sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Memórias da Alemanha Oriental sobrevivem em Berlim 23 anos após queda do muro 09/11/2012

Lembranças da divisão na capital alemã persistem sob a forma de histórias individuais e políticas de estado

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Símbolo da separação entre a Alemanha Oriental e a Ocidental, queda do muro de Berlim completa 23 anos nesta sexta-feira (9/11)

Mesmo após 23 anos da queda do muro de Berlim, completados nesta sexta-feira (09/11), a cidade ainda carrega consigo as contradições do período em que separava a Alemanha Oriental da República Democrática Alemã (RDA).

Mais do que os símbolos que não permitem o esquecimento dessa época, como o Memorial do Muro e o DDR Museum, a capital alemã oferece inúmeras histórias de pessoas que relacionam suas vidas com a RDA.

Um em cada cinco alemães morou na RDA, um país que durou 51 anos e teve uma população que oscilou entre 16 e 19 milhões de pessoas. Para Klaus Schroeder, professor da Universidade Livre de Berlim, a memória coletiva dos alemães segue sendo diferente dependendo da região geográfica de origem. “A RDA continua, predominantemente, na cabeça das pessoas que lá viveram. O país continua sendo parte de sua identidade.”

Georgia Nicolau/Opera Mundi

A comerciante Klari Kaiser diz que só tem boas memórias da época em que viveu na RDA

É o caso da comerciante Klari Maria Kaiser, de 37 anos. Nascida na Berlim Oriental, Klari mora e trabalha até hoje a poucas quadras de onde nasceu, no bairro Friedrichshain. Para ela, que tinha 14 anos quando o muro caiu, a RDA é sua casa. “Sinto-me alemã, mas meu lugar de origem é a RDA. Eu cresci ouvindo música clássica, cantava no coral e só tenho boas memórias dessa época.” Ex-harpista, Klari possui hoje uma pequena loja de sucos e vitaminas dentro de uma academia.

Nostalgia

A visão idílica de Klari coincide com a de muitos ex-moradores da RDA. Essa visão se tornou tão forte na Alemanha a partir do fim dos anos 90 que ganhou até nome próprio: Ostalgie, a nostalgia do Leste (Ost, em alemão). Uma série de filmes, como “Adeus, Lênin!”, contribuiu para uma revisão da história recente e fez com que os próprios alemães voltassem suas atenções para essa “outra” Alemanha que existiu.

Neste movimento foi inaugurado em 2006 o DDR Museum. Localizado no centro histórico de Berlim, na beira do Rio Spree, o Museu é inteiro feito com objetos doados por moradores da então RDA e é totalmente interativo: é possível ler os livros da época, vestir as roupas, assistir aos programas de televisão e até presenciar um interrogatório da Stasi, a polícia secreta da RDA. “A ideia do museu é que ele seja como um jogo, onde o visitante pode montar sua própria opinião sobre o que foi a RDA”, diz o diretor de pesquisa do Museu, o historiador Stefan Wolle.

Wolle, ele próprio filho da RDA, nasceu em uma pequena cidade perto de Berlim Oriental e tinha 39 anos em 9 de novembro de 1989, data da queda do muro. Pessoalmente, o pesquisador se diz totalmente contra qualquer tipo de nostalgia. “Meus filhos, diferentemente de mim, olham para Berlim e enxergam uma cidade única. Eu acho isso maravilhoso.”

Isso não impede que a instituição em que trabalha seja constantemente acusada de ter surfado na onda da nostalgia ao criar um museu sem contexto nem conteúdo, focado em bens de consumo. Além da pesquisa histórica e da interessante seleção de objetos, chama atenção no museu a venda de kits fortemente inspirados no filme "Adeus, Lênin!", com pepinos em conserva, o espumante Rotkäppchen, entre outros típicos produtos da RDA.

Georgia Nicolau/Opera Mundi

Loja do museu vende produtos típicos da República Democrática Alemã, inspirados no filme "Adeus, Lênin!"

“O que fazemos aqui é tentar contar a história do dia a dia das pessoas. Existem dois extremos. De um lado a ditadura, a prisão, um estado de segurança opressor. Por outro, a vida idílica onde todas as crianças tinham direito a creche, a taxa de desemprego era nula e existia seguro saúde para todos”, defende o historiador.

Volta ao passado imperial

Berlim, porém, continua se reconstruindo, as projeções o futuro da cidade continuam em transição. É só ver o exemplo de um terreno que já foi de tudo, nas proximidades do DDR Museum: um castelo barroco parcialmente destruído durante a Segunda Guerra Mundial, demolido pelo então chefe de governo da RDA, Walter Ulbricht, em 1950, e que 25 anos depois deu lugar ao Palácio da Republica, que abrigava o parlamento da RDA, o Congresso do Povo e a Casa da Cultura aberta. O Palácio, por sua vez, foi demolido em 2008.

Roberta Caldas/Opera Mundi

Exposição interativa no local onde será reconstruído o Castelo de Berlim, que era a residência oficial dos reis da Prússia


O terreno, por ora ainda vazio, vai dar lugar, nos próximos anos, ao projeto milionário Fórum Humboldt, que pretende reconstruir a fachada do prédio original e, pelo menos temporariamente, fechar o ciclo iniciado em 1701, quando o Palácio da Cidade de Berlim (Berliner Stadtschloss) era a residência oficial dos reis da Prússia.

Questionado se essa operação é uma tentativa de apagar o passado recente do país, o professor Schroeder diz que a reconstrução é na verdade uma forma de acordar a memória coletiva alemã para um período pré-separação. “Berlim tem quase 800 anos e é muito mais que apenas uma cidade dividida. A reconstrução, por este aspecto, é um esforço importante de comemoração.”

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