O Deutsche Bank, ao lado da indústria automobilística, é um dos pontos de referência da identidade coletiva alemã. Mas agora se arrasta na rua da amargura. Dificuldades financeiras? Não propriamente. Políticas. Perda de credibilidade. Perda de lucros. No segundo trimestre deste ano, os lucros da carteira de investimentos – um dos principais setores do banco – caiu em 63%, para “apenas” 357 milhões de euros, um desempenho ridículo para um banco desse tamanho e dessa proa. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar - Berlim
O Deutsche Bank, ao lado da indústria
automobilística, é um dos pontos de referência da identidade coletiva
alemã. Fundado em 1870, é um ano mais velho do que a própria Alemanha,
fundada em 1871, no Palácio de Versalhes, depois da guerra
Franco-Prussiana. Na recente crise financeira inaugurada em 2007, o D.B.
recusou, altivamente, qualquer ajuda financeira do governo alemão.
A lista de honrarias recebidas é longa: Best Global Bank, Bond House of the Year, Best Investment Global Bank, Bank of the Year, Top Rated... para ficar apenas nas mais recentes.
Mas agora se arrasta na rua da amargura.
Dificuldades financeiras? Não propriamente. Políticas. Perda de credibilidade. Perda de lucros. No segundo trimestre deste ano, os lucros da carteira de investimentos – um dos principais setores do banco – caiu em 63%, para “apenas” 357 milhões de euros, um desempenho ridículo para um banco desse tamanho e dessa proa.
Quais dificuldades? O banco foi arrastado no redemoinho dos escândalos da manipulação da taxa Libor e Euribor, como um dos manipuladores das mesmas.
Houve investigações internas. Executivos caíram. Mas a credibilidade se foi, e agora precisa ser reconstruída. É mais um capítulo da extensa novela dessa cadeia de manipulações.
Um a ilusão contante – mantida à direita, à esquerda, no senso comum e no incomum - é a de que devido a sua hegemonia no capitalismo globalizado, o sistema bancário não é investigado. É sim. A falta de controle sobre ele, a impunidade de seus atores, a falta de transparência para o público em geral dependem de decisões políticas e da cumplicidade das autoridades compententes ou incompetentes, ou de sua leniência.
A história da manipulação daquelas taxas foi amplamente documentada, por investigações das agências controladoras do sistema financeiro, e por auditorias internas ou independentes, promovidas pelas próprias instituições financeiras. (Ver “The Cartel: Behind the Scenes in the Libor Interest Rate Scandal”, Der Spiegel International, Reportagem da Equipe, 01/08/2012)
Para entender: a taxa Libor e a Euribor são referências internacionais do sistema financeiro, estipulando estimativas de custos para operações de empréstimo e financiamento interbancárias. Mas são usadas como referência numa série de outras transações, de financiamentos imboliários na Espanha e hipotecas nos Estados Unidos. A movimentação financeira mundial – dos Estados Unidos ao Japão, passando pelo Brasil e pela Islândia – “regulada” por essas taxas atingiram 567 trilhões de euros em 2011. Uma inflexão manipulada de 0,01% nessas taxas implica um resultado de 5,67 bilhões de euros que vão parar sabe-se lá onde – exceto para quem os manipula.
Segundo fiscais da área, as taxas Libor – em relação ao dólar e a libra – e a Euribor, em relação ao euro – são um convite à manipulação.
O procedimento, por exemplo, em relação a Libor-dólar, começa com a colheita de informação das estimativas de captação de empréstimos em 18 instituições financeiras, inclusive a do Deutsche Bank. As informações são recolhidas por uma assim chamada “Agência Noticiosa”, a Thompson-Reuters, originada de uma fusão anglo-canadense. As quatro mais altas e as quatro mais baixas são descartadas, e com base nas dez remanescentes a T-R divulga sua estimativa média para o dia, que serve para orientação das operações financeiras daquele dia.
Segundo as investigações que se realizaram, mas foram desconsideradas, tudo começou em 2005, quando, com sede no Banco Barclays, de Londres, um de seus funcionários, Philippe Moryoussef, começou a formar uma rede cartelizada de pequenos negociadores de financiamentos em diversas instituições – envolvendo as agências controladoras – que introduziam pequenas inflexões nos informes fornecidos ao sistema, para cima ou para baixo, que resultavam em grandes ganhos para lá oun para cá, mas compartilhados por esse “pequeno mundo”.
Ocorre que a partir da crise de 2007/2008, com o aperto financeiro geral, essa pequena rede revelou-se vital para manter a operatividade de inúmeras instituições financeiras a perigo: seu poder de intervenção cresceu desmesuradamente, e se espalhou por inúmeros bancos, inclusive o D.B. Este promoveu investigações internas, demitiu dois de seus operadores no sistema, mas sua reputação caiu na lama – ou na vala – comum.
Informes despachados por várias auditorias nas instituições bancárias para as agências reguladoras foram descartados como irrelevantes - o que aumentou a atual desconfiança. Hoje em dia essas agências reguladoras usam a própria crise como desculpa, alegando que diante da debacle generalizada do sistema tinham outras prioridades em que pensar. Mas isso não anula o fato de que alguns poucos lucraram muito com as manipulações em detrimento de muitos médios e pequenos investidores – que perderam muito. Muitíssimo.
Com a revelação do(s) escândalo(s), esses pequenos e médios – e alguns grandes – investidores começaram a se movimentar, iniciando processos legais contra as instituições acusadas de manipulação. O resultado está num relatório do Banco de Investimentos Morgan Stanley, segundo o qual esses processos redundariam, só no que se refere ao Libor-Dolar, em indenizações no valor de 22 bilhões de dólares. Destes, 1,041 bilhão caberiam ao Deutsche Bank, que não é o maior devedor, é apenas o segundo. O primeiro é o Royal Bank of Scotland, com 1,057 bilhão. O Barclays, onde tudo começou, ficaria com 970 milhões, e desses, 500 milhões já foram impostos a ele por decisões judiciais e das agências de controle nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha.
Há uma questão estrutural nisso, que pode ser descrita pela metáfora de um amigo meu, mais afeito ao sistema financeiro. Diz ele: quando você vai viajar, precisa passar no posto de gasolina para por combustível. Esse é o papel do sistema financeiro no mundo capitalista em que vivemos. Sem esse combustível, os carros não andam. Ocorre, disse ele, que pela falta de acordo ou pela obtusidade dos condutores, os donos dos postos foram chamados também para definir o destino dos veículos, e isso se transformou numa cadeia de chantagens, em que o fornecimento do combustível se tornou determinante dos itinerários, com a formação de cartéis entre os postos, redes mafiosas entre eles, envolvendo até os frentistas, que também entram no sistema de remunerações colaterais e de bônus.
Os novos dirigentes do Deutsche Bank prometem novos critérios para restabelecer a credibilidade.
A ver para crer.
A lista de honrarias recebidas é longa: Best Global Bank, Bond House of the Year, Best Investment Global Bank, Bank of the Year, Top Rated... para ficar apenas nas mais recentes.
Mas agora se arrasta na rua da amargura.
Dificuldades financeiras? Não propriamente. Políticas. Perda de credibilidade. Perda de lucros. No segundo trimestre deste ano, os lucros da carteira de investimentos – um dos principais setores do banco – caiu em 63%, para “apenas” 357 milhões de euros, um desempenho ridículo para um banco desse tamanho e dessa proa.
Quais dificuldades? O banco foi arrastado no redemoinho dos escândalos da manipulação da taxa Libor e Euribor, como um dos manipuladores das mesmas.
Houve investigações internas. Executivos caíram. Mas a credibilidade se foi, e agora precisa ser reconstruída. É mais um capítulo da extensa novela dessa cadeia de manipulações.
Um a ilusão contante – mantida à direita, à esquerda, no senso comum e no incomum - é a de que devido a sua hegemonia no capitalismo globalizado, o sistema bancário não é investigado. É sim. A falta de controle sobre ele, a impunidade de seus atores, a falta de transparência para o público em geral dependem de decisões políticas e da cumplicidade das autoridades compententes ou incompetentes, ou de sua leniência.
A história da manipulação daquelas taxas foi amplamente documentada, por investigações das agências controladoras do sistema financeiro, e por auditorias internas ou independentes, promovidas pelas próprias instituições financeiras. (Ver “The Cartel: Behind the Scenes in the Libor Interest Rate Scandal”, Der Spiegel International, Reportagem da Equipe, 01/08/2012)
Para entender: a taxa Libor e a Euribor são referências internacionais do sistema financeiro, estipulando estimativas de custos para operações de empréstimo e financiamento interbancárias. Mas são usadas como referência numa série de outras transações, de financiamentos imboliários na Espanha e hipotecas nos Estados Unidos. A movimentação financeira mundial – dos Estados Unidos ao Japão, passando pelo Brasil e pela Islândia – “regulada” por essas taxas atingiram 567 trilhões de euros em 2011. Uma inflexão manipulada de 0,01% nessas taxas implica um resultado de 5,67 bilhões de euros que vão parar sabe-se lá onde – exceto para quem os manipula.
Segundo fiscais da área, as taxas Libor – em relação ao dólar e a libra – e a Euribor, em relação ao euro – são um convite à manipulação.
O procedimento, por exemplo, em relação a Libor-dólar, começa com a colheita de informação das estimativas de captação de empréstimos em 18 instituições financeiras, inclusive a do Deutsche Bank. As informações são recolhidas por uma assim chamada “Agência Noticiosa”, a Thompson-Reuters, originada de uma fusão anglo-canadense. As quatro mais altas e as quatro mais baixas são descartadas, e com base nas dez remanescentes a T-R divulga sua estimativa média para o dia, que serve para orientação das operações financeiras daquele dia.
Segundo as investigações que se realizaram, mas foram desconsideradas, tudo começou em 2005, quando, com sede no Banco Barclays, de Londres, um de seus funcionários, Philippe Moryoussef, começou a formar uma rede cartelizada de pequenos negociadores de financiamentos em diversas instituições – envolvendo as agências controladoras – que introduziam pequenas inflexões nos informes fornecidos ao sistema, para cima ou para baixo, que resultavam em grandes ganhos para lá oun para cá, mas compartilhados por esse “pequeno mundo”.
Ocorre que a partir da crise de 2007/2008, com o aperto financeiro geral, essa pequena rede revelou-se vital para manter a operatividade de inúmeras instituições financeiras a perigo: seu poder de intervenção cresceu desmesuradamente, e se espalhou por inúmeros bancos, inclusive o D.B. Este promoveu investigações internas, demitiu dois de seus operadores no sistema, mas sua reputação caiu na lama – ou na vala – comum.
Informes despachados por várias auditorias nas instituições bancárias para as agências reguladoras foram descartados como irrelevantes - o que aumentou a atual desconfiança. Hoje em dia essas agências reguladoras usam a própria crise como desculpa, alegando que diante da debacle generalizada do sistema tinham outras prioridades em que pensar. Mas isso não anula o fato de que alguns poucos lucraram muito com as manipulações em detrimento de muitos médios e pequenos investidores – que perderam muito. Muitíssimo.
Com a revelação do(s) escândalo(s), esses pequenos e médios – e alguns grandes – investidores começaram a se movimentar, iniciando processos legais contra as instituições acusadas de manipulação. O resultado está num relatório do Banco de Investimentos Morgan Stanley, segundo o qual esses processos redundariam, só no que se refere ao Libor-Dolar, em indenizações no valor de 22 bilhões de dólares. Destes, 1,041 bilhão caberiam ao Deutsche Bank, que não é o maior devedor, é apenas o segundo. O primeiro é o Royal Bank of Scotland, com 1,057 bilhão. O Barclays, onde tudo começou, ficaria com 970 milhões, e desses, 500 milhões já foram impostos a ele por decisões judiciais e das agências de controle nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha.
Há uma questão estrutural nisso, que pode ser descrita pela metáfora de um amigo meu, mais afeito ao sistema financeiro. Diz ele: quando você vai viajar, precisa passar no posto de gasolina para por combustível. Esse é o papel do sistema financeiro no mundo capitalista em que vivemos. Sem esse combustível, os carros não andam. Ocorre, disse ele, que pela falta de acordo ou pela obtusidade dos condutores, os donos dos postos foram chamados também para definir o destino dos veículos, e isso se transformou numa cadeia de chantagens, em que o fornecimento do combustível se tornou determinante dos itinerários, com a formação de cartéis entre os postos, redes mafiosas entre eles, envolvendo até os frentistas, que também entram no sistema de remunerações colaterais e de bônus.
Os novos dirigentes do Deutsche Bank prometem novos critérios para restabelecer a credibilidade.
A ver para crer.
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