sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A pena de morte, sem julgamento 13/01/2017

paulino
Rubens Valente e Marlene Bergamo dão, hoje, na Folha, uma preciosa lição de humanidade para quem acha que prender, prender, prender, cada vez mais e cada vez por menos é solução para o Brasil.
A dor conformada de D. Maria Paulino de Souza com a foto do filho Alex, preso numa investigação policial no mínimo confusa e mandado para um presídio porque uma juíza “achou melhor” encarcerar um acusado sem sequer passagem pela polícia, por tempo indeterminado, é um libelo contra gente que considera a vida humana desprezível, se estes humanos são pobres, miseráveis e, quem sabe, nem humanos são.
Alex sabia que ia morrer. Todos sabiam que Alex ia morrer. Não é possível, sequer, que uma juíza criminal não saiba para onde está mandando os seres humanos que manda encarcerar.
Quantos, entre os 650 mil presos brasileiros não estão na situação de Alex?
Quantas mães têm de estar à beira da dor conformada de Dona Maria?
A profissão de repórter, quando olha para as pessoas e não para as versões das autoridades, é esta: a de nos transportar para a casa humilde da mãe de Alex e para a a sua dor.

Preso sem condenação alertou a
mulher sobre massacre em Roraima

Rubens Valente/Marlene Bérgamo, na Folha
“Acho que vão matar gente aqui hoje. Tá tudo estranho. Se eu for, amo vocês todos. Amor, tá estranho aqui”. Essa foi a mensagem que o detento Abel Paulino de Sousa enviou à sua mulher, por celular, no último dia 5.
Naquela mesma noite, a facção criminosa PCC, segundo o governo estadual, matou 33 homens na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR).
Sousa está entre os 16 que foram decapitados. Ele foi enterrado no domingo (8), no mesmo dia em que completaria 25 anos de idade.
Como Sousa, outros cinco detentos morreram sem terem sido condenados pelo Judiciário. Estavam presos por decisões preventivas que ainda poderiam ser revistas.
A Folha localizou o inquérito de Sousa. Sem condenação anterior e sem passagem no sistema prisional de Roraima, ele havia chegado à penitenciária apenas um mês antes de sua morte.
O pesadelo para a família começou quando ele foi preso por policiais civis de Boa Vista na tarde do dia 5 de dezembro, com Francisco Wilami Souza de Oliveira, 39, e Marizete Almeida, 26. Um adolescente também foi apreendido. Oliveira e Marizete admitiram à polícia que já haviam sido presos sob suspeita de tráfico de drogas.
A polícia apresentou à Justiça 5,2 kg de pasta-base de cocaína, 391 gramas de crack, 412 gramas de cocaína em pó e 147 gramas de maconha.
Nesse ponto, o inquérito guarda uma contradição. Nas guias que acompanham a droga para o exame no Instituto de Criminalística, consta que ela foi apreendida “em poder” dos três presos.
Nos depoimentos prestados pelos policiais civis responsáveis pela prisão, porém, a história é diferente.
O agente da Polícia Civil Elias Magalhães disse que “a maior parte da droga estava na casa de Wilami; outra parte estava na casa do adolescente”. Acrescentou, porém, que “presenciaram quando Sousa deixou a droga na residência do adolescente”. Não há prova nos autos que comprovem essa afirmação.
Os policiais afirmaram que “informações indicavam” que Sousa “estava recebendo ordens para cuidar da droga” que vinha da Venezuela -também não há, no inquérito, a fonte das informações. Um policial ainda diz que apenas “uma pequena porção” da droga fora encontrada com Sousa, além de R$ 800 em seu bolso.
No único e curto depoimento que prestou à polícia, de uma página, Sousa disse que não entregou droga a outras pessoas e que não sabia da droga que estava com Oliveira, a quem conhecia apenas “da rua”.
Na audiência de custódia, no dia seguinte à prisão, Sousa afirmou que já fora apenas detido em janeiro passado “por envolvimento com drogas”, mas liberado em seguida e nunca condenado.
Ex-montador de móveis, Sousa disse à polícia que estava desempregado, estudara até o ensino médio e era pai solteiro de dois filhos. Afirmou ainda que não possuía bens nem dinheiro em conta bancária.
O cenário se complicou para Sousa, porém, quando Oliveira o acusou de ter sido um intermediário de entrega da droga trazida por “um venezuelano”. O adolescente também disse que recebeu de Sousa 500 gramas de cocaína para revenda.
Na audiência de custódia, Sousa não conseguiu convencer a juíza Suelen Silva Alves de que poderia responder ao processo em liberdade. Ela viu risco à ordem pública e converteu a prisão em flagrante para preventiva, sem prazo fixo para acabar, mas que poderia ser revista ao final do inquérito policial.
Como Boa Vista não tem um presídio específico para presos provisórios, Sousa foi enviado pelo governo para uma ala da penitenciária agrícola.
Parceiro de inquérito, Wilami Oliveira teve um fim igualmente trágico. Em 19 de dezembro, foi encontrado morto por enforcamento em uma cela da mesma unidade.
A família de Sousa disse à Folha que ele não pertencia a nenhuma facção criminosa e sempre negou a acusação de tráfico. No processo, ele ainda não havia conseguido recorrer da decisão da juíza e, oficialmente, continuava sem advogado, sendo representado pela Defensoria Pública, que atende pessoas com renda mensal inferior a três salários mínimos.
No dia 5 de janeiro, após ter recebido as mensagens preocupantes de Sousa sobre uma morte iminente, sua mulher tentou confortá-lo. “Por que você tá falando isso, você acha que é você?”
Sousa respondeu: “Sério, amor. Tô achando que sou eu. Se eu não te mandar mais mensagens, você não manda mais não, tá bom? Tô com medo, amor”.

http://www.tijolaco.com.br/blog/pena-de-morte-sem-julgamento/

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