Do Brasil de Fato
A fábula das armas químicas
Estados Unidos, por meio da CIA, age meticulosamente dentro da complexa conformação das forças oposicionistas
Achille Lollo - correpondente em Roma (Itália)
Destruição na cidade de Aleppo localizada a 310 quilômetros da capital da Síria, Damasco - Foto: freehalab.wordpress.com
Para ganhar as eleições, Barack Obama vestiu a camisa do
“não-intervencionismo”, enquanto a CIA explorou o período eleitoral para
fortalecer os setores da oposição armada que sustentam a linha política
dos Estados Unidos no âmbito do Comando Conjunto do Exército Livre da
Síria (ELS).
Consequentemente, o coronel Abdel Jabbar al-Okeidi se tornou o líder
mais importante do ESL no momento em que seus homens, a partir da
fronteira jordaniana, controlavam as regiões por onde passavam os
caminhões com os carregamentos de armas made in USA.
Esse fato, com a intensificação dos ataques aéreos e terrestres do
exército sírio, modificou o equilíbrio no seio do ELS. Agora, somente os
grupos ligados ao coronel Abdel Jabbar al-Okeidi recebem os novos
batalhões formados com voluntários iraquianos, assim como novos lança-
foguetes para derrubar tanques, helicópteros e até aviões (foguetes
terra-terra e terra-ar).
Diferentemente das “brigadas revolucionárias” dos grupos salafitas,
jihadistas e dos grupos mais próximos à Al Qaeda, essas novas unidades,
além de receberem um intenso treinamento na Arábia Saudita, são
monitoradas por oficiais do serviço secreto militar britânico e o
qatariano, e têm conseguido infiltrar centenas e centenas de combatentes
da fronteira jordaniana até a periferia Damasco.
Desta forma, os homens do coronel Abdel Jabbar al-Okeidi conseguiram
realizar outra ofensiva contra a capital masco e ampliar as posições
ocupadas nas cidades de Aleppo, Durna, Hamouriah, Idlib e Marrat al
Numaan, pequena cidade próxima da fronteira com a Jordânia por onde
passam as colunas de caminhões com armas e alimentos para os rebeldes do
ELS ligados à CIA.
Para suprir a falta de foguetes e de armas sofisticadas, os grupos
salafitas começaram a atacar com morteiros e metralhadoras pesadas as
aldeias de comunidades drusas e cristãs. Enquanto isso, jihadistas e
grupos ligados a Al Qaeda voltaram a praticar nos arredores de Damasco
horrendos atentados em locais de muito trânsito de pessoas.
EUA e salafitas
Em dezembro do ano passado, o presidente do Conselho Nacional Sírio,
Burhan Ghalioun, foi à capital da Líbia, Trípoli, onde se encontrou com
os novos dirigentes do Conselho Nacional de Transição (CNT). Sua
aproximação política foi mais forte com Abdelhakeem Belhaj e com Mahdi
Al Harati, que já foram líderes da Al Qaeda e atualmente têm cargos de
confiança importantes no novo governo da Líbia. O ótimo relacionamento
de Burhan com Abdelhakeem e Mahdi al Harati consolidou formas de apoio
aos combatentes do CNS. Armas foram enviadas dos estoques do então
exército de Muamar Kadafi e “brigadas revolucionárias de milicianos
salafitas” foram transferidas.
Este acordo foi selado com a aprovação do embaixador estadunidense na
Líbia, Chris Stevens. Entretanto, após o ataque à cidade de Aleppo, a
atuação militar dos salafitas começou a fugir do controle dos homens do
ESL ligados à CIA. Por outro lado, o Departamento de Estado dos EUA
desvendava uma suspeita de que a Al Qaeda estava se utilizando de uma
“guerra santa” contra Assad para reestruturar sua organização.
Diante desse perigo o governo estadunidense decidiu reorganizar o ESL
com mais dinheiro e armas, além de promover na “grande mídia” a imagem
política dos líderes dos grupos que considera mais leais. Foi neste
âmbito que os homens da CIA começaram a recrutar no Iraque os
voluntários sunitas, permitindo a grupos ligados ao coronel Abdel Jabbar
al-Okeidi o retorno à ofensiva já no mês de agosto deste ano. A
desigualdade no armamento e na organização obrigou os comandantes das
brigadas salafitas a recorrer ao sacrifício humano para não recuar em
Aleppo, Homs e Rastan. Porém, isso tudo tornou evidente a decisão dos
homens da CIA de sacrificar as brigadas salafitas, enquanto os homens do
coronel Abdel Jabbar al-Okeidi controlavam o Comando Conjunto do
ESL.
Em represália, os salafitas líbios decidiram executar o embaixador
estadunidense Chris Stevens, em Benghazi (segunda maior cidade líbia),
no simbólico dia de 11 de setembro.
Armas químicas?
Agora, após todas essas manobras de apoio seletivo aos
oposicionistas, os Estados Unidos usam a mesma tática de dez anos atrás:
o argumento da utilização de armas químicas por parte do exército de
Damasco.
“Querem nos invadir?” Foi com essa frase que o vice-presidente da
Síria, Qadri Jamil, qualificou as ameaças do presidente Barack Obama que
“pretende usar a fábula das armas químicas montadas nos foguetes dos
caça-bombardeiros sírios para justificar uma invasão contra a
Síria.”
Até a CNN teve que limitar sua parcialidade lembrando que foi por
meio da invenção do “iminente uso de armas químicas do exército
iraquiano contra a população civil” que George W. Bush conseguiu
antepor-se ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, iniciar a invasão
do Iraque e destruir o regime de Saddam Hussein.
Qadri Jamil lembrou ao ministro das relações exteriores da Rússia,
Serghiei Lavrov, que o governo sírio aceitaria negociar até a saída do
presidente Bashar El-Assad, “porém isso deve ser decidido numa mesa de
negociações qualificada onde participem todas os componentes políticos
sírios da oposição, dos independentes e dos que apoiam o governo. Uma
negociação que deve ser feita para pacificar a Síria e não
dividi-la.
Não podemos aceitar negociar debaixo das ameaças das armas. Por isso
as resoluções da Cúpula de Doha, na realidade, são meras declarações de
guerra contra a Síria”.
Neste contexto e visto que o exército rebelde do ESL não consegue
desarticular o exército de Damasco, pode acontecer de tudo na Síria.
Inclusive, pode ocorrer que nos arredores de Aleppo alguém dispare “por
engano” um foguete de seu RPG7 contra os depósitos de uma fábrica
química de cloro recentemente ocupada pelos homens do ELS para depois o New York Times e
a TV árabe Al Jazeera veicular no mundo inteiro que foi “o ditador
Assad que ordenou bombardear com bombas químicas à base de cloro os
valorosos insurgentes em Aleppo”.
Para evitar que isso aconteça o presidente da Síria logo alertou ao
Secretário Geral da ONU que “o governo de Damasco nunca irá usar suas
armas químicas contra o povo sírio”.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV Quadrante Informativo
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