sexta-feira, 25 de novembro de 2016

2010 é o ano da ruptura de qualquer pudor ou verniz, por João de Paiva 24/11/2016





Quando agentes, fiscais e aplicadores da Lei se associam em ORCRIMs, a barbárie se instala

por João de Paiva

A disseminação do ódio, semente do fascismo, tem sido feita pelos chamados veículos da grande mídia comercial brasileira desde os idos de 2005, quando veio à baila a farsa do chamado "mensalão do PT". Como já abordado por mim e por vários jornalistas, analistas e colunistas que escrevem e publicam artigos em blogs e portais progressistas, aquele episódio marcou o fim da curta e falsa 'lua-de-mel' entre a grande mídia, o PT, Lula e o governo liderado por este. 2010 é o ano que marca a ruptura completa de qualquer pudor ou verniz que pudesse encobrir a atuação político-partidária dos veículos da grande mídia comercial; nesse ano Judith Brito, então presidente da ANJ, confessou pùblicamente que, devido à 'fragilidade' da oposição política –leia-se PSDB – a imprensa assumira então o papel de oposição política ao governo petista.

As conseqüências da atuação descaradamente político-partidária da imprensa são hoje bem conhecidas e resultaram num golpe de Estado midiático-policial-judicial-parlamentar. Tendo em vista que a grande imprensa brasileira foi apoiadora, cúmplice e conivente, quando não atriz dos golpes de Estado perpetrados ao longo do século XX, a surpresa e o espanto não decorrem apenas ou principalmente dessa postura golpista dos maiores veículos de comunicação. A principal agravante da crise atual – que não é apenas política e econômica, mas sobretudo institucional – é que na trama e execução do golpe de Estado em curso, todo o sistema de justiça (aí inclusas as polícias, o ministério público – tanto federal como nos estados – e o poder judiciário) foi cooptado e está a serviço da trama golpista, cujo alto comando sabemos ficar no exterior, em especial nos EUA.

A concentração dos meios de comunicação que são concessão pública (Rádio e TV) em número super-restrito de famílias, assim como a super-concentração de veículos impressos(jornais e revistas) em um número restrito de famílias, muitas das quais detêm a propriedade cruzada, explorando na mesma praça diferentes meios de comunicação, concomitantemente à cooptação do sistema de justiça, tornam o golpe de 2016 muito mais grave e de conseqüências até o momento imprevisíveis. O que vemos desde o episódio do chamado 'mensalão do PT', que resultou naquela aberração jurídica que foi o farsesco e midiático julgamento da AP-470, foi um completo desvirtuamento das instituições que compõem o chamado 'sistema de justiça'; o respeito à Lei e ao Estado de Direito Democrático começou a morrer ali.

Em comentários e num ensaio já mostrei que as manifestações, que ficaram conhecidas como jornadas de junho de 2013, foram as sementes do golpe de Estado lançadas em terreno fértil. A partir dali houve uma cooptação e espúria aliança – na verdade um conluio – entre os veículos da grande mídia comercial e as instituições que compõem o sistema de justiça (notadamente a PF, o MP e o PJ). A chamada operação "Lava a Jato", cujo nome mais adequado é Fraude a Jato, deflagrada no ano seguinte, é conseqüência natural e continuidade da trama golpista, seguindo as diretrizes do alto comando internacional.

Os EUA investiram contra o projeto de desenvolvimento soberano do Brasil de olho em nossas riquezas e projetos estratégicos (Nióbio, Petróleo, Nuclear, Aero-Espacial, etc.). Como hoje em dia fica muito dispendiosa a aplicação de golpes militares clássicos e como o s EUA já possuem muitas frentes de guerra abertas no Oriente Médio, a solução adequada para aplicar os golpes de Estado na América Latina foi usar a técnica da guerra híbrida (a esse respeito sugiro que leiam e ouçam o jornalista e analista político Pepe Escobar) e desfechar nesses países o chamado 'golpe brando', 'golpe branco' ou 'golpe suave'. A primeira aplicação da técnica se deu em Honduras; depois o golpe 'soft' foi aplicado no Paraguai e neste ano foi estendido ao Brasil, sempre com êxito. Na concepção e nas dissimulações do alto comando a trama dos golpes 'brandos' pode ser considerada sofisticada. Mas nos três países latino-americanos em que foi aplicada, o primitivismo e a canalhice dos atores locais desmascaram a trama golpista, assim que os golpes foram desfechados. No Brasil o processo foi mais lento e gradual, mas nem por isso deixou de ser percebido e denunciado pelos jornalistas independentes e pela parcela mais bem informada, atenta, crítica e observadora da população.

Uma vez que o golpe foi percebido e denunciado antes mesmo que sua consumação ocorresse, houve uma disputa para estabelecer qual das narrativas prevaleceria, se a da grande mídia comercial brasileira, que estimulou, promoveu e atuou em prol do golpe ou se a dos blogs e portais independentes e progressistas, que sempre defenderam o governo legítimo da presidenta Dilma Rousseff e o Estado de Direito Democrático. Veículos da mídia internacional a princípio reproduziam o que o PIG/PPV brasileiro publicava; mas com a instauração do processo de 'golpeachment' (um golpe de Estado midiático-policial-judicial-parlamentar travestido de impeachment, simulando legalidade e institucionalidade que jamais possuiu), repórteres e correspondentes foram enviados ao Brasil e passaram a acompanhar o que acontecia e nosso País.

Em poucas semanas todo o castelo de cartas do PIG/PPB brasileiro foi posto abaixo e os jornais, revistas, emissoras de Rádio e TV mais influentes do mundo (como o New York Times, The Guardian, Der Spiegel, BBC, El País, Le Monde, etc.) chamaram o golpe por aquilo que é: um golpe de Estado, a ruptura com o Estado de Direito Democrático. O jornalista estadunidense, radicado no Brasil, Glenn Greenwald e o portal de notícias que dirige, The Intercept, teve papel importantíssimo na construção da narrativa verdadeira sobre o golpe, em âmbito internacional. Com sua credibilidade e reconhecimento, Glenn Greenwald denunciou a trama golpista, mostrando ao mundo que uma presidenta honesta estava sendo deposta por um parlamento cuja câmara baixa, composta por bandidos, era chefiada por um bandido, Eduardo Cunha. Por sua decidida tomada de posição, Glenn Grenwald chegou a sofrer ameaças; o jornal O Estado de São Paulo, em editorial, chegou a pedir a restrição da atuação do jornalista no Brasil; a ANJ, que defende os interesses corporativos do PIG/PPV, quer impedir a atuação de jornalistas estrangeiros em veículos de mídia, como é o caso de Glenn Greenwald e seu portal Intercept.

A publicação de livros destrinchando e mostrando as entranhas da trama golpista,antes mesmo da consumação, de que são exemplo "Golpe 16", que reúne artigos de jornalistas e analistas independentes e progressistas, "A radiografia do golpe", do professor e sociólogo Jessé Souza, "A outra história da Lava a Jato", do jornalista Paulo Moreira Leite, contribuiu de forma decisiva para criar uma massa crítica de resistência e combate ao golpe. Assim, para se consolidar, os atores do golpe têm de apelar cada vez mais para medidas repressivas e atentatórias contra os direitos dos cidadãos, contra os movimentos sociais e contra os partidos de Esquerda. É isso que temos visto desde que as quadrilhas políticas, sobretudo do PMDB e do PSDB, tomaram o poder executivo federal. A nomeação de ministros truculentos, machistas, misóginos, investigados ou réus em processos penais por corrupção, velhos e brancos, está em sintonia com o viés autoritário, corrupto e violento do governo ilegítimo que usurpou o poder após o 'golpeachment'.

A presença de figuras como o general Sérgio Etchegoyen no recriado SNI – tucanamente alcunhado de GSI, Gabinete de Segurança Institucional – , o grotesco e truculento Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça, Raul Jungman no Ministério da Defesa (área da qual não entende absolutamente nada), Eliseu Padilha, para a Casa Civil, Geddel Vieiral Vieira Lima, para Secretaria de Governo, além de incompetentes e corruptos notórios como Mendonça Filho na Educação e Ronaldo de Barros na Saúde, mostram que a má-fé e a violência repressiva estão no DNA do governo usurpador. Um governo composto por figuras como as citadas, com uma pauta ultra neoliberal, privatista e entreguista, que se põe a demolir todo o estado de bem-estar social duramente construído ao longo de 12 anos por Lula e Dilma, só pode se sustentar pela força, pela violência, pela repressão. A peculiaridade do Estado Fascista de Exceção, já em vigor e predecessor da ditadura fascista que em breve se consolidará no Brasil, é que a repressão agora está sendo exercida não pelo Exército e outras Forças Armadas Federais, mas pelas polícias (federal, militares e civis dos estados e distrito federal), pelo ministério público (tanto da União, como dos estados e do distrito federal) e pelo poder judiciário (tanto federal como nos estados).

O aspecto mais grave do golpe de Estado de 2016, ainda em curso, é o fato de que o conluio do sistema de justiça com o PIG/PPV com outros atores golpistas levou vários agentes desse sistema de justiça a atuarem de forma criminosa, à margem da Lei. Salta aos olhos e parece evidente ao cidadão bem informado, atento e observador que instituições como as Polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário estão eivados de ORCRIMs institucionais. A atuação descaradamente partidária da Fraude a Jato, que persegue e incrimina líderes políticos da Esquerda e ao mesmo tempo blinda e protege líderes políticos do PSDB permite inferir que os integrantes dessa força-tarefa constituem, na verdade, uma organização criminosa composta por profissionais dessas instituições. Repórteres investigativos como Marcelo Auler e Luís Nassif produziram reportagens com denúncias provadas de práticas de ilegalidades criminosas por parte de delegados da SR/DPF/PR. O juiz federal Sérgio moro, responsável por conduzir e julgar a maioria dos processos da Fraude a Jato, tem cometido crimes de forma continuada (prisão preventiva por tempo indeterminado e coação de presos, para forçá-los a delatar o que e quem ele, os delegados e procuradores desejam, tortura psicológica e física contra esses presos – como denunciou Delcídio do Amaral – gravação de conversa entre cliente e advogado, violação do sigilo telefônico de escritórios de advocacia, interceptação e divulgação de conversa telefônica entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, cerceamento da defesa dos investigados, impedindo que estes possam produzir provas que demonstrem sua inocência, vazamentos de informações aos veículos do PIG/PPV sobre investigações processos que deveriam ficar em sigilo, assassinato de reputação ao expor pessoas investigadas ao linchamento, mesmo antes de serem julgadas). Não apenas o juiz Sérgio Moro, mas delegados da PF e procuradores do MP, os quais integram a Fraude a Jato, têm cometido os crimes listados, além de outros que não citei.

O TRF4 coonestou os crimes do juiz Sérgio Moro e o STF se omitiu, sendo conivente com tais crimes. Essas ações criminosas de desembargadores e ministros do STF (afinal se um juiz de tribunal superior coonesta uma ação criminosa de juiz de primeiro grau, também ele está cometendo um crime) abriu a porteira, para que juízes e procuradores pudessem soltar os 'demônios' que guardavam consigo. As recentes decisões de dois juízes, Glaucenir Oliveira, Marcelo Bretas e do próprio Sérgio Moro, decretando a prisão dos ex-governadores do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho e Sérgio Cabral Filho, mostram que o Estado de Exceção ràpidamente caminha para uma ditadura do Judiciário. Os Direitos do cidadão são vilipendiados, desrespeitados, as pessoas são submetidas a linchamentos e condenação prévia nos veículos de mídia, o direito de defesa é cerceado e a população, manipulada e envenenada pelo ódio nazifascistóide disseminado pelos veículos de mídia, assiste ao espetáculo de suplício, como se estivéssemos na era medieval. A ação dos jornalistas independentes foi rápida e no dia seguinte à prisão de Anthony Garotinho, os leitores puderam conhecer a ficha corrida de Glaucenir e os abusos e crimes cometidos por esse juiz; foi possível saber, também, que o DPF que pediu e executou a prisão de Garotinho é aliado político de um adversário do ex-governador, na cidade de campos dos Goytacazes, no norte fluminense, reduto político de Garotinho e esposa. É fundamental relembrar que Garotinho é considerado inimigo mortal da TV Globo, a quem denunciou por sonegação fiscal, usando microfones e câmeras da própria emissora. No afã de se vingar do ex-governador, a PF e a emissora dos Marinho cometeram outro crime, ao grampear e divulgar a conversa entre Garotinho e seus advogados, visando desqualificar a decisão da juíza e ministra do TSE, Luciana Lóssio, que reformou a decisão do juiz Glaucenir, determinando que Garotinho permaneça em prisão domiciliar. Com problemas cardíacos, Garotinho sofreu princípio de obstrução de uma artéria e foi submetido a cateterismo e colocação de um stent.

Sérgio Cabral Filho também foi linchado pela mídia, que usou imagens dele de cabeça raspada e uniforme de presidiário,divulgadas pela polícia.

Não tenho nenhum apreço ou simpatia pelos ex-governadores fluminenses e presumo que sejam culpados de alguns dos crimes de que são acusados, mas como cidadãos eles têm o direito à presunção de inocência – como estabelece a CF/1988 em seu Art. 5º – e ao exercício de ampla defesa. Os veículos de mídia, os profissionais da PF(e outras polícias que atuaram nesses casos) e os juízes Sérgio Moro e Glaucenir Oliveira cometeram crime e devem ser punidos por isso.

Como disse Ruy Barbosa: "a pior ditadura é a do judiciário".

João de Paiva Andrade



http://jornalggn.com.br/noticia/2010-e-o-ano-da-ruptura-de-qualquer-pudor-ou-verniz-por-joao-de-paiva

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