Identificadas e demarcadas, as terras indígenas já representam próximo de 15% do Brasil
Evaristo de Miranda, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estuda há anos a ocupação do território e o uso das terras no Brasil. Especialista em monitoramento sensorial por satélite, com doutorado em Ecologia na França, o renomado agrônomo comprova que anda sobrando pedido e faltando lugar para apaziguar tantos interesses. Mágica não resolve.
O resumo das informações da Embrapa mostra séria problemática. Atenção aos números. Na atividade agropecuária, somando as pastagens e as lavouras, exploram-se 2,15 milhões de quilômetros quadrados, representando uma fatia de 25% do território nacional. Essa superfície de produção, mantida nas propriedades rurais, pouco se tem alterado, conforme atestam os últimos três Censos Agropecuários do IBGE. Regra geral, as lavouras avançam sobre as pastagens extensivas, reduzindo-as, indicando intensificação no uso das terras. Eleva-se a produtividade por hectare ocupado. Boa agronomia, melhor zootecnia.
Expandem-se fortemente, por sua vez, as unidades de conservação ambiental. Os parques e reservas florestais constituem locais delimitados de preservação, mantidos sob responsabilidade do poder público. Geridos tanto pelo governo federal quanto pelos Estados, eles abrangem 14% do território nacional. Acrescendo-se a eles os parques municipais e certos domínios preservados pelas Forças Armadas, a fatia estatal de proteção da biodiversidade beira os 17% do País.
Identificadas e demarcadas, as terras indígenas ocupam 1,25 milhão de quilômetros quadrados, notadamente distribuídos pela Amazônia. Reservadas para o extrativismo dos arborícolas, essas imensas glebas recheadas de vegetação nativa representam próximo de 15% do Brasil. Adicionadas, as unidades de proteção da biodiversidade e as reservas indígenas, juntas, ocupam 32% do território nacional. Tal volume de terras ultrapassa o de qualquer outra nação, sendo de 10% a média mundial de áreas protegidas.
Além das áreas públicas, os estabelecimentos rurais declararam ao IBGE, por ocasião do último Censo Agropecuário (2006), manter um total de 50 milhões de hectares formando suas reservas legais e suas áreas de preservação permanente, localizadas dentro das propriedades. Isso significa que 5,9% do território nacional, apropriados por particulares, está sendo preservado para a fauna e a flora nativas, em especial nas faixas próximas dos cursos d'água. Matas ciliares.
Existem, ainda, os quilombolas. Asseguradas pela Constituição, as áreas remanescentes de quilombos têm sido progressivamente tituladas, já atingindo cerca de 1% do País. Por fim, as zonas urbanas expandem-se, por ora, sobre 0,25% do território. Considerando essas várias situações - agricultura, reservas florestais, indígenas, quilombolas e cidades -, chega-se ao índice de 64% do território nacional que apresenta ocupação definida e restrita. Uai, diria o caboclo, cadê o resto?
Embora o catastrofismo ecológico leve a opinião pública do Sul-Sudeste a imaginar o caos, excita a mente imaginar que um terço do território nacional ainda está praticamente desconhecido da sociedade. O incerto distribui-se, basicamente, nas imensas áreas devolutas e nos alagados da Região Norte. Basta saber que o bioma da Amazônia representa, sozinho, metade do Brasil e se mantém intacto em 81,2% nos lugares inóspitos, quase impenetráveis à exploração humana. Floresta virgem.
Quer dizer, em pleno século 21 existem 36% do território nacional sem uso definido. E sobre essa fatia, principalmente, recaem todas as demandas contemporâneas sobre a ocupação do território. Quais são elas?
Primeiro, a criação de novas unidades de proteção ambiental. Definidas pelo Ministério do Meio Ambiente, o mapa das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade sugerem, no mínimo, dobrar a salvaguarda ecológica atual.
Segundo, as exigências do Código Florestal. Qualquer que seja o capítulo final dessa longa novela, com certeza haverá uma duplicação das zonas preservadas dentro das propriedades rurais, especialmente nas margens dos rios.
Terceiro, os reclamos dos indígenas e, quarto, dos quilombolas. Não cessam os pedidos dessas populações tradicionais, indicando que se avançará nas demarcações existentes.
Quinto, resta a agricultura. Impelida pela demanda mundial de alimentos, e suportada pela biotecnologia, mesmo ganhando produtividade a produção rural deverá expandir as suas áreas cultivadas e pastoreadas. Perderia o bonde da História se o Brasil deixasse de aproveitar a chance de se tornar o celeiro do mundo.
Nas contas de Evaristo de Miranda, o somatório das demandas pela ocupação e uso do território nacional, especialmente contando as limitações ambientais, alcança 6,45 milhões km2. Isso representa quase 76% do território nacional. Conclusão: inexiste possibilidade, física e geográfica, de atender a todas as vontades expressas na sociedade. Como resolver os conflitos? Quem arbitra a disputa?
Sem estratégia definida pelo Estado, a solução depende do brilho na mídia e do jogo da política. Por enquanto, em face do preconceito urbano contra o ruralismo, quem está perdendo é a agropecuária. A necessidade de sua expansão recebe sinais negativos da sociedade, que, ao contrário, apoia que dela se subtraiam áreas de produção. Periga encolher o campo.
Gestão territorial: eis um bom tema para o debate nacional.
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