quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Comunidade judaica no Brasil está dividida sobre conflito em Gaza 22/11/2012


Entrevistados defendem criação de Estado Palestino, mas divergem sobre ataques da última semana

O mais recente capítulo no conflito entre Israel e Palestina está sendo visto com grande preocupação pela comunidade judaica brasileira. A declaração é de Ricardo Berkiensztat, vice-presidente executivo da Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo), entidade representativa da comunidade em território paulista.

Nesta terça-feira (20/11) uma manifestação pró-Israel e contra o terrorismo no vão livre do Masp, centro de São Paulo, contou com cerca de 600 pessoas. Berkiensztat, que esteve presente no evento e conversou com a reportagem de Opera Mundi momentos antes do anúncio do cessar-fogo [ocorrido na tarde desta quarta-feira (21)], afirma que o que a comunidade anseia é um acordo duradouro e que garanta o fim dos lançamentos de foguetes.

Segundo ele, a ação militar israelense na Faixa de Gaza não é desejável, mas “o Estado de Israel tem o direito de se defender. Desde o início do ano, mais de mil foguetes caíram no sul de Israel sem que o governo tivesse reagido. No entanto, chegou-se a um momento em que uma patrulha foi atingida e foi necessária uma resposta. Nossa preocupação principal é com os seres humanos, trata-se de uma aspiração comum a qualquer outro país democrático”.

Para ele, os ataques aéreos das Forças Armadas israelenses geralmente são “cirúrgicos” e não visam a população civil. “O problema é que o Hamas usa a população civil como escudo. Eles estão concentrados em prédios públicos, hospitais, escolas e até no centro de imprensa. Não dão à vida da população deles o mesmo valor que nós damos .” Ele também não concorda com a afirmação de que a resposta militar israelense seja desproporcional.

Jacques Royzen e Liane Zaidler/Fisesp

Manifestação organizada por judeus na Avenida Paulista pede apoio a Israel e fim dos conflitos

Berkiensztat defende a solução de dois estados como a única alternativa para uma paz definitiva, “vivendo lado a lado. Agora, você negocia com quem quer negociar, não com quem quer te destruir. Com a ANP [Autoridade Nacional Palestina, que administra a Cisjordânia] há possibilidade de negociação”.

Ele admite, no entanto, que as colônias judaicas em territórios reivindicados por palestinos atrapalham a negociação. “Sou contra as colônias, embora algumas estejam incorporadas ao território israelense. Concordo com a afirmação do presidente norte-americano Barack Obama, que defendeu a negociação das fronteiras previstas em 1967, mas com cessões proporcionais dos dois lados”. Berkiensztat via com maus olhos, ou “como última possibilidade”, a ideia de um ataque terrestre, agora remota com o anúncio do cessar-fogo.

Berkiensztat faz questão de lembrar que a comunidade judaica no Brasil é composta essencialmente por brasileiros, apenas com afinidade familiar, religiosa e cultural com Israel. “Por toda nossa história, somos em grande maioria humanistas. Esperamos apenas que outros estados árabes possam reconhecer Israel e que em breve [o presidente da ANP] Mahmoud Abbas possa sentar para negociar com quem quer que seja”, afirmou.

Contra o ataque

Por outro lado, há uma parcela de judeus que discordam das recentes ações de Israel e sugerem outra alternativa como resposta ao Hamas.

De acordo com Michael Band, presidente da ASA (Associação Sholem Aleichem), uma organização judaica progressista é a favor de uma negociação política. “Entendemos que armas e bombas não darão conta da complexidade dessa situação. Somente através da prática política é que nós, representantes dessa parcela da comunidade judaica, entendemos que seja possível chegar a algum acordo com os grupos que reivindicam espaço para sua própria nação”.

O dirigente entende que “nenhum país ficaria de braços cruzados frente a ataques, mas esta parcela da população árabe que joga foguetes [em território israelense] faz parte de um grupo radical. E é exatamente por serem radicais que entendemos que só com a política essa situação possa ser resolvida”. Band afirma que a ASA é contra a resposta belicista e ressalta o ótimo relacionamento que sempre existiu no Brasil entre as comunidades judaicas e as árabes e muçulmanas.

Na terça-feira, a ASA, em conjunto com o Icuf (Ídisher Cultur Farband), da Argentina, e da Aciz (Associação Cultural Israelita Zhitlovsky), de Montevidéu, publicou um comunicado criticando a troca de bombas dos dois lados. “Seguramente, há responsabilidade compartida entre os falcões de ambos os grupos, os militaristas e os fundamentalistas, que creem que somente com mais violência e guerra esse cruel impasse entre que separa os povos israelense e palestino seria solucionado”. “A única revolução no Oriente Médio é a paz, que consista em um reconhecimento mútuo e a existência digna e, em que cada um dos povos mereça viver dignamente em seu Estado, soberano, livre, autônomo e democrático”.

A opinião é partilhada pelo consultor e ativista Yuri Haasz, fundador da filial brasileira da FFIPP (Faculty for Israeli-Palestinian Peace), rede internacional que desenvolve ações de paz entre os dois lados com o objetivo de fomentar a paz na região.

Sobre o cessar-fogo, Haasz acredita que ele não trará nenhuma mudança ou transformação no cenário. “Esse recente capítulo não difere em nada do que tem sido o tom desse conflito. A tensão sob a qual os palestinos vivem facilita a pressão para uma reação tão forte.”

Haasz ressalta que o problema reside nas condições vigentes na região, e muito menos na provocação [palestina] e na reação [israelense]. “O problema não é a intervenção em si, mas as condições que geraram essa situação. A população em Gaza, que se vê em situação de extrema necessidade e impossibilitada de suprir necessidades básicas e sem autonomia política, acaba por pressionar o governo local a prestar contas. Em Gaza, essa reação se dá por ataques. Na Cisjordânia, o Fatah tenta mais pela via diplomática, apesar do crescente descontentamento da população. Essa situação ajuda o discurso de Israel para justificar a reação militar. E pela densidade populacional em Gaza, muitos civis são atingidos. Me parece uma sequência de eventos que dificilmente passará”.

Discordância

O conflito também gera opiniões discordantes entre irmãos. Os economistas Michel e André Gordon, por exemplo, concordam com a solução de dois Estados, com a intervenção aérea em Gaza e na condenação do Hamas. No entanto, discordam quanto às alternativas para se encerrar o conflito.

Michel, de 38 anos, além e trabalhar em um banco, é blogueiro e autor do livro fotográfico “Um Judeu no Islã” (Ed. Maayanot) em que relata sua viagem a países islâmicos e às comunidades judaicas remanescentes na região. Comedido, ele admite a possibilidade de que a invasão tenha fins eleitorais – embora não unicamente. Já André acredita que, assim como em 2008/2009, durante a Operação Chumbo Fundido, essa trégua não resolverá o problema. Os dois conversaram com Opera Mundi antes da assinatura do cessar-fogo.

Jacques Royzen e Liane Zaidler/Fisesp

Manifestantes na Avenida Paulista em favor de Israel

Diferentemente do irmão, André considera a invasão terrestre como uma alternativa viável. “Os ataques aéreos são a forma mais simples e menos custosa de se atingir um objetivo. Porém não a mais eficiente”. Em sua opinião, os bombardeios não impedirão que o Hamas se reagrupe e volte a atacar cidades israelenses no futuro”.

Michel, por sua vez, considera que a resposta aérea foi “praticamente impecável” porque evitou mais mortes de civis. “Foram os mais precisos possíveis dentro do que a técnica permite. Israel alega que o Hamas usa pessoas como escudo humano, e o Hamas nega. Mas o Hamas é um grupo de pouca transparência, que deu um golpe no Fatah. Portanto, acredito que Israel baseia seus alvos em locais de onde saem foguetes. Quero que matem alguém? Não, sou contra a pena de morte, mas há uma guerra ali, pois cerca de 700 foguetes foram lançados contra o outro lado”.

Os dois também discordam na questão da desproporcionalidade das forças em conflito. Michel concorda que a força de Israel é muito superior e, portanto, os estragos são maiores. “Embora o Hamas jogue foguetes a esmo, muitos deles de baixa potência, Israel tem um poderio militar incomparável. No entanto, dessa vez a desproporção é menor. O Hamas obteve foguetes mais potentes com ajuda do Irã, o alcance é mais amplo e com um poder de destruição considerável.”

André, por sua vez, considera que essa questão é baseada em um conceito irreal. “O objetivo não é destruir vidas palestinas, mas desmobilizar seus líderes. Senão o exército não lançaria panfletos avisando a população civil sobre o ataque”.

Por fim, Michel afirma que a maioria esmagadora da população israelense, exceto pela maioria fundamentalista religiosa, anseia viver em paz e harmonia ao lado de um futuro estado palestino.
 

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