segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Morte Escolhida de Paul Lafargue e Laura Marx 05/11/2012

Passou um século do suicídio de Lafargue e Laura Marx, uma morte escolhida que causou uma verdadeira comoção no socialismo internacional no qual representavam diretamente a continuidade familiar, sobretudo desde a morte de Engels. Artigo de Pepe Gutiérrez-Álvarez .
Esse gesto foi obviamente discutido e são bem conhecidos os comentários de Lenine, segundo os quais um socialista não se podia suicidar, enquanto pudesse servir a causa. Neste ponto, a trajetória de ambos era inatacável: Lafargue tinha 55 anos de ação militante e, ainda que mais modesta, Laura esteve sempre envolvida na causa em que nasceu.
O ato supremo teria seguramente passado despercebido se, em vez de Paul Lafargue   (Santiago de Cuba, 1842), tivesse sido um militante anónimo e, claro está, se a sua companheira até à morte, Laura, não fosse a filha de Marx. Há muito que dizer de Lafargue. Por exemplo, que o seu sogro não tinha uma boa opinião dele, ainda que sobre isso houvesse muito a dizer. "Semeei dragões, mas colhi pulgas", dizia ele. E era verdade, mas disso não se podia culpar o cubano-francês. Ele desenvolveu, ao longo de quase meio século, um trabalho muito importante. Conhece-se o seu papel na criação do que foi o PSOE (que ficou nalguma parte do exílio republicano) e que o seu nome está na primeira linha da história do socialismo francês e da Internacional. Tanto Laura como ele tiveram um enorme trabalho na recuperação dos textos de Marx.
Também foi autor de algumas obras importantes como “O direito à preguiça”, que o estalinismo teria queimado com o autor, mas que continua a ser editado, porque a polémica continua. Acreditava-se que a jornada das oito horas já tinha sido superada, quando esta antiga exigência (oito horas para trabalhar por um salário digno, oito para descansar e oito para o ócio criativo) continua a ser todo um programa para hoje. E o camarada Daniel Tanuro evocou-o como um dos antecessores do ecossocialismo.
Paul era filho único de uma família de antigos cultivadores, com sangue francês, dominicano e cubano. Tinha seis anos, quando saiu de Havana e foi para a França com os seus pais. Estudou, em Bordéus, e, mais tarde, em Toulouse. Finalmente, foi para Paris, onde estudou medicina, curso que concluiu, mas que não quis exercer. Enquanto estudante, declara-se republicano, socialista, materialista e ateu, colaborando com o que viria a ser o seu cunhado, Charles Longuet, na revista "Rive Gauche". Foi um dos animadores do Congresso Internacional de Estudantes. Era positivista e proudhoniano.

Em 1865, visita Marx, em Londres, e adere à Primeira Internacional. Continua os estudos, em Londres. No ano seguinte, é nomeado membro do Conselho Federal e, mais tarde, é enviado para Espanha, como secretário do mesmo. Nessa época, conhece e casa-se - apesar da oposição paterna - com a segunda filha menor de Marx, Laura, que será sua companheira e colaboradora até à morte. Os três primeiros filhos do matrimónio morrem recém-nascidos.
Depois da queda do Império, Paul Lafargue encontra-se em Bordéus, onde dirige a secção local da AIT e o jornal, "La Tribune", rechaçando uma perfeitura que lhe é oferecida e assim qualquer compromisso com a burguesia. Quando é proclamada a Comuna de Paris, Lafargue encarrega-se de procurar apoios nas províncias. Finalmente, consegue entrar em Paris y participa durante quatro semanas nas atividades comunais. Perseguido pela polícia de Thiers, refugia-se em Espanha. Thiers reclama a sua extradição, acusando-o de todo o tipo de crimes. Detido, em Huesca, é libertado pouco depois.
Permanecerá um ano em Espanha, colaborando com a secção espanhola da AIT. Juntamente com Pablo Iglesias, Mora e Mesa encabeça a fração marxista como representante das secções de Madrid e Lisboa, no que será o último Congresso da AIT, em La Haya. A maioria bakuninista expulsa-o da Federação madrilena. A conexão entre Lafargue e os socialistas espanhóis prolongar-se-á até ao final da sua vida, sendo um dos autores marxistas mais traduzido para castelhano no seu tempo.
Estabelecido, de novo, em Londres, Paul participa, desde o princípio, no grupo que edita "L´Egalité" e na difícil reconstrução do movimento operário francês juntamente com Guesde. É detido pelo seu protesto contra a proibição do previsto Congresso Operário internacional. Depois do seu processo, lança um programa chamado dos Socialistas Revolucionários. Em 1880, redige com Marx e Engels o programa constituinte do Partido Operário Francês. Nesse ano, escreve a sua obra mais celebrada, “O direito à preguiça”: heterodoxa e irónica, uma das mais frescas e valiosas do primeiro marxismo; uma crítica virulenta contra as conceções burguesas que estimam o trabalho como uma virtude.
Paul Lafargue compreende que o "ócio criador" é um privilégio da classe dominante que se funda na escravidão assalariada. Considera que o trabalho é um "dogma desastroso" e reivindica as palavras do pró socialista alemão Lessing que dizem: "sejamos preguiçosos em todas as coisas, exceto em amar e beber, exceto em ser preguiçosos". Em 1882, regressa a França graças a uma amnistia. Encontra trabalho, em Paris, como relator de uma companhia de seguros, mas não durará muito tempo. Terá que viver da escrita e conhece graves dificuldades que serão paliadas por Engels - que lhe criticará pelo seu pouco rigor nas traduções e na explicação das ideais de Marx - e que finalmente torná-lo-á herdeiro da sua fortuna.
Lafargue será juntamente com Guesde o principal dirigente do partido e o seu melhor expoente teórico. Escreve em toda a imprensa socialista e viaja de um lado para o outro, dando conferências. A sua mulher chamá-lo-á "o judeu errante". A sua escrita é terrível. Não respeita nenhum símbolo do sistema democrático burguês. Em 1883, é detido e condenado a seis meses de prisão, sendo acusado de "favorecer e propagar a morte e a pilhagem".  Em  1886, será novamente detido e processado pela sua campanha antimilitarista e pelo seu apoio decidido às lutas operárias que têm lugar em Decazeville.
Será também um dos fundadores da IIª Internacional e saúda o Primeiro de Maio escrevendo: "Pela primeira vez, a história da humanidade mostrou o grande espetáculo dos proletários do mundo inteiro unidos pelo mesmo pensamento, movidos por uma mesma vontade e obedecendo a uma mesma consigna". Depois de ser detido, pela sua denúncia da matança de Fourmies - onde o exército faria uma demonstração da sua eficácia, utilizando as novas  espingardas Lebel - consegue ser deputado. Da sua atuação diz um representante burguês: "Com Lafargue entrou no parlamento o coletivismo". Não fica encerrado no parlamento. Aproveitando o seu posto desenvolve um trabalho contínuo de agitação como "caixeiro-viajante do socialismo".
Ainda que estreitamente vinculado à figura de Guesde e à sua política, cujas caraterísticas define - conforme o historiador do socialismo Claude Willard - pelo "seu vocabulário revolucionário e internacionalista, (mas que) se instala num reformismo eleitoral, parlamentar, (e) se abandona num patriotismo que chega ocasionalmente ao chauvinismo". A situação de Lafargue é a de um lutador que atua sobretudo como agitador, propagandista e polemista do partido, sem nunca desenvolver uma obra completa.

Além de “O Direito à Preguiça”, destacam-se os seus escritos de crítica à ideologia burguesa (à religião em particular) e, em menor medida, nos trabalhos sobre economia, distingue-se um notável livro sobre os trusts em que analisa certeiramente a evolução do capitalismo norte-americano. As suas posições favoráveis à greve geral, a sua definição do partido como partido revolucionário que "defenderá em todo o momento uma linha de classe" e os seus contínuos posicionamentos situam-no claramente na esquerda socialista internacional.
Paul Lafargue suicidou-se com Laura Marx, no dia 26 de novembro de 1911, deixando num papel a seguinte explicação: "Estando são de corpo e espírito, deixo a vida antes que a velhice imperdoável me arrebate, um após outro, os prazeres e as alegrias da existência e que me despoje também das forças físicas e intelectuais; antes que paralise a minha energia, que quebre a minha vontade e que me converta numa carga para mim e para os demais. Há anos que prometi a mim mesmo não ultrapassar os setenta; por isso, escolho este momento para me despedir da vida, preparando para a execução da minha decisão uma injeção hipodérmica com ácido cianídrico. Morro com a alegria suprema de ter a certeza que, num futuro próximo, triunfará a causa pela qual lutei, durante 45 anos. Viva o comunismo! Viva o socialismo internacional!".

Lenine comentou na ocasião: "Um socialista não pertence a si mesmo, mas ao partido. Pode ser útil à classe operária. Por exemplo, escrevendo nem que seja um artigo ou um apelo. Não tem direito a suicidar-se". Algo sobre o qual haveria muito para discutir.

* Pepe Gutiérrez-Álvarez – Escritor. Publicado emhttp://kaosenlared.net/

Tradução: António José André.

EsquerdaNet 

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