O relatório preliminar da Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos, organização independente que investigou o massacre de Curuguaty, ocorrido em 15 de junho no norte do Paraguai, apontou na última terça-feira (11) a polícia como responsável pela morte de 11 camponeses sem-terra e sete soldados. A matança serviu de mote para que o Parlamento paraguaio pedisse – e aprovasse – o impeachment do presidente Fernando Lugo, obrigado a deixar o poder uma semana depois do episódio.
Os resultados da investigação independente contradizem a versão oficial, patrocinada pela Justiça do país, para quem os agricultores foram os culpados pelo massacre porque teriam resistido a uma ordem de reintegração de posse que estava sendo cumprida pelas forças policiais. O grupo de camponeses ocupava uma fazenda de aproximadamente 2 mil hectares. De acordo com o portal Opera Mundi, as conclusões da Missão Internacional estão embasadas em entrevistas com testemunhas, familiares e vítimas. A organização defende a tese de que os trabalhadores rurais foram cercados pela polícia em duas frentes, e que muitos foram executados. Segundo a investigação, o dirigente sem-terra Avelino Espínola foi atingido pelo primeiro disparo.
“A missão constatou que 54 pessoas foram acusadas arbitrariamente por sete delitos penais (homicídio doloso, tentativa de homicídio, grave lesão, associação criminal, coação grave, coação e invasão), já que se carece de indícios minimamente suficientes”, diz o relatório, em referência aos camponeses presos pela matança.
As informações recolhidas atestam que a Justiça paraguaia chegou a prender pessoas que nem mesmo estavam presentes em Curuguaty no momento do massacre. O grupo acredita que os promotores e investigadores responsáveis pelo caso se basearam em uma antiga lista de famílias assentadas na região para fazer as acusações.
A investigação revelou ainda que as autoridades paraguaias violaram os direitos humanos dos sem-terra antes e depois do massacre. “Os depoimentos das vítimas do grupo camponês denunciaram presença policial diária, com ameaças de despejo”, afirma o documento. “Numerosos depoimentos coincidem que houve execuções, perseguições, ameaças de morte, torturas físicas e psicológicas e desatenção médica aos agricultores durante o operativo, imediatamente depois e nos dias seguintes ao 15 de junho.” O texto relata diversos casos de detentos que possuem ferimentos decorrentes do massacre, mas que o acesso ao hospital lhes foi negado por juízes.
Os integrantes da Missão Internacional se instalaram em Curuguaty entre os dias 5 e 9 deste mês e montaram um centro de levantamento e processamento de dados. Baseados nesses dias de trabalho, a comissão elaborou um relatório preliminar, mas pretende escrever um documento completo no final do ano para entregar às Nações Unidas e à Organização de Estados Americanos (OEA). A Missão Internacional é constituída por diversos movimentos sociais e campesinos paraguaios e estrangeiros, além de organizações de direitos humanos.
Em entrevista coletiva concedida em São Paulo pouco tempo após sua destituição, o ex-presidente Fernando Lugo já havia ventilado a possibilidade de que o massacre de Curuguaty tivesse sido deliberadamente executado para facilitar seu impeachment. “A hipótese mais factível é a de que houve francoatiradores”, disse o ex-bispo naquele então. “Há indícios muito chamativos. Por exemplo, os projéteis que atingiram os policiais impactaram na cabeça, no pescoço e no coração. Curioso. Não sabia que os camponeses haviam treinado para disparar em apenas três pontos. Não acredito nisso.”
Lugo revelou à imprensa brasileira que, após o massacre, seu governo começou a formar uma ‘comissão de notáveis’ para desvendar o que de fato havia ocorrido. A investigação do governo previa inclusive a presença de observadores internacionais. “Uma das primeiras coisas que faz o governo de Federico Franco é suprimir essa comissão”, criticou o presidente destituído. “Uma das grandes falências do Paraguai é que os grandes acontecimentos não são devidamente investigados. Até hoje, a morte do vice-presidente, em 1999, não se sabe quem foi.”
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