Em entrevista à Carta Maior, Martin Almada,
ativista dos direitos humanos paraguaio, disse que o golpe que destituiu
Fernando Lugo da presidência revela a atualidade da Operação Condor, a
maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo
latino-americano. Entrevista de Najla Passos
Foto de Paraguay Resiste/flickr
Prémio Nobel da Paz alternativo, foi Almada quem descobriu, no Paraguai, na década de 90, o chamado “arquivo do terror”, que contém os principais registos conhecidos da Operação Condor, a articulação dos aparelhos repressivos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai que, a partir da década de 1960, sob a coordenação dos Estados Unidos, garantiram o extermínio das forças resistentes à implantação de um modelo económico favorável aos interesses das oligarquias locais e das multinacionais que elas representam.
Confira a entrevista:
- Como se deu a articulação do golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência do Paraguai?
Foi uma trama muito bem montada pela direita paraguaia. E quando digo direita paraguaia, refiro-me à oligarquia Vicuna, aos grandes fazendeiros, refiro-me aos donos da terra, os plantadores de soja transgénica, refiro-me às multinacionais, como a Cargil e a Monsanto, e também aos partidos tradicionais ligados a essas oligarquias. É um caso muito particular de golpe.
- Mas é possível compará-lo, por exemplo, com o golpe que ocorreu nas Honduras?
Ao contrário do que muitos dizem, não se pode comparar. Foram golpes completamente diferentes. Nas Honduras, o exército norte-americano interveio, juntamente com as tropas hondurenhas. A embaixada americana teve uma atuação clara. O presidente caiu na sua cama. No Paraguai, tudo foi articulado via parlamento, que é a instituição mais corrupta do país. No fundo, é claro, sem aparecer, também estava a embaixada americana. Mas a sua participação deu-se através das organizações não governamentais (ONGs) e dos órgãos de segurança. Normalmente, um golpe de estado, como ocorreu nas Honduras, dá-se com tiroteio, bomba, pólvora, morte. No Paraguai, não houve tiroteio, não houve pólvora. O que rolou foi muito dinheiro, muitos dólares.
- E como se comportou a imprensa paraguaia?
Os meios de comunicação estavam todos ao serviço do golpe. É por isso que digo que foi um golpe perfeito: quando o presidente golpista assumiu, cantou-se o hino nacional com uma orquestra. E uma orquestra de câmara. Foi um golpe planificado com muita antecipação.
- E onde estava o povo, os movimentos organizados que não saíram às ruas?
O presidente Lugo cometeu muitos erros. Primeiro, quando ocorreu a morte dos sete polícias e onze camponeses, eu penso, como defensor dos direitos humanos, que tanto a polícia quanto os camponeses eram inocentes. Aquele conflito foi uma trama. Os polícias usavam colete à prova de balas, mas os tiros ultrapassaram estes coletes. E nós sabemos que as armas usadas pelos camponeses são muito artesanais. Não teriam essa capacidade. O que nós imaginamos é que haviam infiltrados com armas muito potentes. E Lugo, após o conflito, fez uma declaração péssima: condenou os camponeses e prestou condolências aos familiares dos polícias. Isso caiu muito mal. Segundo, Lugo assinou uma lei repressiva, uma lei de tolerância zero. Outro erro de Lugo foi firmar acordo com a Colômbia para assessorar a polícia paraguaia.
- Para tentar manter-se no poder, ele fez concessões à direita que o desgastaram com as classes populares. É isso?
Exatamente. Então, no momento do golpe, o povo não saiu às ruas. Na verdade, foram dois motivos. Primeiro, a frustração, a indignação e o desencanto com Lugo. Segundo, no Paraguai, as pessoas com mais de 40 anos têm muito medo. Porque nós não vivemos 20 anos de ditadura. Nós vivemos 60. Então, só os jovens saíram às ruas. Aliás sempre, no Paraguai, as manifestações de rua são protagonizadas por jovens, que têm uma coragem admirável.
- Como o senhor avalia a posição dos demais países do Mercosul e da Unasul de condenarem o golpe?
Este golpe foi um golpe ao Mercosul, um golpe à Unasul, porque Lugo tinha boas relações com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com o presidente da Bolívia, Evo Morales... e isso desagradava. Lugo, com todos os seus defeitos, melhorou a saúde do povo, melhorou a educação, deu alimentação nas escolas, comida, merenda. Nem tudo estava mal. Mas ao invés de premiar Lugo, o castigaram. É por isso que acreditamos que foi um golpe à unidade regional. Uma conspiração contra a unidade da região, contra a pátria grande com que sonhou Martin Bolívar para todos os latino-americanos. Isso atenta contra todos. Pode ocorrer, amanhã, aqui, na Argentina... na Bolívia tentam um golpe de estado, no Equador também.
- Então, como na Operação Condor, é uma ameaça a toda a América Latina?
O golpe no Paraguai é a Condor a revelar-se. É prova que a Condor está a revelar-se com outro método. Uma Condor mais moderna, mais suave e mais parlamentar.
- E como pode o campo progressista reagir?
Esta reunião aqui no parlamento brasileiro para tratar da Operação Condor, por exemplo, é de extrema importância. Porque já é possível identificar três fases desta Operação. A primeira, que começou aqui no Brasil, em 1964, com a queda do presidente João Goulart, era uma Condor bilateral: Brasil-Argentina, Brasil-Paraguai, Brasil-Uruguai. A segunda, em 1975, já era uma Condor multilateral, com um acordo ratificado entre as ditaduras dos cinco países. Agora, a Condor é global. Depois dos eventos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, revelou-se que havia centros clandestinos de tortura americanos até na Europa. Portanto, há uma Condor global. E nós temos que entender o que é a Operação Condor, como ela funciona, quem a dirige... porque quem dirige a Condor é também quem dirige a Organização das Nações Unidas, o Pentágono, a máfia das drogas...
Artigo publicado na CartaMaior
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