quinta-feira, 16 de maio de 2013

O mercado de luxo e a mais-valia 16/05/2013

Lula Miranda
LULA MIRANDA 
Quantos acidentes de trabalho; quantas aposentadorias por invalidez; quantas doenças ocupacionais; quantos trabalhadores com severos transtornos emocionais custaram aquela Ferrari
Uma notícia sobre a destruição de uma Ferrari, que custa cerca de R$2 milhões, num acidente ocorrido em um sistema viário aqui de SP, conhecido como "Cebolão", bem perto do meu trabalho, chamou a minha atenção e me levou a, mais uma vez, fazer uma reflexão sobre o chamado "mercado de luxo". Segmento do consumo no qual uma bolsa pode custar o equivalente ao valor de um carro popular, e um simples relógio pode valer o mesmo que um apartamento tipo quarto e sala. Quantas horas do trabalho de um operário, um empresário teria que subtrair para poder se dar ao luxo de possuir esses "mimos" típicos de grã-finos?
Suspeito que você nunca tenha feito essa associação, mas a Ferrari que uns poucos ostentam implica necessariamente na superexploração do trabalho de dezenas/centenas de trabalhadores, obtendo, como resultado dessa exploração, lucros exorbitantes suficientes para subsidiar a aquisição e uso de bens e serviços tão caros quanto desnecessários/fúteis. E isso não é conversa de " velho comunista" ou de militante da extrema-esquerda não, é a pura verdade.
Sou vizinho de um dos donos de um dos maiores jornais de São Paulo. Ele mora em uma casa bastante grande e confortável – até aí tudo certo, isso é natural, uma vez que ele é filho de um homem que construiu um verdadeiro conglomerado no ramo da comunicação. Não importando à sociedade se foi à custa de favores e serviços prestados à ditadura. A vida é assim: alguns lutaram contra a ditadura, outros tiraram proveito dela para fazer negócios e enriquecer. Assim é o jogo. Assim é o grande baile de máscaras.
Ao passar em frente a sua casa, já faz uns dois anos, mais ou menos, percebi que ele comprara a casa vizinha, que também era bastante grande, para demoli-la e construir no terreno uma piscina – informou-me o vigilante da rua. Direito seu, pensei. Sem problema. Afinal, ele era filho do... Conforme já lhes falei anteriormente.
O "detalhe" é que, por uma dessas coincidências da vida, naquele mesmo ano, a minha filha foi trabalhar na redação daquele jornal do qual esse meu vizinho é dono. E a menina tanto sofreu, tendo que, praticamente todas as semanas, invadir a madrugada trabalhando, para receber ao fim do mês um salário "de miséria", sem direito a hora-extra, mas apenas ao famigerado "banco de horas"; tanto penou que não suportou e resolveu pedir demissão. Ou seja, o cansaço, o estresse, eventuais doenças ocupacionais, que por ventura tenham acometido minha filha e/ou seus colegas jornalistas "financiaram" a piscina e a mansão daquele filho de um "barão da mídia".
Perceberam agora onde ou quero chegar? Perceberam como é verdadeira a minha tese de que é a mais-valia que está por detrás desses pequenos luxos com os quais se apraz em desfilar a parte mais escrota e individualista da nossa elite? Sim, pois o dinheiro não é fruto de árvores, mas fruto das relações de trabalho ou de troca de mercadorias.
Quantos acidentes de trabalho; quantas aposentadorias por invalidez; quantas doenças ocupacionais; quantos trabalhadores com severos transtornos emocionais custaram aquela Ferrari, o tal relógio que custa o preço de um apartamento ou aquela piscina; ou mesmo o helicóptero ou o jatinho privativo da socialite?
Portanto, quando você vir desfilando pelas ruas de nossas pobres cidades esses indivíduos que ostentam, sem pudor algum, sua futilidade e indiferença a tanta pobreza que ainda assola o nosso país, saiba que dali, daquela futilidade e indiferença, daquele mimo esnobe, escorre o sangue e o suor de um povo trabalhador.
Aquilo ali é o reluzente fruto bastardo da iniquidade, da exploração e da soberba.

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