Presos políticos e torturados durante o regime militar deram seus testemunhos em um ato, nesta terça-feira (11), às 13h. Manifestantes concentrados em frente ao Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF-SP), na avenida Paulista, São Paulo (SP), exigiam a aceitação da denúncia criminal contra o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado pelo crime de sequestro qualificado e continuado do líder sindical Aluízio Palhano Pedreira Ferreira.
Por Deborah Moreira, da redação
A manifestação foi marcada instantes antes do TRF-SP julgar um recurso do Ministério Público Federal contra Ustra, coronel do Exército conhecido como major Tibiriçá, e Dirceu Gravina, delegado da Polícia Civil. Ustra comandou o DOI-Codi de São Paulo, um dos mais terríveis centros de tortura, onde foram assassinados diversos militantes que combateram a ditadura militar, entre 1970 e 1974. Gravina atuou como cúmplice. Ambos foram denunciados pelo crime de sequestro qualificado do líder sindical Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, preso ilegalmente por agentes a serviço do governo federal em maio de 1971 e, até hoje, desaparecido.
O MPF sustenta a tese de que como até hoje a vítima está desaparecida, trata-se de crime continuado de sequestro. No entanto, o juiz federal Márcio Rached Millani, da 10ª Vara Criminal, rejeitou a denúncia alegando que Palhano não poderia estar vivo, pois estaria com 90 anos e tendo em vista que o país tem uma expectativa de vida de 73 anos, concluiu que a vítima estaria morta e, portanto, não configuraria sequestro.
Palhano, que integrou a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo liderado pelo militar Carlos Lamarca, foi presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, da Confederação Nacional dos Bancários e vice-presidente da antiga Central Geral dos Trabalhadores (CGT).
Segundo o TRF da 3º Região, o julgamento foi adiado já que o desembargador Nelton dos Santos, pediu vistas do processo para analisa-lo com mais tempo. A expectativa é que entre na pauta de julgamento da próxima semana. O julgamento do Recurso tem como relator o Desembargador Federal Peixoto Júnior. Será a primeira vez que um tribunal federal se manifesta sobre a tese do sequestro (desaparecimento forçado) que vem sendo desenvolvida pelo Ministério Público Federal (MPF). O resultado pode significar a abertura de uma brecha na Lei da Anistia para a penalização de agentes de Estado.
“É uma decisão muito importante já que pode definir se o Brasil vai ou não respeitar a decisão da corte Interamericana de Direitos Humanos, que recomenda que os crimes que lesam a humanidade, como sequestro, que não prescrevem, sejam julgados, e os culpados punidos”, declarou José Augusto Camargo, o Guto, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que convocou o ato.
A manifestação foi convocada pelo Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça; Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Politicos; Grupo Tortura Nunca Mais-SP; Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; Comissão de Direitos Humanos Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB-SP); Ação Católica pela Abolição da Tortura (Acat); e Koinonia – Presença Ecumênica e Serviços.
Manifestação
Durante o ato em frente ao TRF-SP, vários ex-presos políticos se revezaram para denunciar o que presenciaram dentro dos equipamentos de tortura. Outros militantes estiveram presentes com cartazes e faixas de protesto para chamar a atenção de quem passava no local.
“Estive
sete meses no Doi-Codi e fui muito torturada. Não fui torturada pelo
major Tibiriçá, mas ele era o comandante do Doi-Codi. Agora o Gravina, o
JC, de Jesus Cristo, num país de cristãos o torturador usando o nome de
Jesus Cristo, que foi um revolucionário, que foi torturado e
assassinado. E nós fomos presos sequestrados e torturados por interesses
das grandes multinacionais. Vi vários companheiros presos, no entanto,
outras versões eram dadas de que teriam sido mortos em tiroteios",
declarou a ex-presa política Darci Toshiko Miyaki, 67 anos, que
pertenceu a Ação Libertadora Nacional (ALN), e esteve detida entre 25 de
janeiro e agosto de 1972. Atualmente, ela faz parte do Comitê da
Memória e Verdade e da Comissão Municipal da Verdade, ambos de Campinas."O nosso sentimento não é de revanchismo ou vingança. Queremos que esse país saiba que tínhamos o direito e o dever de lutar contra a ditadura. Pedimos justiça por nós sobreviventes e pelos nossos companheiros assassinados. Pelos corpos que não foram entregues para as famílias que esperam por notícias há meio século. Está na hora de termos a verdade do que ocorreu neste país e do nosso povo, dos nossos jovens saberem dessa história”, disse Darci no encerramento de seu depoimento.
O advogado Aton Fon Filho, que também integrou a ALN, e permaneceu preso duranta 9 anos 11 meses e 3 dias, entre 19 de dezembro de 1969 e 22 de novembro de 1979, lembrou que há duas decisões que o TRF-SP não pode ignorar.
"É fundamental que o TRF reconheça a validade de decisões já dadas pelo Supremo Tribunal Federal, que já julgou que a Anistia não se aplica nos casos de sequestro, durante o julgamento do pedido de extradição do militar uruguaio Manuel Cordeiro Piacentine, que acabou sendo extraditado. E também a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que declarou que a autoanistia concedida pelos militares não é valida, é nula de plenos direitos. Portanto, todos aqueles acusados por graves violações de direitos humanos devem ser levados a julgamento", explicou Aton Fon.
Ele ressaltou ainda que julgar os crimes que aconteceram durante a ditadura pode contribuir com a sensação de impunidade, que acaba resultando em graves violações até hoje por parte de agentes do poder público.
"Isso
pode nos levar a reduzir as graves violações dos direitos humanos que
são cometidas até hoje, as torturas e os assassinatos cometidos por
agentes do estado, principalmente contra a juventude negra", declarou o
ex-preso político que atualmente é dirigente do Sindicato dos
Advogados, integra o setor de Direitos Humanos do MST e faz parte da
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.O deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de S. Paulo, também esteve presente.
"Nós estamos aqui implorando para que Gravina e Carlos Alberto Brilhante Ustra sejam julgados, para que a justiça federal reconheça que esse assassino foi o responsável direto pelo sequestro de Aluízio Palhano Pedreira Ferreira. Há 42 anos que o povo brasileiro implora que a justiça federal reconheça Carlos Alberto Brilhante Ustra como assassino do povo brasileiro", exclamou Adriano Diogo.
Texto e fotos de Deborah Moreira
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