE, G. & GUATTARI, F. (1972). O Anti- Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Joana M. Varela e Manuel M. Carrilho. Assírio & Alvim: Lisboa, Portugal.
[18] Para outros modelos de economia do conhecimento [orig. knowledge economy] ver RULLANI, Enzo, Economia della conoscenza: Creatività e valore nel capitalismo delle reti, Milano: Carocci, 2004. 
[19] Originalmente, a definição de 1998 adotada pela Força Tarefa das Indústrias Criativas [orig. Creative Industries Task Force] instituída por Tony Blair rezava: “Aquelas indústrias que têm origem na criatividade, habilidade e talento individuais e que tem potencial para criar riqueza e empregos na geração e exploração da propriedade intelectual.”  

[20] Ver FLORIDA, Richard, The Rise of the Creative Class: And How It’s Transforming Work, Leisure, Community and Everyday Life (New York: Basic Books, 2002).
[21] Ver VIRNO, Paolo, 2004, Op.cit. nota 4.

[22]
NEGRI, Antonio e VERCELLONE, Carlo, “Il rapporto capitale/lavoro nel capitalismo cognitivo”, in Posse, “La classe a venire”, Nov. 2007.
[23] As Vercellone explains in a previous study: “According to a widespread opinion in Marxian theory that stems from Ricardo’s political economy, rent is a pre-capitalist inheritance and an obstacle to the progressive movement of capital’s accumulation. On this premise, real, pure, and efficient capitalism is capitalism with no rent.” In: Carlo Vercellone, “La nuova articolazione salario, rendita, profitto nel capitalismo cognitivo”, in Posse, “Potere Precario”, 2006; trans. by Arianna Bove, “The new articulation of wages, rent and profit in cognitive capitalism”.
[24] Ver minha taxonomia do rentismo em PASQUINELLI, Matteo, Animal Spirits: A Bestiary of the Commons (Rotterdam: NAi Publishers/Institute of Network Cultures, 2008).
[25] FOAF (em inglês, sigla de Friend of a Friend, “amigo de um amigo”) uma ontologia que pode ser lida por máquina, que descreve pessoas, atividades e relações com outras pessoas e objetos. Qualquer um pode usar FOAF para se autodescrever. FOAF permite que grupos de pessoas descrevam redes sociais sem precisar de banco de dados centralizado. 
[26]Ver em: OpenRank
[27] Gyöngyi, Zoltán; Hector Garcia-Molina, Jan Pedersen. “Combating Web Spam with TrustRank”, in: Proceedings of the International Conference on Very Large Data Bases, 2004
[28] A chamada acumulação original, ou acumulação primitiva, ainda está viva no núcleo duro da história do capitalismo que conhecemos, como nos alerta Sandro Mezzadra (MEZZADRA, Sandro. La condizione postcoloniale. Storia e politica nel presente globale, Verona: Ombre Corte, 2008).

NOTAS DOS TRADUTORES
[I] “Capitalismo cognitivo”, como “economia cognitiva” – que se ouvem e leem-se muito frequentemente no Brasil, são expressões semanticamente erradas (e, pode-se dizer, são erradas em todas as línguas nas quais apareçam, porque são erradas no plano semântico). Nem a “economia do conhecimento” é propriamente cognitiva, nem o “capitalismo do conhecimento” é, bem feitas as contas, cognitivo. O capitalismo do conhecimento é, necessariamente, por definição, capitalismo capitalista, o qual pode operar e opera, claro, também sobre o conhecimento. O absurdo no plano semântico aparece mais claramente à intuição dos falantes, se se pensa na expressão “capitalismo [por exemplo] nutritivo” – quando o que se quer dizer é “capitalismo da nutrição”.
Há muito complexas questões semânticas e lógicas (que obrigariam a uma complexa análise da semântica do atributo, ou semântica da adjetivação) envolvidas na análise dessa terminologia, que não se podem expor e discutir em samba curto. Mas fica aqui anotado o problema – um primeiro resultado produtivo do difícil trabalho para traduzir esse artigo que obriga a tatear em terreno muito pouco explorado por nós.
A observar ainda, trazendo água para o nosso moinho de rigor terminológico, que na nota 18 (vide), por insondáveis motivos, a tradução para o inglês anota, pela primeira vez, “economia do conhecimento”, knowlege economy, e não fala de ‘economia cognitiva’. O mesmo vale para o título em italiano do livro lá citado: Economia della conoscenza [economia do conhecimento].
[II] “Indústrias Criativas” também é expressão errada e pelos mesmos argumentos lógico-semânticos que se aplicam aos sintagmas “capitalismo cognitivo” e “economia cognitiva”. As indústrias ditas “criativas” não são absolutamente criativas: são indústrias do sistema do capital e, portanto, são, no plano lógico-semântico da definição, indústrias lucrativas. Que essas indústrias produzam mais-valia a partir de alguma “criação”, absolutamente não as torna diferentes da indústria de automóveis, por exemplo, que também, afinal de contas, deve ser dita criativa, se cria automóveis.
Pretender que as especificidades da criação pelo espírito humano dita “criação artística” “contaminariam” e dariam alguma “nobreza” extra a alguma indústria e a alguma mais-valia é deixar-se prender numa arapuca ideológica que, nesse caso, manifesta-se na e pela língua. Pode-se pensar, sem violência semântica, em “Creative Commons”, isso sim. Mas não se pode pensar em “indústrias criativas”, nem em “capitalismo criativo”, expressões que beiram (quando não naufragam neles) o oximoro, a contradição em termos, a aporia.

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