17/11/2012, Marwan Bishara, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Marwan Bishara |
Assistindo
à escalada em Israel/Palestina e aos
preparativos para um possível grande assalto por terra contra a Faixa de Gaza,
ouvem-se os mais variados comentários. Quando o comentário é novo, raramente é
correto; e quando é correto, raramente é novo.
Netanyahu, como seus
predecessores, está usando o assassinato do líder do Hamás, Ahmed al-Jaabari e a
subsequente escalada militar para minar as lideranças políticas na Palestina (do
Hamás e do Fatah) e aumentar suas chances de reeleição, incendiando as questões
de segurança nacional de Israel, pondo-as em evidência acima das questões de
segurança econômica, na mente dos eleitores israelenses. Há seis anos, escrevi
um artigo sob o título “Oriente
Médio: o ciclo das retaliações tem de acabar” (em
inglês) que se aplica
hoje, com pequenas correções de datas, alguns nomes etc. Dado que os fatos não
mudam e repetem-se incansavelmente, repito também a análise.
Se Israel espera interromper o ciclo de violência brutal, deve manter negociações mais sérias, escreve Bishara |
Quando
a poeira assentar, a ofensiva de Israel contra os territórios palestinos
sitiados terá causado mais mortes e mais destruição; e o governo de Israel
continuará preso no mesmo beco sem saída. Em vez de atacar os vizinhos, os
israelenses têm de pôr fim ao ciclo vicioso de provocações e retaliações e
engajar-se em negociações sérias e significativas.
O
governo israelense do primeiro ministro [há seis anos, era Ehud Olmert; hoje, é
Benyamin Netanyahu] fundamenta sua campanha contra a infraestrutura civil dos
palestinos em três falácias:
(1) que
Israel não inicia os ataques, apenas responde para proteger seus cidadãos, no
caso de um soldado sequestrado;
(2) que sua
resposta é proporcional e não visa a ferir a população civil; e
(3) que não
negocia com terroristas.
Para
começar, a ofensiva israelense não brotou, do nada, essa semana. O governo de
Israel, no poder [então] há apenas dois meses, é responsável pela morte de 850
palestinos, entre os quais muitas crianças, em ataques com alvo definido e
execuções extrajudiciais ilegais. O governo do Hamás manteve um cessar-fogo
unilateral por 15 meses, mas os ininterruptos ataques israelenses tornaram a
reação dos palestinos simples questão de tempo.
Desde
o início da Intifada, em setembro de 2000, repetidos bombardeios israelenses e
assassinatos predefinidos de palestinos agravaram a violência e resultaram em
número maior, não menor, de israelenses mortos e feridos. De fato, praticamente
todos os grandes atentados cometidos por suicidas-bomba palestinos desde 2001
foram atos de retaliação contra assassinatos cometidos por israelenses, a maior
parte dos quais cometidos quando os palestinos discutiam ou já se autoimpunham
decisão de cessar-fogo.
Mais
três exemplos: dia 31/7/2001, Israel assassinou dois importantes militantes do
Hamás em Nablus, assassinato que pôs fim a quase dois meses de cessar-fogo
autoimposto pelo Hamás e levou ao terrível atentado do dia 9/8, de um
suicida-bomba numa pizzaria em Jerusalem. Dia 23/7/2002, jatos israelenses
bombardearam um prédio de apartamento lotado de moradores na cidade de Gaza,
matando um alto dirigente do Hamás, Salah Shehada, e 15 civis, 11 dos quais
crianças, horas antes de ser declarado um cessar-fogo unilateral já decidido e
noticiado. Dia 4/8, pouco mais de uma semana depois, a resposta veio sob a forma
de outro atentado de suicida-bomba.
Dia
10/6/2003, Israel tentou assassinar um alto líder político do Hamás
em Gaza,
Abdel-Aziz Rantisi; a tentativa fracassou, Rantisi escapou com
vida, mas quatro civis palestinos morreram. Esse atentado levou à explosão do
ônibus em Jerusalém, que matou 16 israelenses.
Embora
os crimes-provocação de Israel não justifiquem os atentados de suicidas-bomba,
eles demonstram suficientemente que a fonte do terrorismo é, sempre, a agressão
militar israelense e a violência da ocupação. Nesse contexto, os civis
palestinos não se veem como “dano colateral”, mas como vítimas do terrorismo de
Estado.
Quanto
à natureza da “retaliação” pelos israelenses, difícil considerar “proporcional
e moderada” a destruição que Israel promove de toda a infraestrutura civil da
região onde vivem 1,3 milhões de palestinos. O Exército de Israel abriu a
ofensiva da semana passada contra Gaza bombardeando pontes, estradas, redes
elétricas e redes de suprimento de água.
A
própria natureza da ofensiva israelense visa a castigar, intimidar, assustar,
apavorar e conter, com força bélica desproporcional, indiferente ao sofrimento
que a ação inflija a civis. Cortar serviços básicos de toda a população é ação
não apenas injustificável: implica castigo coletivo, ação ilegal expressamente
proibida nos termos da Convenção de Genebra.
A
assimetria entre o poder de fogo de Israel e dos palestinos não pode ser
traduzida em assimetria também entre o valor da vida de israelenses e de
palestinos. O mundo alarmou-se quando os palestinos capturaram um soldado
israelense. Mas não se veem iguais sinais de alarme quando Israel mantém [então,
9 mil; hoje vários milhares de] prisioneiros palestinos.
Por
mais que Israel diga que não negocia com terroristas, negociou, sim, pelo menos,
com certeza, com o Hezbollah. O bombardeio israelense dos geradores elétricos
que alimentam a cidade de Beirute e a grande ofensiva em 1996, que levou ao
massacre de Qana, não foi suficiente para conter a resistência libanesa; e
Israel, sim, foi obrigada a negociar, usando intermediários, com um grupo que,
para Israel, é grupo terrorista; e foi obrigada a aceitar a troca de centenas de
prisioneiros libaneses e palestinos, para receber os restos mortais de soldados
israelenses mortos no Líbano. E Israel, como se sabe, também negociou com
palestinos, para obter a libertação do soldado Gilad Shalit.
Dado
que [então, 39; hoje 45] anos de esforços israelenses para intimidar os
palestinos, não conseguiram intimidá-los e, sim, só conseguiram levar os
palestinos à radicalização, não seria hora de Israel mudar de tática?
Naquele
minúsculo território, os israelenses jamais viverão em segurança, enquanto
mantiverem os palestinos em situação de insegurança desumana.
A
saga ainda em andamento comprova o absurdo do unilateralismo como opção. O então
primeiro ministro Olmert usou a captura de um soldado israelense para minar o
acordo histórico firmado com o Hamás, e que acabava de ser negociado com o
partido Fatah do presidente Mahmoud Abbas, para formar um governo de unidade:
seria o reconhecimento de facto, pelo governo palestino, do estado de
Israel e da possibilidade de negociar com Israel.
O
ocidente goste ou não, o Hamás, como o Hezbollah, são, sobretudo, produtos da
violência e da opressão da ocupação israelense, não o contrário. Por isso,
Israel teria tudo a ganhar se moderasse o uso de seu aparato bélico e se
dedicasse a negociar o fim da ocupação. Não há como pensar em segurança de
Israel, sem isso.
Se
insistir no uso desproporcional da violência, Israel só conseguirá fazer
aumentar a popularidade e o prestígio do Hamás e empurrar o grupo de volta à
clandestinidade e à guerra.
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