Da Folha
Pesquisa pode trazer alto valor agregado a 'resíduo do resíduo' do etanol
Material é valorizado pela indústria de alta tecnologia; cientistas pretendem patentear o novo procedimento
GIULIANA MIRANDA
Peças de carro, materiais da indústria de petróleo e até armações de 
óculos podem estar prestes a se juntar a etanol, cachaça e açúcar como 
produtos derivados da cana.
Cientistas brasileiros desenvolveram um jeito de transformar os 
resíduos da planta em fibra de carbono, material um bocado valorizado 
pela indústria.
Hoje, o bagaço da cana-de-açúcar é o principal resíduo do agronegócio
 brasileiro. Uma tonelada da planta usada para fazer etanol produz, em 
média, 140 kg de bagaço.
Boa parte desses restos acaba queimada nas próprias usinas como forma
 de gerar energia, mas é uma destinação que ainda não consegue absorver 
todos os resíduos gerados. Se armazenados incorretamente, eles podem se 
tornar um fator sério de poluição ambiental.
Foi pensando nisso que um grupo da UFRJ (Universidade Federal do Rio 
de Janeiro) decidiu agir e dar uma destinação mais nobre ao "lixo".
Eles desenvolveram um método que extrai a lignina -uma importante 
molécula "estrutural" dos vegetais, responsável, entre outras coisas, 
pela sustentação- do bagaço da cana e a trata para que ela seja 
transformada em fibra de carbono.
"Não é como transformar garrafa pet em tapete ou em árvore de Natal. É
 uma reciclagem com alto valor agregado, que pode gerar boas 
oportunidades, porque o Brasil ainda não tem produção industrial de 
fibra de carbono", diz Veronica Calado, coordenadora do trabalho e 
também do Núcleo de Biocombustíveis, de Petróleo e de seus Derivados da 
UFRJ.
Na verdade, o grupo de Calado aproveita o "lixo do lixo" da 
cana-de-açúcar. Novas técnicas já permitem que o bagaço da produção de 
etanol seja tratado quimicamente e usado para dar origem a mais álcool, o
 chamado etanol de segunda geração.
ÚLTIMA ETAPA
A fibra de carbono é obtida depois que o bagaço já passou por esse 
segundo processo. A lignina extraída do bagaço é processada e passa por 
vários processos, que vão aumentando o teor de carbono. No fim, obtém-se
 a fibra, que é laminada e pode ser vendida para as mais diversas 
aplicações.
Dez vezes mais forte do que o aço, mas ainda maleável e com elevada 
resistência à temperatura, a fibra de carbono é um material muito 
valorizado no mercado, com preços que podem variar entre US$ 25 e US$ 
120 por kg.
A principal maneira de obtê-la hoje é derivá-la do petróleo, com muitos aditivos.
"A fibra de carbono pelo reaproveitamento da cana também é 
sustentável nesse sentido, porque vai diminuir a dependência do petróleo
 para mais um uso", avalia Verônica, da UFRJ.
No mundo, já existem outras iniciativas para transformar a lignina em
 fibra de carbono. Todos esses projetos estão também em fase 
experimental. O grupo brasileiro, porém, orgulha-se de conseguir fazer o
 trabalho com menos aditivos, obtendo ainda um "extrato" de lignina mais
 puro e com maior potencial de transformação.
O trabalho carioca ainda está restrito aos laboratórios, mas a 
técnica já se mostrou funcional. A coordenadora do estudo diz que não há
 ideia do preço final da fibra, mas que "com certeza ela será mais 
barata do que a vinda do petróleo".
Agora, os cientistas estudam a melhor maneira de patentear o projeto.
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