quinta-feira, 12 de abril de 2012

Angola, dez anos de paz e um futuro frustrado 12/04/2012


Angola comemorou no dia 4 uma década de paz. Desde que, em 2002, terminou uma guerra civil que durou 27 anos, o país prosperou graças ao petróleo. Mas as próximas eleições parlamentares poderão reviver a violência e a instabilidade. Apenas uma elite se beneficia do boom económico neste país da África austral, enquanto a maioria continua a viver na pobreza. Artigo de Kristin Palitza, da IPS.

“Houve crescimento, mas em matéria de democracia, direitos humanos e desenvolvimento social o país retrocedeu”, afirmou Elias Isaac, encarregado de Angola na ONG Iniciativa Sociedade Aberta para a África Austral (Osisa), num encontro com jornalistas na Cidade do Cabo, África do Sul, na véspera do aniversário.
Nesta década, Angola converteu-se na economia africana de maior crescimento. O Banco Mundial estima que, este ano, o seu produto interno bruto crescerá 12%, sobretudo pela exportação de petróleo, do qual este país é o segundo maior produtor do continente, depois da Nigéria.
No entanto, apenas uma pequena parte desse dinheiro chega ao grosso da população. Dos 16,5 milhões de habitantes, dois terços vivem com menos de 1,5 euros por dia, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Entre os 187 países medidos pelo Índice de Desenvolvimento Económico 011, Angola está em 148º lugar.
O recente impulso ao desenvolvimento da infraestrutura – estradas, aeroportos, escolas e hospitais – e a promessa de construir milhões de moradias são, para a oposição, “mero artifício” para desviar a atenção da opulenta riqueza que a pequena elite angolana acumula.
“A corrupção, o nepotismo e o desprezo pelas leis são os principais problemas”, admitiu o ex-primeiro-ministro Marcolino Moco (1992-1996), uma das poucas vozes críticas dentro do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que dirige este país desde 1975. “Não há consulta, mas impunidade e poder absoluto”. Um fato eloquente são os mais de 24 mil milhões de euros que não aparecem no tesouro do país e que o governo não pode dizer em que foram gastos.
O norte-americano Revenue Watch Institute (RWI), um grupo não governamental que promove a transparência em matéria de renda das indústrias extrativas, há alguns dias cobrou do Fundo Monetário Internacional (FMI) que retenha um desembolso de mais de 98 milhões de euros até que as autoridades angolanas justifiquem plenamente o destino desses milhares de milhões.
“O FMI deve insistir em que o governo se responsabilize por esses fundos antes de desembolsar os mais de 98 milhões de euros”, defendeu a diretora do RWI, Karin Lissakers. O governo deve combater urgentemente a corrupção e a má administração, acrescentou. “A falta de prestação de contas é total” concordou o político Horácio Junjuvili, da principal força de oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita).
“O presidente, José Eduardo dos Santos, usa os fundos do Estado como se fossem sua propriedade”, denunciou Lissakers. Em sua opinião, boa parte dos mais de 24 mil milhões de euros que viraram fumo devem estar depositados em contas de bancos estrangeiros. É um segredo conhecido que a filha do mandatário, Isabel dos Santos, que cuida da fortuna familiar, realizou nos últimos anos investimentos multimilionários no seu país e em Portugal.
Os angolanos sentem-se marginalizados da comunidade internacional, a qual, dizem, só se interessa pelos negócios com este país, mas não em pressionar para que melhorem o respeito aos direitos humanos e a governança. “O petróleo tem um papel central na política. Os interesses internacionais movem-se pelos negócios, não pela moral”, alertou Isaac.
Poucos acreditam que as eleições parlamentares, que devem acontecer em agosto ou setembro, produzirão alguma mudança. “Duvidamos que as eleições sejam livres e limpas”, disse Junjuvili. Com Santos no comando desde 1979, o país que foi colónia portuguesa converteu-se numa autocracia. O governante do MPLA conta com uma maioria parlamentar mais do que folgada e os contrapesos constitucionais são poucos e débeis.
Santos ignorou uma lei pela qual um juiz independente deve encabeçar o órgão eleitoral, e colocou novamente nesse posto Susana Inglês, uma advogada que lhe é próxima. Os partidos de oposição não aceitaram a nomeação e recorreram à Suprema Corte de Justiça, que ainda não se pronunciou.
“É uma ditadura. Quase todo o poder concentra-se nas mãos de uma pessoa, o presidente”, indicou Isaac. “Se as ilegalidades não acabarem, a oposição mobilizar-se-á e o país poderá cair no caos”. Nem a União Europeia e nem a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral acordaram estabelecer missões de observação para as eleições.
É improvável que o presidente ceda o seu lugar a novos dirigentes. O veterano lutador da guerra de independência, de 69 anos, manifestou em dezembro a sua disposição para conduzir o partido a uma nova eleição, afirmando estar “sempre disponível”. Nos últimos três meses, as pessoas começaram a manifestar-se nas ruas, reclamando direitos económicos e sociais e democracia. “O risco de instabilidade política é elevado”, alertou Moco.
As autoridades reagiram reprimindo os protestos. Desde janeiro foram proibidas cinco manifestações contra o governo e 46 militantes foram presos. Embora a liberdade de expressão esteja formalmente garantida, os meios de comunicação independentes quase não existem. Praticamente todos os jornais e emissoras de rádio e televisão são propriedade da família presidencial.
O governo deve cessar o uso de força excessiva contra manifestantes pacíficos, ativistas pelos direitos humanos e políticos de oposição, afirmou a organização Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York. “A crescente violência contra manifestantes, observadores e militantes políticos indica a deterioração do ambiente na medida em que as eleições se aproximam”, destacou Leslie Lefkow, da HRW. “Os que protestam estão sendo torturados. A situação é terrível. O futuro de Angola é obscuro”, concluiu Moco.
Cidade do Cabo, África do Sul, 12/4/2012
Artigo publicado em Envolverde/IPS.

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