Do Sul 21
Samir Oliveira
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas (PT), é categórico
ao afirmar que a presidente Dilma Rousseff (PT) irá vetar o novo Código
Florestal que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 25 de
abril. “A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a discussão”,
assegura o petista nesta entrevista ao Sul21.
Pepe garante que o texto não permanecerá intocado. “O Código
Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou. Terá ou um
veto total, ou um veto parcial”, comenta.
O ministro considera que há dois extremos nesse debate: o dos
ruralistas que somente querem flexibilizar a legislação e o dos
ambientalistas que defendem o que ele chama de “conservacionismo
elitista”. Pepe diz que o governo federal não está comprometido com
nenhuma dessas duas agendas.
Nesta entrevista ao Sul21, o ministro fala também
sobre as perspectivas para a reforma agrária no país e critica a
proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere responsabilidade
sobre a titulação de terras indígenas ao Congresso Nacional.
“Além de anistiar grandes desmatadores, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande”
Sul21 – Como o senhor avalia o texto do novo Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados?
Pepe – A
Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a discussão. Parte do
texto final aprovado é consenso entre Câmara e Senado. O texto do Senado
é muito mais equilibrado, mas algumas coisas aprovadas representam
avanços importantes. Há uma legislação bastante protetora para aquilo
que não foi desmatado. As disposições permanentes têm pontos muito
positivos. E tem um capítulo inteiro sobre a agricultura familiar que é
importante que seja preservado. Se o veto for total, zera todo esse
avanço. Mas também há aspectos extremamente negativos, como a parte que
previa a recomposição de áreas de preservação que foram devastadas.
Queremos que haja recomposição e admitimos que ela tenha diferenciações.
O agricultor que possui até quatro módulos fiscais não pode ter o mesmo
tratamento de quem tem 400 módulos. Defendemos que até quatro módulos
fiscais haja diferenciação nas exigências de recomposição de reserva
legal. O Senado também tinha entendido assim, mas a Câmara botou isso a
perder. Além de anistiar grandes desmatadores, o que é inadmissível, e
prever que não haverá recomposição nenhuma em determinadas áreas de
preservação permanente, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que
recompor igual ao grande.
Sul21 – Então o texto final terá artigos vetados pela presidente?
Pepe – O
Código Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou.
Terá ou um veto total, ou um veto parcial. Há dois extremos nocivos a
esse debate. O primeiro é o polo que defende as piores práticas
agropecuárias, é a turma da motosserra. Mas no outro polo, há um
ambientalismo que defende um conservacionismo elitista. Não entendem que
a parte ambiental precisa estar ligada à inclusão social de assentados,
de quilombolas, de comunidades de povos tradicionais e de pequenos
agricultores. Não concordamos com esse conservacionismo elitista que
desconsidera a dimensão social vinculada à ambiental. Esse ambientalismo
conservador e elitista não é o nosso horizonte. Queremos denunciar esse
tipo de gente, que muitas vezes está a serviço de interesses daqueles
que querem mercantilizar a natureza, colocando papeis financeiros para
especular na Bolsa. Aí os países em desenvolvimento se limitam a vender
serviços ambientais enquanto as nações ricas podem desmatar e comprar
esses papeis de serviços.
Sul21 – O senhor assumiu no dia 14 de março. Quais são as metas do ministério para este ano?
Pepe – A
prioridade é fortalecer os instrumentos de apoio e fomento à
agricultura familiar. Dos 5,1 milhões de estabelecimentos rurais no
Brasil, cerca de 4,3 milhões são unidades produtivas de agricultores
familiares. Elas representam 84% dos estabelecimentos e ocupam 74% da
mão de obra no meio rural. Há propriedades familiares já bem
desenvolvidas e inseridas no mercado, com capacidade de comercialização e
produção, mas que precisam do nosso apoio. E há também as propriedades
que ainda estão em desenvolvimento.
Sul21 – Que tipo de apoio o governo federal dá a esses produtores?
Pepe – Queremos fortalecer os instrumentos de acesso a crédito, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar),
que tem financiamento para custeio de safra e para investimentos. Há
também os instrumentos de apoio à comercialização. Queremos consolidar a
Rede Brasil Rural, que é uma plataforma eletrônica que viabiliza que as
cooperativas e associações de produtores cadastrem seus produtos. Já
temos mais de 400 cooperativas cadastradas e um universo grande de
fornecedores de insumos participando. Além disso, queremos fortalecer a
assistência técnica da extensão rural, que é muito importante para o
desenvolvimento produtivo das propriedades. E há os programas de
garantias de preços mínimos, que são importantes para dar estabilidade a
essa parcela de agricultores familiares que já está numa situação
desenvolvida ou em desenvolvimento.
“O Estado brasileiro, ao longo da história, assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza”
Sul21 - E que tipo de assistência pode ser dada às famílias que tentam chegar a esse estágio?
Pepe – Há
uma parcela da agricultura familiar que vive na extrema pobreza. Para
isso temos o programa Brasil Sem Miséria, que é coordenado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social. Como metade das 16 milhões de
pessoas que estão abaixo da linha da pobreza vivem no meio rural, uma
parte do programa fica sob nossa responsabilidade. Estamos antecipando
todas as metas de 2013 para 2012. São metas de atendimento a famílias
com assistência técnica diferenciada e continuada, e um subsídio de
fomento para atividade produtiva com fornecimento de sementes. Começou
ano passado no Nordeste, mas vamos atender também o Sul e o Sudeste,
desde que os estados entrem com a assistência técnica. No Rio Grande do
Sul, por exemplo, já acertamos com o governo. Nossa meta era atender
três mil famílias, mas o Estado nos disse que tem condições de atender 6
mil famílias.
Sul21 – Como estão as demarcações e desapropriações para a reforma agrária no país?Pepe – A
reforma agrária é um instrumento de combate à extrema pobreza no campo.
A agricultura familiar tem um papel importante no projeto nacional de
desenvolvimento, porque distribui melhor a renda, ocupa mais gente no
campo e produz 70% dos alimentos no país. Criou-se a ideia que só o
agronegócio exporta e é responsável pela balança comercial brasileira. O
peso do setor agrário nas exportações brasileiras foi de 36% do total
exportado em 2011. Nesse montante, 28% é relativo à agricultura familiar
na base. Temos que pensar em uma estratégia de desenvolvimento da
agricultura familiar para que ela exporte ainda mais. Há um grande
mercado a ser conquistado nos Estados Unidos e na Europa. Segmentos das
classes médias e altas desses países querem comprar produtos feitos de
forma justa e sustentável. Países com menor capacidade estão ocupando
esse nicho.
Sul21 – E como estão as demarcações de terras atualmente?
Pepe – Não
temos contingenciamento de recursos orçamentários para obtenção de
terras. Temos condições de executar todo o orçamento – previsto em R$
106 milhões. Já liberamos R$ 200 milhões em Títulos da Dívida Agrária
(TDAs) para que o Incra possa encaminhar o pagamento de decretos de
desapropriação. Liberamos também R$ 44 milhões para pagamento de
benfeitorias de imóveis cujas TDAs já estavam lançadas. Só com essa
liberação, já atendermos 11 mil famílias. Estamos mudando o processo
para fortalecer a infraestrutura dos assentamentos, começando pela
moradia. Historicamente, a moradia entrava no crédito de habitação do
Incra. O valor era R$ 15 mil por família, com três anos de carência e 17
anos para pagar. Mas temos o Minha Casa, Minha Vida, que financia
residências no valor de R$ 25 mil e tem 96% de subsídio. Não há por que
não colocarmos esse programa nos assentamentos. Iremos atender melhor e o
assentado irá gastar menos. Aceitamos discutir com os movimentos
sociais do campo uma nova metodologia do crédito de instalação. Estamos
debatendo uma melhor maneira, não formatamos nada ainda, mas vai haver
uma mudança. Queremos também levar os programas Água Para Todos e Luz
Para Todos para dentro dos assentamentos. Não há por que o Incra assumir
o financiamento dessas infraestruturas se existem programas que podem
arcar com esses custos. Com isso o Incra pode usar seus recursos para
priorizar outras questões fundamentais.
Sul21 – Como conciliar a realização de novos assentamentos com a melhoria dos já existentes?
Pepe – Tem
anos que assentaram 100 mil famílias, mas davam terra sem
infraestrutura. Temos um passivo social a ser resgatado. Há
assentamentos que se desenvolveram, exportam e possuem tecnologia
aplicada. Mas há um número expressivo de assentamentos com famílias que
vivem na linha da pobreza. O Estado brasileiro, ao longo da história,
assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza. A estratégia do
Brasil Sem Miséria é recuperar as estruturas desses locais. Vamos
reconhecer que assentados da reforma agrária também são cidadãos que
precisam ter acesso aos programas do governo federal. Não podemos achar
que só o Incra tem responsabilidade de resolver essas questões.
“A turma da casa grande, que sempre defendeu a predação do país por
uma elite minoritária, articulou a PEC 215 para impedir que o Estado
brasileiro reconheça os direitos dos quilombolas e dos povos indígenas”
Sul21 – O MST diz que o governo federal possui um teto de até
R$ 100 mil para desapropriações de terras. Os Sem-Terra alegam que isso
faz com que 90% das propriedades permaneçam intocáveis.
Pepe – Não
há nada que defina a existência de um teto de R$ 100 mil. Mas é verdade
que, quando se vai desapropriar uma terra, o custo dela interessa.
Quando o poder público vai desapropriar uma área para construir uma
escola ou fazer um projeto habitacional, o preço da terra é levado em
consideração. E, eventualmente, se a terra é muito cara, se opta por
outro lugar. Na reforma agrária não pode ser diferente. O valor por
hectare e o custo por família assentada são elementos importantes. O
administrador precisa zelar pelo princípio da economicidade. Isso não
significa dizer que se vá deixar de comprar terras. Mas também não
iremos comprar terras que custem R$ 30 mil por hectare. Assim como não
iremos comprar uma propriedade que custe R$ 2 mil por hectare e jogar as
famílias num local onde não há estrada, água ou luz. É preciso bom
senso.
Sul21 – O que encarece o custo das desapropriações?
Pepe – Há
um processo de encarecimento do preço da terra no Brasil. Precisamos
que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) que questiona a medida provisória
que estabeleceu que os juros compensatórios de uma terra desapropriada
seriam de 6% e não de 12% – fixados por uma jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça. Nenhum fundo de investimento remunera a esse valor.
O Judiciário brasileiro estabelece juros compensatórios numa
desapropriação de terras que remunera muito mais do que qualquer
aplicação no sistema financeiro. É possível especular muito mais tendo
uma terra desapropriada do que no mercado financeiro. Isso é um absurdo.
O governo, há muitos anos, fez uma medida provisória fixando os juros
em 6% e houve uma Adin que foi acolhida pelo STF em caráter liminar.
Continua-se pagando juros compensatórios de 12% e o julgamento do mérito
é aguardado há mais de 10 anos. Isso impacta o orçamento do Incra.
Quando o proprietário de uma terra não concorda com a avaliação do
Incra, o Judiciário demora cinco anos para decidir quanto é o preço de
uma terra desapropriada. Nesse meio tempo, o governo fica pagando 12% de
juros compensatórios. É óbvio que isso diminui a capacidade do Estado
brasileiro de desapropriar áreas para fins de reforma agrária. O
orçamento não é um elástico que pode ser esticado. Precisamos que o
Supremo julgue essa Adin. Se a taxa Selic está em 9%, por que os juros
compensatórios são 12%?
Sul21 – Qual sua posição sobre PEC 215, que transfere para o Congresso Nacional a titulação de terras indígenas?
Pepe – A
PEC 215 é uma reação dos setores mais retrógrados e conservadores que
querem impedir o reconhecimento por parte do Estado brasileiro dos
direitos dos povos e comunidades tradicionais. Temos uma posição
contrária a essa PEC e defendemos a constitucionalidade do decreto que
regulamenta a demarcação e o reconhecimento dos territórios quilombolas,
que está sendo julgado pelo STF. A turma da casa grande, que sempre
defendeu a predação do país por uma elite minoritária, articulou a PEC
215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os direitos dos
quilombolas e dos povos indígenas.
Sul21 – Há também a PEC do trabalho escravo, que propõe o confisco das propriedades que utilizem mão de obra escrava.
Pepe – Queremos
que seja aprovada. O trabalho escravo é uma abominação. Quem utiliza
trabalho escravo na produção precisa ter suas terras desapropriadas para
que elas cumpram uma função social.
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