domingo, 9 de março de 2014

O que não sai nos jornais sobre a extrema-direita na Ucrânia 09/03/2014




Na principal reportagem sobre a Ucrânia que publicou hoje, a versão digital do New York Times diz que o Right Sector é “controverso” por causa de sua organização “semi-militar”. Mas, como você verá abaixo, é muito mais que isso.

O papel dos nacionalistas de extrema-direita nos protestos da Ucrânia

por Ivan Katchanovski, no Moscow Times

Feb. 12 2014

A primeira vítima do atual conflito na Ucrânia é a verdade. Houve uma enxurrada de informação não confirmada, selecionada, distorcida e incorreta sobre vários aspectos tanto dos protestos quanto da política ucraniana em geral, tanto na mídia pró-governo quanto na mídia pró-oposição.

O papel-chave da direita radical em transformar o conflito de um protesto pacífico em algo crescentemente violento e em colocar a Ucrânia à beira de uma guerra civil e fragmentação foi ignorado, minimizado ou deturpado pela mídia, políticos e especialistas, na Ucrânia e, em menor medida, no Ocidente.

Enquanto isso, na Rússia, uma atenção muito maior na extrema-direita inclui aparentes tentativas de associar os protestos com nacionalistas radicais e elementos neonazistas e seus predecessores históricos da facção de Stepan Bandera da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, OUN.

Os protestos começaram no final de novembro contra a decisão do presidente Viktor Yanukovych de abandonar o acordo de associação e livre comércio com a União Europeia. Então, a dispersão brutal de protestos majoritariamente pacíficos de manifestantes pró-UE pela unidades da polícia especial geraram mais protestos. Mas a direita radical jogou papel-chave na tomada da prefeitura de Kiev e nas tentativas de atacar o palácio presidencial em primeiro de dezembro e o Parlamento em 19 de janeiro.

Muito da mídia ucraniana e os principais líderes de oposição inicialmente disseram que os ataques violentos contra o palácio presidencial e o Parlamento tinham sido liderados por agentes provocadores a serviço do governo ucraniano ou da Rússia. Eles citaram um canto em russo de alguns dos que atacavam como prova-chave de sua afirmação, embora este canto seja usado por fãs extremistas de times de futebol ucranianos, como o Dynamo Kiev.

Em contraste, a mídia ignorou a admissão na página do Right Sector do Vkontakte [Nota do Viomundo: o Facebook deles] de que seus membros eram os que entoavam o canto. Se é possível que provocadores possam ter sido infiltrados na liderança e em posições das organizações de extrema-direita, é um exagero dizer que eles controlavam a extrema-direita e lideraram os ataques.

Grupos de torcedores extremistas, de nacionalistas radicais e organizações neonazistas, como a Trident, Patriotas da Ucrânia, Martelo Branco e UNA-UNSO, formaram o Right Sector e participaram nos grandes ataques violentos em Kiev e contra governos regionais. Embora o principal partido de extrema-direita, o Svoboda, tenha se distanciado publicamente dos ataques ao palácio presidencial e ao Parlamento, há provas de envolvimento de ativistas do Svoboda e de organizações associadas nos ataques.

Estes grupos de extrema-direita se consideram em várias extensões como herdeiros da OUN ou glorificam a OUN. Alguns deles são responsáveis por usar símbolos neonazistas, como a cruz celta e o sinal 14/88, cujos números fazem referência a supremacistas brancos, além do “Heil Hitler”.

No entanto, símbolos e cantos da OUN, como a bandeira vermelha e negra, as saudações coreografadas “Glória à Ucrânia, Glória aos Heróis”, “Glória à Nação”, “Morte aos Inimigos” e “Ucrânia acima de tudo” foram usados muitos mais amplamente pela extrema-direita durante as ações violentas. O Svoboda fez um comício com tochas acesas em honra ao aniversário de Bandera, no primeiro de janeiro, diante do prédio da Prefeitura de Kiev, que ocupa.

Muitos órgãos da mídia, políticos nacionalistas e historiadores da Ucrânia apresentam Bandera e sua facção da OUN como heróis nacionais que lutaram pela independência da Ucrânia contra a União Soviética e a Alemanha nazista. Eles negam, justificam ou falsificam a colaboração da OUN com a Alemanha nazista no início e no final da Segunda Guerra Mundial e o envolvimento da OUN e do Exército Insurgente Ucraniano nos assassinatos em massa de judeus, poloneses, russos e ucranianos.

Por exemplo, cerca de 1.500 judeus, ucranianos e poloneses, vítimas de execução em massa dos nazistas, cujos restos foram exumados recentemente em Volodymyr-Volynskyi, foram apresentados falsamente como vítimas da [polícia política] NKVD soviética, a predecessora da KGB.

A mesma distorção acontece sobre a participação da polícia local nestas execuções: ela era controlada pela OUN, cuja maioria se juntou ao Exército Insurgente Ucraniano. Meu estudo demonstra que pelo menos 63% dos líderes da OUN e do Exército Insurgente Ucraniano serviram durante a ocupação nazista como policiais, milicianos, administradores locais, nos batalhões Nachtigall e Roland Battalions, na divisão da SS da Galicia, no Bergbauern-Hilfe ou colaboraram com as agências de segurança e inteligência da Alemanha nazista, primariamente no início e no fim da guerra.

Mas seria incorreto associar os protestos na Ucrânia com a extrema-direita. Os manifestantes violentos da extrema direita representam uma minoria relativamente pequena. Pesquisas de opinião mostram que o Svoboda e seu líder, Oleh Tyahnybok, são muito menos populares entre os ucranianos que líderes não-nacionalistas de oposição como Vitali Klitschko e Arseny Yatsenyuk e seus partidos.

Da mesma forma, pesquisas conduzidas pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev mostram que a OUN, o Exército Insurgente Ucraniano, Stepan Bandera e Roman Shukhevych são populares apenas entre a maioria dos eleitores do Svoboda e residentes da Galicia, um ex-reino no oeste da Ucrânia. A opinião positiva é minoritária entre os eleitores de todos os outros grandes partidos, de todas as gerações e residentes de todas as outras regiões, inclusive Kiev. Apenas 1% dos ucranianos expressam uma visão positiva a respeito de Adolf Hitler.

Ainda assim, muitos líderes de oposição e manifestantes adotaram a saudação da OUN em Maidan [a praça central de Kiev]. Eles cooperam com o Svoboda e não se distanciam completamente dos manifestantes violentos da extrema-direita. Existe até apoio para os manifestantes violentos, mas alguns pesquisadores acadêmicos dizem que o envolvimento de nacionalistas radicais e simpatizantes neonazistas está sob pressão. Tais ações não são compatíveis com os valores liberais e democráticos associados com a União Europeia.

Uma resolução pacífica do conflito, com a intermediação do Ocidente e da Rússia, cria a possibilidade de remover e escolher o presidente e o governo através de eleições. Para o futuro da Ucrânia como um país unitário isso é preferível que se a oposição ou o governo usarem violência e tentarem uma estratégia de vitória total, que possivelmente pode levar à guerra civil e à partilha de uma Ucrânia já profundamente dividida.

*Ivan Katchanovski é professor da escola de estudos políticos e do departamento de comunicações da Universidade de Ottawa. Ele é autor de Cleft Countries: Regional Political Divisions and Cultures in Post-Soviet Ukraine and Moldova e co-autor de Historical Dictionary of Ukraine, Second Edition.

Clique aqui para o site do Right Sector




PS do Viomundo: Mais tarde, em declaração reproduzida no Daily Beast o autor do artigo acima — escrito antes do desfecho da crise, com a fuga do presidente eleito da Ucrânia — acrescentou:

“A extrema-direita da Ucrânia conseguiu agora um nível de representação e influência que não tem paralelo na Europa. Um membro do Svoboda, nome adotado pelo Partido Nacional Socialista em 2004, se tornou ministro da Defesa. Integrantes do Svoboda também controlam o escritório do procurador geral, a posição de vice-primeiro ministro e os ministérios da Ecologia e da Agricultura. O Right Sector paramilitar tem poder de fato em pelo menos algumas regiões do oeste da Ucrânia, como Rivne e Volyn. Anriy Parubiy, o comandante da autodefesa de Maidan, foi indicado como chefe do Conselho de Defesa e Segurança Nacional e [Dmitro] Yarosh, líder do Right Sector, deve se tornar seu vice”.

O trecho da reportagem do New York Times reproduzido no topo do post diz que Yarosh vai se candidatar a presidente da Ucrânia, depois de um congresso em que grupos ultranacionalistas vão formar um partido para competir com o Svoboda pelos eleitores de extrema-direita.

Trecho final da reportagem do Daily Beast traz declarações de Yarosh:


“Somos contra a degeneração e o liberalismo totalitário, mas apoiamos a moral tradicional e os valores da família, contra o culto do lucro e da depravação”. O que Yarosh quer dizer quando fala em “degeneração” é “homossexualismo”. Quando ele fala em “liberalismo totalitário” quer dizer que os direitos da Nação são mais importantes que os direitos humanos. Sítios do Right Sector usam ativamente termos estranhos como “homoditadura liberal” quando falam sobre as sociedades modernas ocidentais.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/ucrania.html

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