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Por Assis Ribeiro
Liquidez no Sertão
Depois de décadas de miséria, a região começa a deixar de lado a imagem de recanto da pobreza brasileira
POR MARIANA SEGALA
Pouca gente conhece melhor a cidade baiana de Luís Eduardo Magalhães, 950 quilômetros a oeste de Salvador, do que a família Lauck. Eles chegaram à Bahia, vindos do Paraná, no começo da década de 1980, quando o local que hoje abriga o município não passava de um povoado minúsculo apelidado de Mimoso do Oeste. Era um lugarejo sem nada. Tudo que oferecia era terra para plantar. Os Lauck mudaram--se para lá numa época em que o normal era fazer exatamente o contrário: deixar a miséria do Nordeste e seguir para o Sudeste próspero, em busca de oportunidades de trabalho. Porém, menos de 30 anos depois de instalados os primeiros moradores, Luís Eduardo Magalhães hoje ostenta um símbolo dos ares muito diferentes que passaram a circular na região na última década. A cidade é a 11a do Brasil que mais recebeu imigrantes nos últimos anos. Pelo menos 35% da sua população (66 mil habitantes) não morava no município cinco anos atrás. "Vimos a cidade nascer, crescemos com ela e agora percebemos como tudo está mudando", conta o produtor rural Fábio Lauck, que mora lá desde os 8 anos de idade.
O Nordeste ainda exporta gente, e muita ainda, para o Sudeste, mas os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o fluxo diminuiu consideravelmente na última década. Mais do que isso: além de reter nordestinos, a região também tem conseguido atrair de volta gente que um dia decidiu sair. Os estados do Nordeste estão entre os que apresentam os mais altos índices de migração de retorno do País: 23% dos imigrantes de Pernambuco, por exemplo, são pessoas 110 caminho de volta para o estado natal. E há bolsões de atração como Luís Eduardo Magalhães, onde o crescimento econômico ca-tapultado pelo agronegócio foi expressivo a ponto de ter feito sua população quase quadruplicar em menos de 15 anos.
"Estamos finalmente conseguindo livrar a região da imagem de saco de pobreza que ela tinha até bem pouco tempo atrás", diz Tânia Barcelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco e sócia da consultoria Ceplan, especializada na Região Nordeste. "A orientação dos investimentos públicos para a infraestrutura e as políticas de redistribuição de renda no Brasil teve o impacto potencializado no Nordeste."
Não é difícil entender por quê. "Os trabalhadores que ganham salário mínimo formam um público enorme 110 Nordeste que, até dez anos atrás, não tinha poder de consumo nenhum", afirma Saumíneo Nascimento, secretário de Desenvolvimento Econômico de Sergipe. De lá para cá, o mínimo teve um aumento real, descontada a inflação do período, de nada menos que 70%. Seu valor atual é suficiente para comprar mais de duas cestas básicas, segundo as contas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). E a melhor relação já registrada pelo órgão desde o fim dos anos 1970.
Esse movimento ajudou a renda dos nordestinos a crescer acima da média nacional. O rendimento da região aumentou 40% desde 2004,10 pontos mais que o crescimento da renda dos brasileiros em geral. Isso provocou uma mudança de hábitos sem precedentes. "Quem usava ventilador, hoje luta contra o calor com ar-condicionado", diz Nascimento. Quem se locomovia com os folclóricos jegues consegue comprar uma motocicleta (a frota nordestina sobre duas rodas quadruplicou desde 2002). Quem não tinha eletrodoméstico passou a ter - e o consumo de energia elétrica nas casas da região disparou 84% em uma década, mais do que em qualquer outro lugar do Brasil.
Esse círculo virtuoso pôs o Nordeste em uma situação econômica privilegiada. "Assim como a Região Norte e a Centro-Oeste, estamos em uma fronteira de expansão cobiçada por empresas e investidores", diz Paulo Ferraz Guimarães, chefe do departamento nordestino do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Apesar dos efeitos da crise financeira de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) da região cresceu a uma média de 4,5% ao ano de 2002 para cá, com picos de 5,7% no Maranhão c 5,4% no Piauí. Espera-se, no entanto, que no próximo par de anos o crescimento do Nordeste se distancie ainda mais da média brasileira, que foi de 4% no mesmo período.
"0 conjunto de investimentos que existem na região está maturando agora e promete mostrar a que veio em breve", destaca Guimarães. O crescimento econômico é a arma que pode ajudar a região a superar os abismos históricos de desenvolvimento econômico e social que ainda a separam das áreas mais avançadas do País. Um olhar rápido sobre as estatísticas educacionais do Nordeste indica o tamanho do desafio a enfrentar. O número de adultos analfabetos da região caiu 15%, mas lá ainda está a taxa mais alta do País de pessoas que não sabem ler um simples bilhete. Elas representam 16,9% da população de 15 anos ou mais. A renda dos nordestinos aumentou, mas continua a ser a mais baixa do Brasil. A economia se dinamizou, mas ainda é desproporcional quando comparada com o tamanho de sua população - o PIB do Nordeste equivale a 13,5% do PIB do País, mas lá vivem quase 30% dos brasileiros. Não existe mágica para sair da lanterninha.
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