Do blog do Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Há cerca de 800 alimentos que correm o risco de sumir do mapa, de
entrar em extinção mesmo, como certos animais. Dezenas deles só no
Brasil. Xavier Bartaburu, um dos grandes repórteres de nossa geração,
conhece o país de ponta a ponta. Agora, ele está visitando comunidades brasileiras onde
esses alimentos são produzidos de forma artesanal e sustentável para
contar suas histórias. Garantir a preservação deles não é importante
apenas por questões de biodiversidade, mas também porque esses alimentos
nos lembram como chegamos até aqui e a nossa identidade.
Pedi para o Xavier um texto para o blog sobre esses alimentos em risco. Segue abaixo.
Coma enquanto é tempo
Deixemos de lado a ararinha-azul, por enquanto, e falemos da cagaita.
E também da mangaba, do baru e do berbigão. E de outras dezenas de
alimentos brasileiros que, como os bichos, correm igual risco de
extinção. Afinal, comida, antes de ser refeição, também é ser vivo. E,
como tal, pode sumir do mapa antes mesmo que você saiba de sua
existência. Veja a cagaita, fruta do Cerrado aparentada com a pitanga:
enquanto ela não chega à sua mesa, os cagaiteiros vão sendo sumariamente
derrubados para dar lugar a pasto para o gado e lavouras de soja.
O fato é que existe um patrimônio alimentar, tão valioso como
ignorado, que há séculos consiste em fonte de subsistência e identidade
para milhares de comunidades tradicionais no Brasil e no mundo. Ou seja,
essa população não só mata a fome e extrai renda desses alimentos como,
em muitos lugares, faz da sua exploração uma expressão própria de suas
tradições culturais. É o caso, por exemplo, das quebradeiras de babaçu
do Maranhão, dos pescadores de Pirarucu no baixo Amazonas e dos índios
Sateré-Mawé, produtores de guaraná nativo.
Proteger a biodiversidade alimentar seria, assim, uma maneira de
também garantir a essas comunidades o acesso aos recursos naturais dos
quais dependem. Da mesma forma que, com o devido apoio, as famílias
podem estimular a produção e torná-la viável comercialmente – nesse
caso, a demanda do mercado ajudaria a preservar o produto. Foi o que
aconteceu no sertão baiano, de onde todo ano saem milhares de potes de
geleia de umbu para correr o mundo.
Essa, claro, é a parte difícil. Afinal, quem quer saber de umbu num
mundo onde quem dita as regras à mesa são o agronegócio e a indústria
alimentícia? Não bastasse o desprezo do mercado, os pequenos produtores
são ainda obrigados a conviver com a destruição do habitat – como ocorre
nos manguezais sergipanos, onde vive o caranguejo aratu –, a
dependência dos atravessadores e a falta de estímulo às gerações mais
jovens, irremediavelmente impelidas ao êxodo rural.
Por sorte ainda tem quem goste de umbu ou de cagaita, e é desse
pessoal que tem vindo o principal incentivo aos pequenos produtores.
São, basicamente, chefs e gourmets empenhados em identificar, resgatar e
divulgar sabores esquecidos ao redor do mundo. Alguns agem por conta
própria, mas muitos estão conectados à Fundação Slow Food para a Biodiversidade, entidade criada há três décadas na Itália e que hoje tem mais de 100 mil associados em 150 países.
Sua bandeira é a chamada ecogastronomia, conceito que alia o prazer
de se comer à consciência social e ambiental. Para a Slow Food, a
comida, para ser de qualidade, deve também ser socialmente justa e
ambientalmente limpa. Uma de suas ações nesse sentido é a criação da
Arca do Gosto, uma lista que tem por objetivo divulgar o patrimônio
mundial alimentar em vias de extinção.
Todos os produtos aqui citados pertencem à Arca brasileira – são 24
no total. No mundo, a lista ultrapassa os mil itens, da baunilha de
Madagascar ao queijo da Transilvânia. A ideia é que, uma vez na Arca, um
ingrediente avive o interesse do público e do mercado a ponto de
estimular sua produção e, mais adiante, garantir sua presença no
planeta. Paladares exigentes agradecem.
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