Enviado por luisnassif Por Oscar Nassif de Mesquita
Tenho notado em comentários no seu blog uma visão a meu ver distorcida da contribuição de Einstein no estabelecimento da Mecânica Quântica. A visão que tem se passado é que Einstein não aceitava a Mecânica Quântica e era um crítico severo da mesma. Na verdade, Einstein foi um dos fundadores da Mecânica Quântica e as críticas que fez, foi em aspectos bastante sofisticados da nova teoria que estava surgindo e que a ajudaram em seu estabelecimento e entendimento.
A Mecânica Quântica (MQ) surgiu da tentativa de se explicar a radiação de corpo negro, a luz que materiais aquecidos emitem. A luz emitida de um ferro em brasa avermelhado não pode ser explicada sem a MQ. Planck em 1900, como ele mesmo menciona, em um ato de desespero depois de inúmeros fracassos usando as hipóteses clássicas tradicionais, fez a hipótese de que a energia luminosa emitida por tal fonte era quantizada, ou seja, era composta por um número inteiro de uma quantidade mínima básica de energia, que Planck denominou por quantum de energia, que ele postulou como sendo uma constante (constante de Planck) vezes a frequência da onda eletromagnética emitida. Ele então conseguiu uma função matemática que ajustou os dados experimentais e determinou o valor da constante de Planck, que dá uma escala de valor para os fenômenos quânticos.
A Mecânica Quântica ainda não existia como teoria Física. Logo após o trabalho de Planck, Einstein em 1905 entra em cena com duas contribuições geniais usando a hipótese de quantum de energia introduzida por Planck. Einstein propõe uma nova entidade física no problema da interação da luz com a matéria, que chamou de fóton, que é a quantidade mínima de energia que compõe a luz. Com a hipótese do fóton, ele consegue explicar outro fato experimental não explicado à época pelas hipóteses clássicas, o efeito fotoelétrico, ou como certos materiais ao absorverem luz aumentam a emissão de elétrons livres. A grande maioria dos detetores de luz e das câmeras fotográficas de hoje é feita de materiais, que devido o efeito fotoelétrico, geram correntes elétricas ao absorverem luz. Este foi um passo importante dado por Einstein para consolidar a hipótese quântica.
Outro passo importante dado por Einstein para a consolidação da hipótese de quantização da energia foi o da explicação do calor específico de sólidos, que é uma grandeza de quanto calor deve-se fornecer a um corpo por unidade de massa, para que sua temperatura aumente de um grau. No caso da água esta grandeza é de uma caloria por grama por grau centígrado. Einstein para explicar o calor específico de sólidos (a lei de Dulong-Petit era conhecida pelos químicos e não havia uma explicação para ela) fez a hipótese genial que a energia de vibração mecânica dos átomos na rede cristalina era também quantizada. O quantum de energia destas vibrações recebeu o nome de fônon e é dado pela mesma expressão de energia de fótons, ou seja, seu valor era o da constante de Planck multiplicada pela frequência de vibração mecânica da rede cristalina do sólido. Com a hipótese de fônons, Einstein explicou o calor específico de sólidos e inaugurou o que chamamos de Teoria Quântica de Sólidos. Um dos resultados tecnológicos importante desta teoria é o transistor, precursor dos chips atuais de computadores, feitos com materiais semicondutores.
A partir de seu postulado da existência de fótons, Einstein propôs um mecanismo de interação da radiação com a matéria tal que, para o equilíbrio termodinâmico ser preservado, deveriam existir três processos básicos nesta interação: absorção de luz, emissão espontânea e emissão estimulada. Graças a esta proposta, só para citar um resultado tecnológico importantíssimo, foi possível, ao se manipular as condições destes três processos em materiais, fazer com que a emissão estimulada ganhasse da emissão espontânea e assim tivéssemos uma fonte espetacular de luz chamada laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation).
Einstein ainda contribuiu para a aceitação da hipótese atômica da matéria, procurando manifestações macroscópicas do movimento microscópico (hoje se diria nanoscópico) dos átomos. Ele explicou um tipo de movimento conhecido como Movimento Browniano. O Movimento Browniano foi descoberto pelo biólogo Robert Brown em 1827 (daí o nome do movimento), que observou que partículas de pólen de flores dentro da água, quando observadas através de um microscópio óptico, descreviam um movimento irregular e ininterrupto. Pensou no início, que talvez o pólen contivesse alguma matéria viva que ficava nadando o tempo todo. Substituiu o pólen por partículas pequenas de alumínio e verificou o mesmo tipo de movimento. Einstein, em sua genialidade, demonstrou que se a água fosse constituída por átomos, as colisões destes átomos com uma partícula grande, muito maior que o tamanho deles átomos, causaria um movimento irregular da partícula grande, com certas propriedades estatísticas, que poderiam ser medidas com um microscópio óptico convencional. Assim, Einstein explicou o movimento Browniano e obteve a confirmação da hipótese atômica. Sua teoria possibilitou extrair dos dados experimentais o valor do número de Avogrado (número conhecido dos químicos correspondente ao número de átomos ou moléculas em um mol de material), que é a assinatura da composição atômica da matéria. Einstein foi então, juntamente com Ludwig Boltzmann, um dos fundadores da Mecânica Estatística, que através do movimento dos átomos descritos pelas leis de Newton e posteriormente pela Mecânica Quântica, explica os resultados macroscópicos proporcionados pela Termodinâmica e dá uma definição mecânica para temperatura e calor.
Todas estas contribuições geniais de Einstein foram dadas em torno do ano de 1905. Einstein à época quando introduziu o conceito de fóton analisou em detalhe a distribuição estatística de Planck da radiação de corpo negro e ao determinar uma expressão matemática para a flutuação de energia desta distribuição, verificou que esta expressão continha um termo de flutuação que descrevia a flutuação de partículas e outro termo que descrevia a flutuação de ondas. Ele então percebeu que algo diferente estava aparecendo neste contexto: uma entidade nova que se comportava como onda e partícula e cunhou o termo “dualidade onda-partícula” para se referir a este comportamento quântico. A Mecânica Quântica como uma teoria, começou a ser formulada por Bohr, Schrodinger e Heisenberg, a partir de 1913 a 1927. Baseado na dualidade onda-partícula, Schrodinger formulou sua famosa equação de onda para a Mecânica Quântica. Era uma equação que previa a propagação de uma função matemática, chamada função de onda, como uma onda de matéria, associada ao movimento das partículas quânticas. Como calcular quantidades observáveis a partir desta equação, requer a hipótese de Born, que é outra história. Enfim, com a equação de Schrodinger e a prescrição de Born, sabemos calcular a evolução dinâmica de sistemas microscópicos e os observáveis associados a eles. Uma vez formulada uma nova teoria, passa-se a estudar as novas previsões e implicações desta teoria. Uma das consequências da dualidade onda-partícula e da descrição ondulatória da mecânica é o princípio da incerteza de Heisenberg. Este princípio impõe um limite para a precisão que se pode determinar simultaneamente a posição e o momento linear (massa vezes velocidade) de uma partícula microscópica. Violar este princípio seria violar a MQ. Einstein então discutiu uma questão fundamental de interpretação da MQ. Num artigo famoso em 1935 ele formula um paradoxo que comprometia a interpretação vigente da MQ, que ficou conhecido como paradoxo EPR, devido a Einstein, Podolsky e Rosen. Supondo em um sistema, que certa interação gera, por exemplo, duas partículas pertencentes a um mesmo estado quântico, tal que sabendo informação de uma partícula, se sabe informação da outra, propôs então, que neste caso poderíamos medir a posição de uma das partículas com precisão infinita, devido a ignorância total da velocidade desta mesma partícula e medir a velocidade da outra com precisão infinita, ao não se saber nada da sua posição. Assim, como as partículas estão associadas ao mesmo estado, seria possível obter as posições e velocidades das duas partículas, com precisão além da permitida pelo princípio da incerteza, violando a MQ, indicando que faltava algo na MQ, para uma descrição completa dos fenômenos quânticos. Por causa deste artigo é que ficou a visão popular de que Einstein seria contra e não aceitava a MQ. Na verdade, Einstein na sua genialidade, viu implicações da MQ e de sua interpretação, que somente mais recentemente têm sido entendidas e esclarecidas. Partículas que estão em um mesmo estado quântico são ditas estar em um “estado emaranhado”, com correlações quânticas, que não podem ser descritas com argumentos de estatística convencional e envolve uma complicação extra na MQ chamada de não-localidade. Assim a MQ mostra que o paradoxo EPR não é na verdade um paradoxo e que não existe a violação do princípio de incerteza. No entanto, a discussão suscitada por Einstein toca no cerne da interpretação da MQ e suas críticas ajudaram a entender melhor a MQ e os estados emaranhados. Baseado no estudo de estados emaranhados uma nova área da Física surgiu recentemente sob o nome de “Informação Quântica”. A esperança da área é a de se fazer computadores quânticos com uma capacidade de processamento muito maior que a dos computadores atuais. Os computadores quânticos ao invés dos convencionais bits terão qubits codificados por estados emaranhados, onde a capacidade de armazenamento de informação será muito maior: ao invés do somente zero e um do computador convencional se teria um contínuo de possibilidades entre zero e um. Estados emaranhados já são usados na prática em criptografia de sinais em comunicação. O questionamento que Einstein fez da MQ procedia à época e pode-se dizer que gerou e ainda gera uma atividade científica estimulante até os dias de hoje.
Assim, além de formular as revolucionárias teorias da Relatividade Restrita e Geral, Einstein foi um dos fundadores da Mecânica Quântica, da Mecânica Estatística e suas idéias possibilitaram as revoluções tecnológicas de nossos dias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário