quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Árabes! Atenção à opção “Pequenos Estados” 01/08/2013


29/7/2013, [*] Sharmine Narwani - Al-Akhbar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
No âmago de todas as políticas jaz o mais duro, o mais frio oportunismo. Novas circunstâncias alteram as alianças e eventos inesperados sempre conspirarão para modificar os planos que se façam com vista a promover uma agenda núcleo.
Mohamed Mursi
Hoje, no Oriente Médio, todos os cálculos e projetos estão tendo de ser ajustados com frequência e rapidez que não se viam há décadas.
No Egito e na Síria, por exemplo, o sentimento popular é genuinamente dividido para acompanhar as alianças e os respectivos interesses. Metade dos egípcios parecem convencidos de que o deposto presidente Mohamed Mursi é o vilão-representante-residente de EUA-Israel; a outra metade acredita que quem defende e promove essas agendas estrangeiras são os militares egípcios.
Bashar al-Assad
Na Síria, pode-se dizer o mesmo dos sírios conflagrados, metade para cada lado, sobre se o presidente Bashar al-Assad ou o Conselho Nacional Sírio [orig. Syrian National Council (SNC)] é o principal promotor dos interesses hegemônicos de Israel e dos EUA na Região.
Mas egípcios e sírios, que apontam dedos alternativamente acusatórios ou contra os islamistas ou contra o Estado, que consideram ferramentas do imperialismo, enganam-se todos num ponto: o império é oportunista. E tem meios para beneficiar-se tanto dos islamistas como do Estado.
Há outro cenário muito mais destrutivo, que os árabes não levam em consideração, enquanto se ocupam com conspirações e minúcias especulativas: há uma terceira opção, mais daninha para todos os envolvidos.
A balkanização dos estados-chaves do Oriente Médio
"Dividir e Conquistar"- Projeto Imperial Anglo-Americano para o Oriente Médio
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Em evento realizado dia 19/6/2013, na Escola de Políticas Públicas Gerald R. Ford, da Universidade de Michigan, o ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, tocou num alarmante novo refrão que se ouve no discurso ocidental sobre resultados no Oriente Médio; uma terceira estratégia, caso todas as demais deem em nada, para redesenhar fronteiras acompanhando linhas sectárias, étnicas, tribais ou nacionais que farão desaparecer o alcance político/militar de países árabes chaves, e permitirão que o ocidente reforce seu controle (hoje em rápido processo de evanescimento) sobre a região. Eis o que diz Kissinger sobre essas duas nações 
Henry Kissinger
Há três resultados possíveis (na Síria). Uma vitória de Assad. Uma vitória sunita. Ou um resultado no qual as várias nacionalidades concordam com co-existirem juntas, mas em regiões mais ou menos autônomas, de modo que uns não possam oprimir outros. Esse é o resultado que eu preferiria ver. Mas não é ideia muito popular... Primeiro de tudo, a Síria não é estado histórico. Foi criada na forma atual em 1920, e recebeu essa forma para facilitar o controle que a França exercia sobre o país, depois do mandato da ONU (...). O vizinho Iraque recebeu formato ‘'estranho'’, exclusivamente para facilitar o controle pelos ingleses. E o formado dos dois países foi desenhado para dificultar que um ou outro desses dois países viesse a dominar a região.
Enquanto Kissinger assume francamente que prefere a opção de “regiões autônomas”, muitos governos ocidentais declaram que teriam algum interesse em impedir que os territórios sejam fragmentados. Não acreditem nisso. É mais uma vez e sempre narrativa inventada e cenários pré-montados. Repita incansavelmente qualquer coisa – por exemplo, a ideia de que esses países poderiam ser “redivididos” – e as plateias midiáticas já nem lembrarão se você disse que sim, ou disse que não. Guardarão a mensagem de que esses estados podem ser divididos.
O mesmo se passa com o discurso sectário. Os governos ocidentais vivem a alertar contra a escalada da divisão sunita/xiita. Simultaneamente, não fazem outra coisa além de jogar gasolina ao fogaréu dos conflitos em toda a região, sobretudo nos estados nos quais o Irã tem influência considerável (Líbano, Síria, Iraque) ou pode começar a ter alguma influência (Egito, Bahrain, Iêmen).
“Semear” sectarismo, para rachar os estados
Se algum dia houve conspiração com pernas, é essa. Inflar os conflitos árabes-iranianos e sunitas-xiitas a favor dos EUA tem sido objetivo político central dos EUA desde a Revolução Islâmica de 1979 no Irã.
WikiLeaks ajudou a lançar luz sobre as maquinações de Washington, no momento em que os levantes árabes começaram a aparecer nas nossas telas de televisão.
Telegrama do Departamento de Estado, em 2006, que lamenta que o presidente sírio Bashar al-Assad estivesse em posição fortalecida na Síria, oferece, simultaneamente, as linhas gerais de um plano para semear a discórdia dentro do estado sírio, com o objetivo de romper os laços entre sírios e iranianos. O “assunto”? “Explorar” todas as “vulnerabilidades”:
JOGAR COM OS MEDOS QUE OS SUNITAS TÊM DA INFLUÊNCIA IRANIANA: Há medos na Síria de que os iranianos xiitas estão ativos na propaganda e na conversão de sunitas (quase sempre, dos mais pobres). Embora quase sempre exagerados, esses medos refletem um elemento da comunidade sunita na Síria, cada dia mais perturbada pela influência iraniana em sue país, em atividades que vão da construção de mesquitas a ampliação de negócios. As missões egípcia e saudita locais (além de destacados líderes religiosos sírios sunitas) têm dado atenção crescente ao assunto. E temos de coordenar melhor as nossas ações com aqueles governos, para obter melhores resultados de publicidade e conseguir orientar o foco regional para essa questão.
Somos levados a questionar se semelhantes acusações sobre a “disseminação do xiismo” no Egito seriam também verdadeiras, ou se não passariam de intriga com vista a semear sentimentos de antixiismo e anti-Irã num país que, até esse mês, era governado pela Fraternidade Muçulmana Sunita.
Telegrama de 2009, da Embaixada dos EUA em Riad Arábia Saudita, insiste no mesmo tema. Mohammad Naji al-Shaif – líder tribal ligado por laços pessoais muito próximos ao então presidente do Iêmen, Ali Abdallah Saleh e seu círculo pessoal mais íntimo – diz que figuras chaves “têm-se mostrado muito céticos, em contatos privados, sobre o que Saleh tem dito sobre ajuda iraniana aos rebeldes Houthi”:
Shaif disse ao [oficial de embaixada encarregado de contatos econômicos, orig. EconOff], dia 14/12, que membros da Comissão [gabinete especial do governo saudita para assuntos do Iêmen] têm repetido, em conversas privadas, que Saleh tem mentido ou distribuído informação exagerada sobre auxílio que os iranianos estariam dando aos rebeldes Houthis, para obter envolvimento diretos dos sauditas e regionalizar o conflito. Shaif disse que um membro da Comissão lhe disse que “sabemos que Saleh está mentindo sobre o Irã. Mas não podemos fazer coisa alguma, agora, para desmenti-lo.
Hillary Clinton
Nada disso jamais impediu que a secretária de Estado, Hillary Clinton continuasse a mentir desavergonhadamente a uma Comissão do Senado, apenas alguns poucos anos adiante: “Sabemos que eles – os iranianos – estão profundamente envolvidos nos movimentos de oposição no Iêmen”.
Telegramas da embaixada dos EUA, de Manama, Bahrain, em 2008, ainda insistiam nessa mesma tecla:
Funcionários do governo do Bahrain, às vezes, em contatos privados, têm dito a visitantes norte-americanos que alguns oposicionistas xiitas estão sendo apoiados pelo Irã. Cada vez que se fala disso, pedimos que o Governo do Bahrain distribua as provas que tenha. Mas até agora não vimos qualquer prova convincente de armas ou dinheiro do governo iraniano por aqui, desde, pelo menos, meados dos anos 1990s. Na avaliação desse embaixador, se o governo do Bahrein tivesse provas de subversão iraniana recente, teria interesse em partilhá-las conosco o mais rapidamente possível.
Mas, como os governantes do Bahrain continuam a reprimir com violência os protestos pacíficos da maioria xiita, já passados dois anos desde o início dos levantes populares naquele país, vê-se ali o mesmo discurso que se vê também em Washington: de que seria resultado de interferência iraniana. 
Washington tem sido extremamente rápida ao ativar as narrativas anti-xiitas e anti-Irã, desde o início dos levantes árabes. Já em março de 2011, os militares norte-americanos executaram um exercício secreto para construir uma “linha narrativa” que perpetue diferenças entre árabes e iranianos, sunitas e xiitas.
Eis aqui alguma das premissas e questões incluídas no exercício do CENTCOM, de árabes versus iranianos. (Atenção: no texto, os iranianos são referidos como “persas”).
Premissa: “Há uma divisão na dinâmica árabes-persas. História, religião, idioma e cultura impõem obstáculos demais para que sejam superados”.
Premissa: “Um complexo árabe de inferioridade em relação aos persas implica que muitos árabes temem a expansão e a hegemonia persa em todo o Oriente Médio. Em sua mente, o Império Persa jamais deixou de existir e é mais autossuficiente que muitos estados árabes”.
Premissa: “Simples choque de civilizações – i.e., cruzados modernos, Islã versus judeu-cristãos; guerra entre ocidente/Israel versus árabes/presas – não parece ser cenário no qual árabes e persas venham a unir forças contra os EUA/Ocidente”.
Pergunta: “Seria apropriado circunscrever a discussão em termos de ‘árabes-persas’, ou a divisão ‘sunita-xiita’ é circunscrição mais apropriada?”.
Pergunta: “Assumindo o cisma, o que uniria árabes e persas, ainda que só temporariamente?”.
Todas essas narrativas assumem duas coisas: que a divisão entre iranianos e árabes é fato; e que a maior unidade dos dois grupos no início dos levantes árabes é ameaça potencial aos interesses dos EUA. Daí a pergunta seguinte, em tom preocupado: o que os uniria, mesmo que só temporariamente?
“Pequenos Estados” enfraquecem os árabes
Com o aumento de conflitos pré-fabricados na Região, as opções também diminuem. Dada a importância estratégica do Oriente Médio e suas reservas vitais de petróleo e gás... por causa do desejo de manter a estabilidade em estados-chaves que salvaguardam interesses dos EUA, como Israel, Jordânia, Turquia (membro da OTAN), monarquias do Golfo Persa... conflitos sem prazo para terminar em vários estados são, dito em fórmula simples, indesejáveis.
Modelo de "balcanização" da Síria
Ao longo do conflito sírio – e com certeza ao longo do ano passado, quando a partida de Assad parecia menos provável – o ocidente, através da mídia e de intermediários “especialistas”, frequentemente trouxe à tona a ideia de dividir o estado em várias partes menores, seguindo linhas sectárias e étnicas. Embora apresentada como meio para “impedir conflito futuro”, essa ideia atualmente acompanha o experimento de federalismo iraquiano que os EUA tentam implantar e que efetivamente tentaram implantar, dividindo o Iraque em três zonas distintas (sunita, xiita e curda).
Esqueça o fato de que não se encontram cinco sírios não curdos ou iraquianos não curdos que tenham renome nacional e que apóiem a divisão da própria nação. A ideia é claramente ideia dos EUA, na visão de Washington. Ou é visão ocidental, na qual se veem as impressões de Israel por, de fato, todos os cantos.
A visão de Israel, dos “Pequenos Estados”
Em 1982, com Israel aquecendo as máquinas para invadir o Líbano, o estrategista do Ministério de Relações Exteriores de Israel, Oded Yinon rascunhou um plano para redesenhar o Oriente Médio,  dividido em vários pequenos cantões que jamais representariam qualquer tipo de ameaça à supremacia regional do estado judeu:
A total dissolução do Líbano, em cinco províncias, serve como precedente para todo o mundo árabe, incluindo o Egito, a Síria, o Iraque e a Península Arábica, e já está em andamento. A dissolução da Síria e do Iraque, logo depois, em áreas étnicas ou religiosas puras, como no Líbano, é o alvo primário de Israel no front oriental no longo prazo; e a dissolução do poder militar desses estados serve como alvo primário de curto prazo. A Síria rachará, acompanhando suas linhas internas de estrutura étnica e religiosa, em vários estados, como o Líbano hoje; e haverá um estado xiita alawita junto à costa; um estado sunita na área de Aleppo; outro estado sunita em Damasco, hostil contra o vizinho do norte; e os drusos, que não terão estado, talvez mesmo no nosso Golan; e com certeza em Hauran e no norte da Jordânia.
O Egito é dividido e esfacelado em vários focos de autoridade. Se o Egito esfacelar-se, países como a Líbia, o Sudão e mesmo estados mais distantes deixarão de existir sob a forma que têm hoje e acompanharão a decadência e a queda do Egito. A visão de um estado cristão copta no Alto Egito, ao lado de vários estados fracos com poder bem local e sem governo centralizado a enfrentar, é a chave para um desenvolvimento histórico que só foi contido pelo acordo de paz, mas que parece inevitável, no longo prazo.
O Iraque, rico em petróleo por um lado, mas internamente rachado por outro lado, é candidato certo a ser alvo dos israelenses. A dissolução é ainda mais importante para nós, que a da Síria. No curto prazo, a maior ameaça hoje, contra Israel, é o poder iraquiano. Uma guerra Iraque-Irã rachará ao meio o Iraque e levará à queda, antes de o país conseguir organizar a luta em front mais amplo contra nós. Qualquer tipo de confronto intra-árabes nos ajudará no curto prazo, e apressará o processo para alcançarmos o objetivo mais importante de rachar o Iraque entre as diferentes denominações, como na Síria e no Líbano.
No Iraque, é possível a divisão em províncias, acompanhando linhas étnicas/religiosas como nos tempos otomanos. Assim, três (ou mais) estados existirão em torno de três grandes cidades: Basra, Bagdá e Mosul; e áreas xiitas no sul separarão as áreas sunitas e o norte curdo. É possível que o atual confronto Irã-Iraque aprofunde essa polarização.
Não há chance de a Jordânia continue a existir em sua estrutura atual por muito tempo; e a política de Israel, tanto em paz quanto em guerra, tem de ser dirigida para liquidar a Jordânia sob seu regime atual, com transferência de poder para a maioria palestina.
O sonho sionista de Oded Yinon. A linha vermelha demarca as "novas fronteiras de Israel"
Cuidado com a ruptura artificialmente provocada dos estados
Na via oposta às narrativas ocidentais sobre “revoluções” árabes que anunciariam uma era de “liberdade e democracia”, os russos adotaram via de análise dos eventos muito mais cautelosa.
Dmitry Medvedev
Já em fevereiro de 2011, o então presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, alertou que as revoluções que começavam a eclodir no mundo árabe levariam ao poder, mais provavelmente, grupos de fanáticos, o que por sua vez determinaria “anos de fogo e a disseminação do extremismo na Região e no tempo”. E a quebra de estados, na sequência desses eventos, disse ele, era clara possibilidade a ser levada em conta:
A situação é dificílima. Podemos estar falando da desintegração de estados grandes, densamente povoados. Podemos estar falando da pulverização desses estados, de sua redução a pequenos cacos.
Os russos acertaram perfeitamente. Os norte-americanos erraram – grave e perigosamente
O Oriente Médio um dia precisará fazer correções de fronteiras, mas, para ser bem-sucedido, terá de fazê-lo como processo determinado de dentro para fora, por interesses indígenas. As batalhas que incendeiam a Síria, o Iraque, o Líbano, o Iêmen, o Bahrain e outros países são manifestação de luta maior que se disputa entre dois “blocos”, cada um deles com desejos diferentes para toda a região. E um desses desejos é um novo traçado para as fronteiras do Oriente Médio.
O primeiro grupo, um bloco agressivamente liderado pelos EUA busca manter a hegemonia regional a qualquer custo; para isso, usa narrativas cuidadosamente construídas para promover divisões locais e levar a população a apoiar “a causa” das novas fronteiras apoiadas pelo ocidente. Essas fronteiras dividirão os países segundo linhas sectárias, étnicas e tribais, de modo a garantir que haja conflito eterno entre os “novos” estados e respectivas “novas” fronteiras, os quais contribuirão para que os novos estados tenham de ocupar-se com conflitos locais e sejam assim “redirecionados” de qualquer luta contra o maior poder imperial. Um Oriente Médio unificado, afinal de contas, mais ou menos naturalmente se organizaria contra o sempre odiado Império – e as fronteiras de Israel seriam as primeiras a ser sacrificadas. E nesse clima, revisões de fronteiras fomentadas pelo ocidente serão dramaticamente mais caóticas do que [o acordo] Sykes-Picot jamais foi.  
O segundo bloco (Irã, Iraque, Síria, Rússia, China e um pequeno grupo de estados - grupamentos independentes) que se opõe à hegemonia ocidental-israelense não tem nem meios nem força ou competência para impor soluções de fronteira exceto em sua própria base geográfica, o que cada vez mais se aproxima de uma linha traçada do Líbano ao Iraque (e não por acaso, porque é aí que está canalizada a maior parte do caos). Esse grupo tem uma estratégia de defesa, baseada largamente em desconstruir tramas que semeiam divisionismos, minimizar a luta e esvaziar insurgências cevadas do exterior, inclusive por meios militares, se necessário.
Do ponto de vista desse bloco, Sykes Picot será desfeito, mas dentro de um processo orgânico de correções de fronteiras baseado em consenso regional e considerações racionais. Na verdade, esse bloco está menos focado em redesenhar fronteiras do que em controlar e dosar os confrontos criados para gerar divisões prejudiciais para todos.
Árabes e muçulmanos têm de começar a prestar máxima atenção a essa terceira opção de “pequenos estados”. Se não se dedicarem a isso, todos cairão na perigosa armadilha de deixar-se distrair-se por detalhes de somenos, enquanto suas nações estarão sendo retalhadas, e seus povos lançados em conflitos e guerras perpétuas.

[*] Sharmine Narwani é autora, comentarista e analista política, que cobre o Oriente Médio para várias publicações.
Pode ser encontrada pelo Twitter, @snarwani .

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